Um novo ataque aos direitos das meninas
Câmara aprova PDL que veta aborto legal para vítimas de estupro, com festa da bancada conservadora. Retrocesso que exige mobilização imediata
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
A aprovação na Câmara dos Deputados, na noite de quarta-feira (5), do PDL 03/2025 representa um grave retrocesso no direito à vida, à integridade e à saúde de meninas vítimas de violência sexual no Brasil. O projeto susta os efeitos da Resolução 258/2024 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que criava protocolo de atendimento humanizado, ágil e prioritário para crianças e adolescentes vítimas de estupro, inclusive assegurando o acesso ao aborto legal.
O PDL, de autoria da deputada Chris Tonietto (PL-RJ) e com parecer favorável do relator, o deputado Luiz Gastão (PSD-CE), foi aprovado por 317 votos a 111 e segue agora para o Senado. De acordo com o texto da proposição, “o presente Decreto Legislativo objetiva a integral sustação de efeitos do ato normativo (…) haja vista que seu conteúdo exorbita gravemente do poder regulamentar do Conanda”.
O que a resolução revogada garantia
A Resolução 258/2024 dispunha que crianças e adolescentes vítimas de violência sexual têm direito, entre outros, à informação clara e adequada sobre o aborto legal em casos de estupro, risco à vida da gestante ou anencefalia fetal.
Estabelecia também que o atendimento deveria ser célere, sigiloso, livre de revitimização, sem que se exigisse boletim de ocorrência ou autorização judicial, quando isso resultasse em barreira ao direito.
A brutalidade e o impacto da votação
Com a aprovação do PDL, esse protocolo de proteção é bloqueado – e isso significa que meninas estupradas que engravidarem poderão ficar sem acesso garantido ao aborto legal, sem orientação, sem garantia de atendimento ágil e pertencente ao SUS. Como alerta o Ministério das Mulheres: “O PDL, ao anular essa orientação, cria um vácuo que dificulta o acesso dessas vítimas ao atendimento e representa um retrocesso em sua proteção”.
A deputada Sâmia Bomfim resumiu o horror da medida:
“Com essa revogação, meninas estarão mais expostas à negligência, violência institucional e impedimento de acesso aos seus direitos, como o aborto legal, previsto na legislação brasileira desde a década de 40. (…) É o Congresso inimigo do povo, reafirmando seu ódio à vida das crianças e mulheres brasileiras. Seguiremos lutando para barrar este absurdo no Senado! Criança não é mãe!”
A deputada Fernanda Melchionna também denunciou o tom misógino e fudamentalista dos discursos dos parlamentares favoráveis à medida:
“Estes que votaram a favor da revogação não defendem crianças, não defendem a vida. São sádicos que querem perpetuar ciclos de violência às custas da vida de meninas. Nós votamos contra.”
‘Cruzada’ contra o aborto
Esse é apenas mais um capítulo da ofensiva bancada de extrema direita e conservadora contra o aborto legal. Por exemplo, antes do PDL 03/2025, foram apresentados projetos para punir ainda mais severamente abortos em geral (como o que pretendia tratar abortos após 22 semanas como homicídio).
Também se vê forte pressão institucional para dificultar o acesso ao aborto legal mesmo nas hipóteses já permitidas em lei – estupro, risco de vida da gestante, anencefalia – com exigência de boletim de ocorrência, demora, recusa médica, o que torna o acesso quase impossível para meninas pobres e negras.
Por que essa votação é uma chaga para uma sociedade de justiça
Não podemos naturalizar que meninas estatisticamente negras, pobres e vítimas de violência sejam ainda mais vulnerabilizadas por políticas públicas. Quando o Estado decide bloquear protocolos de atendimento humanizado, ele legitima a violência institucional e a nega o direito à infância.
O discurso de “proteção à vida” usado por aqueles que votaram a favor do PDL é cínico: negar a essas meninas o direito ao aborto legal em situações de estupro é condená-las à maternidade forçada, à evasão escolar, aos riscos físicos e psíquicos graves.
A aprovação do PDL 03/2025 é uma manobra política de extrema gravidade. Esse voto não será esquecido, e cabe ao movimento popular, aos partidos de esquerda, aos movimentos feministas e de juventude pressionar o Senado para barrar essa barbárie – e ir além: exigir políticas públicas reais de proteção, atendimento, interrupção legal da gestação quando o direito assim o permite, e assistência integral às vítimas.
Você sabia?
- Em 2019, no Brasil, foram 19.330 nascimentos de mães de 10 a 14 anos.
- Entre 2020 e 2022, foram registradas mais de 49 000 nascimentos de mães entre 10 e 14 anos — faixa etária em que qualquer gestação é, por lei, resultado de estupro de vulnerável.
- Em 2020, cerca de 380.778 partos foram realizados por mães adolescentes (até 19 anos), o que correspondeu a 14% de todos os nascidos vivos no país.
- Segundo um levantamento, no período de 2011 a 2021 foram identificados 107.800 nascidos vivos cujas mães tinham entre 10 e 14,5 anos, média de 26 nascimentos por dia dessa faixa etária.