Um novo ataque aos direitos das meninas
Criança não é mãe

Um novo ataque aos direitos das meninas

Câmara aprova PDL que veta aborto legal para vítimas de estupro, com festa da bancada conservadora. Retrocesso que exige mobilização imediata

Tatiana Py Dutra 6 nov 2025, 10:45

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A aprovação na Câmara dos Deputados, na noite de quarta-feira (5), do PDL 03/2025 representa um grave retrocesso no direito à vida, à integridade e à saúde de meninas vítimas de violência sexual no Brasil. O projeto susta os efeitos da Resolução 258/2024 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que criava protocolo de atendimento humanizado, ágil e prioritário para crianças e adolescentes vítimas de estupro, inclusive assegurando o acesso ao aborto legal. 

O PDL, de autoria da deputada Chris Tonietto (PL-RJ) e com parecer favorável do relator, o deputado Luiz Gastão (PSD-CE), foi aprovado por 317 votos a 111 e segue agora para o Senado. De acordo com o texto da proposição, “o presente Decreto Legislativo objetiva a integral sustação de efeitos do ato normativo (…) haja vista que seu conteúdo exorbita gravemente do poder regulamentar do Conanda”. 

O que a resolução revogada garantia

A Resolução 258/2024 dispunha que crianças e adolescentes vítimas de violência sexual têm direito, entre outros, à informação clara e adequada sobre o aborto legal em casos de estupro, risco à vida da gestante ou anencefalia fetal. 

Estabelecia também que o atendimento deveria ser célere, sigiloso, livre de revitimização, sem que se exigisse boletim de ocorrência ou autorização judicial, quando isso resultasse em barreira ao direito. 

A brutalidade e o impacto da votação

Com a aprovação do PDL, esse protocolo de proteção é bloqueado – e isso significa que meninas estupradas que engravidarem poderão ficar sem acesso garantido ao aborto legal, sem orientação, sem garantia de atendimento ágil e pertencente ao SUS. Como alerta o Ministério das Mulheres: “O PDL, ao anular essa orientação, cria um vácuo que dificulta o acesso dessas vítimas ao atendimento e representa um retrocesso em sua proteção”. 

A deputada Sâmia Bomfim resumiu o horror da medida:

“Com essa revogação, meninas estarão mais expostas à negligência, violência institucional e impedimento de acesso aos seus direitos, como o aborto legal, previsto na legislação brasileira desde a década de 40. (…) É o Congresso inimigo do povo, reafirmando seu ódio à vida das crianças e mulheres brasileiras. Seguiremos lutando para barrar este absurdo no Senado! Criança não é mãe!”

A deputada Fernanda Melchionna também denunciou o tom misógino e fudamentalista dos discursos dos parlamentares favoráveis à medida:

“Estes que votaram a favor da revogação não defendem crianças, não defendem a vida. São sádicos que querem perpetuar ciclos de violência às custas da vida de meninas. Nós votamos contra.”

‘Cruzada’ contra o aborto

Esse é apenas mais um capítulo da ofensiva bancada de extrema direita e conservadora contra o aborto legal. Por exemplo, antes do PDL 03/2025, foram apresentados projetos para punir ainda mais severamente abortos em geral (como o que pretendia tratar abortos após 22 semanas como homicídio). 

Também se vê forte pressão institucional para dificultar o acesso ao aborto legal mesmo nas hipóteses já permitidas em lei – estupro, risco de vida da gestante, anencefalia – com exigência de boletim de ocorrência, demora, recusa médica, o que torna o acesso quase impossível para meninas pobres e negras. 

Por que essa votação é uma chaga para uma sociedade de justiça

Não podemos naturalizar que meninas estatisticamente negras, pobres e vítimas de violência sejam ainda mais vulnerabilizadas por políticas públicas. Quando o Estado decide bloquear protocolos de atendimento humanizado, ele legitima a violência institucional e a nega o direito à infância.

O discurso de “proteção à vida” usado por aqueles que votaram a favor do PDL é cínico: negar a essas meninas o direito ao aborto legal em situações de estupro é condená-las à maternidade forçada, à evasão escolar, aos riscos físicos e psíquicos graves.

A aprovação do PDL 03/2025 é uma manobra política de extrema gravidade. Esse voto não será esquecido, e cabe ao movimento popular, aos partidos de esquerda, aos movimentos feministas e de juventude pressionar o Senado para barrar essa barbárie – e ir além: exigir políticas públicas reais de proteção, atendimento, interrupção legal da gestação quando o direito assim o permite, e assistência integral às vítimas.

Você sabia?

  • Em 2019, no Brasil, foram 19.330 nascimentos de mães de 10 a 14 anos. 
  • Entre 2020 e 2022, foram registradas mais de 49 000 nascimentos de mães entre 10 e 14 anos — faixa etária em que qualquer gestação é, por lei, resultado de estupro de vulnerável. 
  • Em 2020, cerca de 380.778 partos foram realizados por mães adolescentes (até 19 anos), o que correspondeu a 14% de todos os nascidos vivos no país. 
  • Segundo um levantamento, no período de 2011 a 2021 foram identificados 107.800 nascidos vivos cujas mães tinham entre 10 e 14,5 anos, média de 26 nascimentos por dia dessa faixa etária. 

TV Movimento

Encontro Nacional do MES-PSOL

Ato de Abertura do Encontro Nacional do MES-PSOL, realizado no último dia 19/09 em São Paulo

Global Sumud Flotilla: Por que tentamos chegar a Gaza

Importante mensagem de três integrantes brasileiros da Global Sumud Flotilla! Mariana Conti é vereadora de Campinas, uma das maiores cidades do Brasil. Gabi Tolotti é presidente do PSOL no estado brasileiro do Rio Grande do Sul e chefe de gabinete da deputada estadual Luciana Genro. E Nicolas Calabrese é professor de Educação Física e militante da Rede Emancipa. Estamos unindo esforços no mundo inteiro para abrir um corredor humanitário e furar o cerco a Gaza!

Contradições entre soberania nacional e arcabouço fiscal – Bianca Valoski no Programa 20 Minutos

A especialista em políticas públicas Bianca Valoski foi convidada por Breno Altman para discutir as profundas contradições entre a soberania nacional e o arcabouço fiscal. Confira!
Editorial
Israel Dutra | 05 nov 2025

A vitória de Mamdani e os reflexos para a esquerda brasileira

A vitória de Zohran Mamdani é um fato mundial que influencia e reflete os debates no presente
A vitória de Mamdani e os reflexos para a esquerda brasileira
Publicações
Capa da última edição da Revista Movimento
A ascensão da extrema direita e o freio de emergência
Conheça o novo livro de Roberto Robaina!
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Conheça o novo livro de Roberto Robaina!

Autores