Por que estou rompendo com a corrente Resistência e aderindo ao MES

Carta de ingresso ao MES de Bento Ferreira, delegado sindical do Banco do Brasil.

Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres. Rosa de Luxemburgo.

1 – A experiência com PT

Em 1989, com dezesseis anos, iniciei minha militância política no Partido dos Trabalhadores. Nesta época, militava na campanha de Lula e no movimento secundarista. Tinha a certeza de que, se Lula fosse eleito presidente, iríamos ter uma ruptura com o sistema capitalista e duros enfrentamentos com a burguesia para promover, de fato, mudanças estruturais e profundas no Brasil.

Na década de 90, percebi que o PT era um partido cada vez mais integrado à ordem e por isso aderi, em 1993, ao manifesto “Hora da Verdade”, que levou a uma ruptura da corrente Articulação, da qual participei. Nessa década, atuei na luta interna dentro do Partido dos Trabalhadores construindo a Articulação de Esquerda. Também participei dos principais enfrentamentos do Movimento Estudantil, da derrubada do Collor, da luta contra o Provão e da luta contra privatização da Vale. A construção da AE (Articulação de Esquerda) dentro do partido e a participação no movimento estudantil levou a me tornar vice-presidente da UNE em 1997. A participação nas reuniões do Diretório Nacional do PT, como convidado, nos Encontros Nacionais do PT, e o convívio com quadros da direção nacional do partido me fizeram ter a consciência e a percepção de que a reforma o PT era uma missão impossível. Tive claro que o PT era um partido da ordem e perdido para a construção da revolução socialista. 

2 – A entrada no PSTU

O convívio com quadros do PSTU, principalmente o camarada Euclides Agrela, me fizeram ter a convicção e confiança necessárias para integrar o partido e, junto com outros quadros, como o camarada Jeferson Choma, ingressamos no PSTU em 2000.

No PSTU, ganhei a formação teórica que não tinha e pude fazer uma experiência internacional participando da Revolução Argentina. O processo revolucionário iniciado com a queda de Fernando de La Rúa e a militância comum junto com os quadros de origem morenista, que tinham uma longa trajetória de luta, foram fundamentais na minha formação e me proporcionaram uma das maiores experiências da minha vida.

Voltei ao Brasil logo após a eleição de Lula, em 2002, com a expectativa, compartilhada por todos nós que militávamos no PSTU/LIT-CI, de que a experiência dos trabalhadores com PT fosse rápida e que isso abriria uma oportunidade para os/as revolucionários/as. Infelizmente, o processo foi muito mais lento e contraditório que pensávamos.

Mas o problema não foi somente com a realidade: a política do PSTU ajudou a desperdiçar as poucas oportunidades existentes de construção da revolução. Houve um grande acerto tático, a criação da Conlutas, mas o abandono do projeto do “Novo Partido” que podia reunificar os/as revolucionários/as do país e a ruptura da CONCLAT demonstraram que o PSTU não estava disposto a aglutinar um amplo processo de reorganização da esquerda socialista no país. Perdemos a possibilidade de criar um grande partido da esquerda revolucionária.

Em junho de 2013, aconteceu a ruptura em massa com os governos do PT, mas o processo na sua maioria não foi aglutinado pela esquerda. A postura do PSTU não ajudou no processo, tendo uma conduta auto proclamatória e achando que as pessoas naturalmente “viriam procurar os/as revolucionários/as”.

Na verdade, o PSTU abandonou uma das principais táticas de construção partidárias, elaboradas por Nahuel Moreno, que é a possiblidade de construção das organizações revolucionárias em saltos, ou seja, não construindo o partido um a um. Isso fica claro quando dirigentes da LIT afirmam que a tática de FUR (Frente Única Revolucionária) elaborada por Moreno é equivocada e que a própria criação do PSTU foi uma experiência centrista.

Na verdade, hoje o PSTU tem como política a construção da organização de forma linear, que Moreno sempre criticou. Ele afirmava que essa política manteria o trotskismo na marginalidade e colocaria a humanidade em um impasse porque nunca superaríamos a crise de direção. Em seu livro Teses pra a atualização do programa de transição, Nahuel Moreno afirma: “(…) No se podrán construir grandes partidos trotskistas de masas por una vía lineal, por una acumulación evolutiva de militantes y por un crecimiento paulatino y sistemático. Será un proceso convulsivo, hecho de uniones y divisiones, tanto en cada uno de los países como a escala internacional (…)”.

3 – “É preciso arrancar alegria do futuro”

Em 2016, depois de um longo processo de luta interna, a TI (Tendência Internacional) rompeu com o PSTU levando quase metade dos militantes. A TI lançou o manifesto “É preciso arrancar alegria ao futuro!” e iniciou a construção de uma nova organização. Eu, desde o lançamento da TI, deixei claro aos camaradas que tinha diferenças com a tendência, mas resolvi assinar a adesão porque tinha um grande acordo em relação à política de reorganização da esquerda no Brasil e no mundo. Posicionei-me contra a ruptura com o PSTU e depois ainda demorei a me convencer de sair do partido.

Participei da fundação do MAIS e depois do processo de fusão que levou à formação da Resistência. Mas, sinceramente, acreditei que com a saída da Frente Popular do poder as diferenças que eu tinha com o MAIS/Resistência iriam diminuir.

Porém, essas diferenças se mantiveram e, nos momentos importantes, tive grandes divergências com a maior parte da direção. Não apoiei a ida aos atos por liberdade de Lula, não tive acordo que a palavra de ordem central “Lula Livre” fosse um dos eixos centrais de luta da Resistência. No setor sindical, conseguimos chegar a um texto de acordo na Conferencia Interna da Resistência, mas mantive importantes diferenças sobre a composição das chapas com a burocracia no período atual. Acho que o único acordo que tivemos foi a entrada da organização no PSOL e o lançamento da candidatura de Boulos para presidente. Atualmente entendo que as duas maiores divergências que apresento em relação à Resistência são a localização na luta interna do PSOL e como a Resistência entende hoje a política de frente única.

4 – A origem da diferença

A disputa pela direção e o combate à burocracia foram sempre elementos centrais para o trotskysmo. Leon Trotsky fundou a IV Internacional no momento histórico mais difícil para os trabalhadores. Por um lado, havia o nazi-fascismo que estava no auge, por outro lado o stalinismo comandava com mão de ferro a URSS. Ser militante trotskysta implicava correr elevado risco de morte.

E mesmo assim, em nenhum momento Leon Trotsky abriu mão de lutar pela direção dos trabalhadores do mundo e combater a burocracia mais poderosa do mundo, ou seja, o stalinismo. A IV Internacional, apesar de sua marginalidade no movimento de massas, foi pensada por Trotsky tendo como perspectiva a disputa da direção do movimento dos trabalhadores no mundo inteiro, enfrentando o imperialismo e a burocracia stalinista. A importância da crise de direção para Trotsky pode ser bem resumida na afirmação de que a crise da humanidade é a crise de sua direção. Nas teses para atualização do “Programa de Transição”, Moreno reafirma essa concepção:

Cuarto: que la crisis de la humanidad es consecuencia de la crisis de dirección del proletariado. Dicho de otra manera, que mientras el proletariado no solucionara la crisis de dirección, la humanidad iría de crisis en crisis, cada una de las cuales sería más aguda que la anterior. (…)

Quinto: que la crisis de dirección del proletariado mundial no es un fenómeno abstracto sino consecuencia de que las direcciones reconocidas del movimiento obrero y de masas, entre ellas la socialdemocracia y principalmente el stalinismo, se pasaron a favor del orden burgués imperialista. Todas las direcciones burocráticas o pequeñoburguesas (nacionalistas, izquierdistas, socialdemócratas y stalinistas) sirven historicamente – en forma directa o indirecta – a la contrarrevolución imperialista.

Mesmo nas situações mais difíceis, tanto Trotsky quanto Moreno, tinham como eixo da sua atuação a crise de direção. Ambos afirmaram que as condições para revolução estavam dadas e, na opinião de Moreno, a direção já deixava de ser um fator subjetivo para ser um fato objetivo que impedia o triunfo do socialismo no mundo.

A Resistência, em minha opinião, começou um processo que na prática relativiza esses princípios do trotskysmo. Uma expressão disso foi o debate da CSP-Conlutas, em fevereiro de 2017, em que Valério Arcary afirmava que a greve geral não havia ocorrido não somente porque as direções das centrais não queriam, mas também porque a classe trabalhadora não estava pronta. Em 28 de abril, a classe trabalhadora provou o contrário. Mas a elaboração continuou e começamos cada vez mais a ver nas elaborações que o problema estava no fato de que as derrotas colocaram objetivamente a classe para trás. Em praticamente todos os artigos do MAIS/Resistência, a maior parte da elaboração está dedicada a explicar como a correlação é desfavorável para classe e pouquíssimas linhas são dedicadas a explicar o papel das direções. No movimento sindical, a denúncia à burocracia a cada dia perde mais espaço.

Estar em um governo da extrema-direita e numa situação desfavorável não pode ser justificativa para relativizar a luta contra burocracia e a disputa da direção. Os princípios do trotskysmo terão peso na articulação e no fortalecimento de um movimento de massas que orientará a direção da classe trabalhadora somente quando os principais aparatos burocráticos forem desmascarados e destruídos.

Em bancários essa situação é clara, temos uma burocracia na CONTRAF/CUT que é a principal responsável pelas derrotas da categoria bancária e que depende diretamente dos bancos para sobreviver. Sem a destruição do aparato da CONTRAF/CUT a categoria bancária continuará acumulando derrotas.

5 – A questão da frente única

A tática de frente única desenvolvida por Leon Trotsky é uma das principais ferramentas para construir as duas estratégias centrais do trotskysmo: a mobilização permanente das massas e a construção da direção revolucionária. 

Mas a tática de frente única sempre foi pensada em oposição as direções centristas e contrarrevolucionárias. Ela pressupõe o chamado a suas direções, mas também sua construção pela base. A organização revolucionária mantém uma política permanente de exigência e denúncia em relação a essas organizações. Em fevereiro de 1922, Leon Trotsky explicava a importância da frente única para os revolucionários:

Não apenas os comunistas não devem se opor a essas ações comuns, mas, ao contrário, devem tomar a iniciativa, justamente porque quanto maiores são as massas atraídas ao movimento, mais alta se torna a consciência de sua força, mais segura se torna de si mesma, e mais se tornam capazes de marchar adiante, por mais modestas que tenham sido as consignas iniciais da luta. Isso quer dizer também que a ampliação do movimento das massas aumenta seu caráter revolucionário e cria condições mais favoráveis para as consignas, para os métodos de luta e, em geral, para a direção do Partido Comunista.

Os reformistas temem o impulso revolucionário em potencial do movimento de massas; a tribuna parlamentar, as sedes sindicais, os tribunais, as antecâmaras dos ministérios são seus lugares favoritos.

Nós, pelo contrário, estamos interessados, acima de qualquer outra consideração, em obrigar os reformistas a sair de seus esconderijos e colocá-los a nosso lado, na frente das massas em luta. Com uma boa tática isso só pode ocorrer em nosso benefício.

O comunista médio que duvida ou que tem medo se parece com um nadador que tenha aprovado a tese sobre o melhor método de natação mas que não se arrisca a mergulhar na água.

No mesmo texto, Leon Trotsky deixa claro que os reformistas não levaram até o final as ações da frente única e que a tendência é que ela se rompa durante o processo:

A política de frente única, contudo, não traz em si mesma garantias para a unidade de fato em todas as ações. Pelo contrário, em numerosas ocasiões, pode ser que na maior parte delas, o acordo das diferentes organizações só chegará a ser cumprido pela metade ou em nada. Mas é necessário que as massas em luta possam se convencer em todas as ocasiões que a unidade de ação não fracassou por culpa de nossa intransigência formal, mas sim por conta da ausência de uma verdadeira vontade de luta dos reformistas.

Por último, Trotsky deixa clara a importância da crítica no interior da frente única e a manutenção da independência das organizações revolucionárias.

A conclusão fundamental é que a Frente Única é uma tática fundamental na atual conjuntura para enfrentar a direita e a extrema-direita, mas tal tática vai se impor contra a vontade das direções reformistas. No caso desta tática ser vitoriosa, ela pressupõe uma disputa permanente pela direção da frente única com o reformismo.

A Resistência, em muitos documentos e artigos, mantem essa concepção, mas, na minha opinião, na prática tem esquecido desses dois pressupostos: que a tática é contra a direção reformista; e que há uma luta permanente pela direção dessa frente. No Brasil, é fundamental derrotar a direita, mas também é muito importante que os revolucionários saiam fortalecidos.

6 – A localização interna no PSOL

A localização interna dentro do PSOL da Resistência vai contra tudo o que o trotskysmo e o morenismo elaboraram sobre o entrismo. Os quadros da Resistência muitas vezes, para explicar sua atuação dentro do PSOL, utilizam o exemplo da Convergência Socialista (CS) dentro do PT. Em primeiro lugar, a CS nunca se aliou à direção majoritária e nunca a ajudou a estabilizar a direção do PT. 

A atuação da Resistência dentro do PSOL está mais parecida com a corrente lambertista, conhecida no Brasil como “O Trabalho”, que entrou no PT com uma caracterização errada da Articulação e de Lula. Por isso, manteve uma política interna de aliança com a direção majoritária do PT. Essa política chegou ao auge em 1987, quando a maioria da direção da corrente vota sua dissolução na Articulação, corrente majoritária do PT.

Não estou afirmando que a Resistência vai se dissolver dentro da PTL ou da Primavera Socialista. Mas estou afirmando que a política aplicada pela Resistência caminha na direção inversa do que seria uma tática de uma corrente revolucionária e que, no médio prazo, pode destruir a própria organização.

A tática coerente da Resistência seria aglutinar todas as correntes que têm o mesmo objetivo estratégico, aglutinando a esquerda revolucionária num polo à esquerda dentro do PSOL.

7 – Minha entrada no MES

A classe trabalhadora e a juventude passaram por 13 anos de governo de Frente Popular, pela experiência de junho de 2013 e agora passam por um governo da extrema- direita. 

A síntese dessas experiências é muito contraditória e pode levar a consciência tanto para a esquerda como para a direita. Infelizmente, a atuação da esquerda socialista não conseguiu aglutinar os trabalhadores que rompiam massivamente com o PT em junho de 2013. A política dos governos do PT e os erros da esquerda socialista deixaram que grande parte da juventude e dos trabalhadores fossem atraída pela extrema-direita. 

Agora, a esquerda socialista tem o desafio de aglutinar os setores que rompem com o governo Bolsonaro e com os que já estão na oposição ao governo. A derrota da extrema-direita é fundamental, mas também a luta para que os revolucionários dirijam a frente única é muito importante. Não queremos que o processo de luta contra o Bolsonaro deságue em novo governo de conciliação de classes e, pior, com uma oposição de esquerda mais enfraquecida. Um novo governo do PT não vai ter nada de progressivo.

Mas, para disputar a consciência, é necessário saber que os trabalhadores já têm uma experiência com o PT. Não podemos querer regredir às décadas de 80 e 90, antes do PT ser governo central. Também precisamos saber que existe um importante sentimento anti-partido, fruto das traições do PT, da CUT e da UNE. Isso também acarreta uma grande desconfiança nas organizações tradicionais.

O MES é uma corrente socialista, dinâmica e em construção. O MES sempre teve uma política de diferenciação com o PT e com o PCdoB. Cometeu um erro inicial sobre a caracterização da Operação Lava Jato, mas, no geral, teve uma política correta, não capitulando ao reformismo e combatendo a extrema-direita.

A política de não se confundir com o reformismo permitiu aglutinar importantes setores de juventude – e conseguir fazer uma transição desses quadros para atuar no movimento sindical e na política institucional é uma estratégia importante. O MES soube a importância de dar destaque ao debate das opressões e tem uma política de se enraizar na periferia.

Na educação popular, impulsiona a Rede Emancipa. Esta atuação tem permitido um salto do MES na construção junto à juventude trabalhadora nas periferias das grandes cidades.

Os mandatos dos/as três parlamentares permitem a construção de tribunos que tenham destaque na frente institucional, mas também sejam referências para os movimentos sindical, estudantil e popular.

Isso não significa que o MES não tenha problemas, como, por exemplo, ter no próximo período o desafio de aumentar a organicidade da corrente e construir uma forte direção sindical.

No movimento sindical, a atuação do MES ainda é pequena, mas acredito que podemos construir uma boa equipe e sólida estrutura em bancários, construindo as oposições e contribuindo na construção de uma direção alternativa à CONTRAF/CUT.

Os próximos anos não serão fáceis, mas estou realmente entusiasmado para esse novo desafio. Tenho esperança de que a luta de classes  no Brasil, no futuro, reunifique os revolucionários.


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Pedro Micussi