Se morar é um direito, um judiciário que o garanta é um dever
Esse escrito se propõe a reflexão da atual dificuldade de garantia do direito à moradia, fomentada pelo Poder Judiciário, que pôde ser vista na experiência dos ex-moradores do antigo edifício Di Thiene (São Caetano do Sul – ABC Paulista). Após terem sofrido com um desabamento parcial e a demolição de suas casas, a forte mobilização popular, organizada pelos ex-moradores, foi não somente para terem algum amparo da Prefeitura Municipal de São Caetano do Sul, como para que a justiça possibilitasse que seus direitos fossem minimamente garantidos.
Este texto faz parte da conclusão da disciplina Poder Judiciário ministrada pelo Professor Doutor Marcelo Arno Nerling.
PELA LEI, TINHA CASA COM GENTE E GENTE COM CASA.
Primeiramente, é preciso ser feita uma breve menção ao direito à moradia. A moradia como direito social está regulamentada no art. 6º da Constituição Federal, bem como, no art. 5º onde temos que a propriedade deve garantir sua função social [1], ou seja, deve atender às necessidades da sociedade. Tratando-se de um debate municipal, o Plano Diretor Estratégico de São Caetano do Sul também é uma normativa que impõe as regras para a garantia da função social da propriedade e estipula as intervenções que a prefeitura municipal pode realizar quando essa deixa de ser cumprida [2].
Este debate é de extrema importância em um país em que 6 milhões de imóveis estão vazios e que 6,9 milhões de pessoas estão sem casa [3]. A realidade de não se ter onde morar, estar de favor na casa de um parente e de gastar uma significativa parte da renda com aluguel é cada vez mais presente. A Fundação João Pinheiro, referência na temática, coloca como déficit habitacional os domicílios que são precários, ou seja, sem condições de habitação, aqueles em coabitação e quando há ônus excessivo com imóvel, ou seja, quando a renda familiar equivale a 3 salários-mínimos e se gasta mais de 30% desse valor com aluguel [4].
ISOLAMENTO ENTRE 4 PAREDES. FOI PARA QUEM?
Com a pandemia do COVID-19 ter onde morar se tornou um direito mais essencial ainda. Ao que pese a necessidade de manutenção de direitos básicos de higiene, como ter água nas torneiras e sabão para lavar as mãos, o distanciamento social se tornou a melhor medida de prevenção ao vírus. As pessoas que vivenciam o déficit habitacional foram aquelas com maior dificuldade de proteção e isolamento social, logo, as mais afetadas no contágio da pandemia. Um estudo da PUC-Rio mostra que a escolaridade foi uma variável no contágio, já que pessoas sem escolaridade tiveram o nível de letalidade três vezes maior do que as com nível superior. Isso se repete no recorte de raça, em que pessoas negras, em sua maioria moradores da periferia, tiveram letalidade de 55% enquanto a de pessoas brancas esteve em 38% [5].
Algumas medidas foram tomadas de forma a garantir a moradia como direito ao isolamento social. O ministro Barroso, em junho de 2021, atendeu parte de uma ação do PSOL, suspendendo por seis meses reintegrações de posse de áreas ocupadas antes da pandemia e impedindo despejos sumários de pessoas em situação de vulnerabilidade [6]. Além disso, em outubro de 2021 foi promulgada a lei federal Nº14.216 que suspende desocupações até 31 de dezembro deste mesmo ano [7].
Entretanto, a demora para a efetivação dessas políticas fez com que muitas famílias ficassem desprotegidas e em situação de vulnerabilidade , sofrendo com despejos violentos e sendo mais expostas ao vírus. Muitas delas são as mesmas pessoas que já não tiveram o direito a se isolarem em suas casas como forma de proteção, já que o trabalho era uma necessidade de sobrevivência. Somado a isso, enfrentaram a dificuldade de se verem sem casa ou pedindo socorro aos seus familiares em um momento, inclusive, de empobrecimento geral da população. Como veremos a seguir, este foi o caso vivido pelos ex-moradores do edifício Di Thiene.
DI THIENE, PARA ALÉM DE UMA BANDEIRA.
Em 8 de junho de 2019 o Edifício Di Thiene, localizado em São Caetano do Sul, na Rua Heloísa Pamplona do bairro Fundação, sofreu um desabamento parcial, deixando 102 pessoas desabrigadas [8]. Parte da laje deste edifício cedeu e como resposta a Prefeitura interditou o prédio, retirando às pressas as famílias que lá moravam, para que o prédio fosse demolido, ação feita a partir do laudo pericial da Defesa Civil e da Secretaria de Obras de São Caetano do Sul.
Se tratava de um terreno, segundo relatos de moradores, que no início de sua construção teria o planejamento para ser um centro comercial e, com a falência do empreendedor e desistência do término da construção, as pessoas que já estavam encaminhando seus espaços no possível centro consolidaram seus negócios e passaram a construir habitações para suas famílias neste mesmo local. Muitas dessas famílias tinham feito a compra da área em que moravam – como relatam em vídeo feito pela Associação do bairro “Fundação Viva” – com valores que variavam de 30 mil a 50 mil [9] e com documentações que comprovavam a aquisição.
Com a derrubada do prédio, o poder público na época aprovou e regulamentou a lei municipal Nº5765/2019 que concedia um auxílio emergencial para as famílias vítimas do desabamento no valor de R$800,00 no primeiro mês e de R$400,00 nos seguintes 17 meses [10]. Essa medida foi feita ao mesmo tempo que a Prefeitura da cidade estabelecia diálogo com a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do estado de São Paulo (CDHU) ofertando dois terrenos para que um deles fosse escolhido para a construção de moradias, uma obra com previsão de 24 meses.
É preciso colocar que nenhum dos dois terrenos escolhidos pela prefeitura de São Caetano do Sul eram localizados no bairro Fundação, local em que muitos dos ex-moradores e suas famílias estiveram por mais de 60 anos, ajudando na construção do bairro com seus comércios e contribuindo para o município, seja girando a economia ou pagando seus impostos.
Poderíamos supor que essa era uma questão de logística, de uma possível falta de terrenos públicos no bairro, entretanto em agosto de 2019 – no auge das negociações e encaminhamentos para uma provável solução do caso – o então prefeito José Auricchio Junior decretou como utilidade pública, para desapropriação amigável ou judicial, o terreno do antigo edifício Di Thiene. O motivo do decreto Nº11.446/2019 pouco tinha relação com a tragédia sofrida pelos moradores, o terreno seria destinado para a construção de uma unidade escolar da rede pública municipal. Com disputas na justiça, até o presente momento, a Prefeitura não conseguiu a desapropriação do terreno.
A promulgação deste decreto é a prova de que houve um aproveitamento da situação para a concretização de um projeto higienista de expulsão dos mais pobres que eram residentes do bairro. Isso é evidente pois o bairro Fundação vem enfrentando um processo de verticalização e de especulação imobiliária, marcado pelo projeto “Re Fundação”, feito pelo executivo por meio de um Plano Diretor Estratégico para que o bairro fosse “reciclado, revitalizado e reformulado” em que um dos quatro eixos do projeto era justamente a destinação da área em que era localizado o antigo edifício Di Thiene. As opções definidas no plano para a destinação do terreno de nada tinham relação com a temática da moradia. Segundo o site da Prefeitura o terreno teria futuro em uma das seguintes propostas: “construção de um posto do Atende Fácil, uma escola de Ensino Fundamental, um centro administrativo da Prefeitura ou um Campus da USCS”.
No início de 2021 o auxílio emergencial se encerrou e o contrato com a CDHU para a construção de novas moradias sequer tinha sido firmado. Com isso, os moradores se articularam e exigiram respostas do poder público, mas sem sucesso sobre a previsão de construção das novas moradias e da possibilidade de renovação do auxílio emergencial.
No dia 1º de maio de 2021, como forma legítima de protesto para serem notados, os moradores se organizaram e ocuparam o terreno em que o prédio se localizava. Era um marco em que 84 famílias voltavam para um espaço onde construíram suas vidas e que, como veremos a seguir, apesar de a justiça não o considerar pertencente a essas pessoas, elas carregavam documentações como contratos dos imóveis, IPTUs, inclusive datados no ano de 2021. Mesmo sem os moradores no local, contas como IPTU continuaram chegando no terreno.
O PODER JUDICIÁRIO E A NÃO GARANTIA DE DIREITOS.
É preciso colocar que após o edifício ser demolido, o terreno ficou durante dois anos sem ser utilizado, apenas com tapumes que o cercavam e com a natureza se apossando dele no crescimento de mato. A inércia não foi a mesma com o movimento de ocupação que, no dia seguinte, enfrentou seu primeiro pedido de reintegração de posse, movido pela Sociedade Civil Imobiliária e Incorporadora São Caetano Di Thiene. A resposta do pedido foi que, embora houvesse importância em sanar o problema com os “invasores”, isso não poderia ser feito no plantão do judiciário [11]. Neste dia era dado início, para os ocupantes, de uma grande corrida em busca de direitos, amparo e justiça.
No dia 11 o processo foi analisado em expediente pela comarca de São Caetano do Sul e a juíza defere a liminar de reintegração de posse, por entender que a parte autora do pedido exercia posse, mesmo que indireta, sobre o terreno. A utilização da força policial, caso fosse necessário, foi autorizada e foi exigido cautela devido ao momento de pandemia e a presença de idosos e crianças na ocupação.
Já na manhã seguinte um Oficial de Justiça foi até o terreno de forma a cumprir a liminar. Entretanto, em certidão informou que o não cumprimento da ação se deu graças a necessidade de apoio do Serviço Social da Prefeitura, do Conselho Tutelar e de um batalhão da Polícia Militar. É bastante significativo que ele adiciona ao processo que “Em pouco mais de uma hora de diligência, apareceram no local advogados, uma vereadora do município, um representante da imprensa e vários outros ocupantes do terreno, tamanha a repercussão do evento” transmitindo a mensagem que o processo deveria ser feito com cautela, pois poderia gerar uma grande reverberação a depender do que e como fosse feito. No mesmo dia a juíza oficiou com urgência os serviços solicitados pelo Oficial de Justiça.
No dia 13 de maio a juíza emitiu uma decisão de que a reintegração seria efetivada a partir do momento em que fosse disponibilizado aos ocupantes um local com condições suficientes para se realocarem e terem seus direitos à saúde e moradia – dado as condições da pandemia do COVID-19 -, providências que deveriam ser tomadas pelo munícipio. Essa decisão foi fruto da organização do movimento de moradores, movimentos populares da cidade de São Caetano do Sul e, naquele momento, das parlamentares e advogados do PSOL, partido que esteve acompanhando o processo.
Além disso, o Núcleo Especializado de Habitação e Urbanismo da Defensoria Pública do Estado de São Paulo foi um importante ator nessa etapa de disputas jurídicas. Em parceria com os advogados do movimento, se manifestou diversas vezes no processo, juntando todos os documentos das famílias que tinham caráter comprobatório de seus direitos de estarem no terreno, totalizando mais de 200 páginas.
Após 14 dias a juíza emite decisão de que, passado tempo suficiente para que os órgãos notificados se organizassem, esses mesmos que já estiveram reunidos em uma reunião organizada pela Polícia Militar, era necessário o cumprimento da decisão sem mais demora. Nesta reunião, realizada na Câmara Municipal de São Caetano do Sul estiveram presentes o Conselho Tutelar, os Bombeiros, a Polícia Civil, a Polícia Militar, o chefe do gabinete do Prefeito, as secretarias de Assistência Social e de Segurança, dois representantes do movimento, acompanhados de seus advogados, representantes da incorporadora Di Thiene, o vereador líder do governo (Gilberto Costa-AVANTE) e a vereadora Bruna Biondi do Mandato Coletivo das Mulheres por + Direitos (PSOL).
Nela, todos os equipamentos e representações do governo estavam empenhados em garantir segurança para que a reintegração de posse do terreno fosse feita o mais rápido possível. Sempre que questionados das condições impostas pela juíza para a reintegração e sobre uma real solução para aqueles moradores o assunto era desviado, não se dando a garantia nem de um auxílio financeiro, nem de um espaço para que ficassem abrigados.
No dia 02 de junho das 07 horas da manhã até o 12:15 foi feito o processo de reintegração de posse, mais um episódio de tristeza para aqueles e aquelas que se depararam com a falta de sensibilidade perante uma situação de pandemia, com a desconsideração de seus documentos e de suas tentativas de diálogos. Em certidão indicando o cumprimento da ação o Oficial de Justiça afirma que até a conclusão do processo “nenhum auxílio habitacional havia sido oferecido aos ocupantes pelos órgãos públicos municipais”.
A reintegração de posse ordenada pela juíza foi feita sem a existência dos condicionantes que ela mesmo havia colocado, que eram a garantia dos direitos de saúde e de um espaço para que fossem realocados. Isso mostra um desinteresse do Poder Judiciário, neste caso, ao promover uma inação e deixar de usar de seus poderes para promover a proteção dos ex-moradores. Em uma das últimas movimentações do processo em questão a juíza afirma que “a Prefeitura, lamentavelmente, não ofereceu, de forma espontânea, quaisquer medidas de acolhimento às famílias que ocupavam o imóvel”, como quem diz “é uma pena, mas não posso fazer mais nada”.
Sem mais alternativas os moradores saíram do terreno e caminharam até o CRAS Fundação, localizado na mesma rua do antigo edifício. A entrada no equipamento era justamente para ter acesso a amparo e assistência social e a reivindicação era de uma ponte direta com o Executivo – que ficou incomunicável com o movimento e seus apoiadores neste e nos seguintes dias – para que um espaço fosse ofertado, como previsto na liminar da juíza.
Com o fim do expediente do CRAS a Polícia Militar fez um acordo com os moradores, que poderiam ficar lá, mas que os e as que saíssem não entraria mais no espaço e os e as que lá ficassem estariam sem acesso aos banheiros e a entrada de água e comida no local. Essa situação desumana seguiu durante os seguintes dias, em que o movimento contou com muito apoio da sociedade civil que se organizou para levar alimentos e água, tendo que encontrar brechas no aparato de segurança para que o socorro entrasse dentro do CRAS.
O poder público, que não atendia ligações e não respondia mensagens, prontamente colocou tapumes para impedir de vez o acesso ao banheiro e garantir que a Guarda Civil Municipal fosse obrigada a sustentar o desamparo das famílias. Ao chegarem doações de brinquedos, a GCM reagiu com spray de pimenta, fazendo com que uma adolescente de 13 anos precisasse ser direcionada, de ambulância, para uma unidade hospitalar [12].
Com o passar do tempo, com a situação ficando cada vez mais delicada aos moradores – que dividiam um quintal com um espaço para cerca de 2 carros, com apenas uma parte coberta com telhas e com um espaço com plantas que era utilizado como banheiro – as grandes mídias foram cada vez mais garantindo a cobertura da atrocidade [13] promovida pelo prefeito interino Tite Campanella (CIDADANIA).
Após três dias sem quaisquer condições básicas de higiene e de amparo, o juiz de plantão da comarca de Santo André exigiu, como resposta ao processo promovido pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo e pelo mandato coletivo das Mulheres por + Direitos, que a prefeitura assegurasse os princípios da dignidade da pessoa humana. A decisão [13] apontava que o uso de policiamento deveria servir para resguardar o bem público e não para privar as condições mínimas de higiene e restringir a liberdade. Dessa forma, o município teria 24 horas para realocar as pessoas cadastradas nos autos como ex-moradores para um local digno, com acesso à alimentação e higiene, sob multa diária de R$10.000 em caso de descumprimento.
Com o perigo de multa a Prefeitura rapidamente se organizou para preparar um local para os desabrigados. Na mesma noite em que essa grande vitória foi dada, a assistência social foi até o CRAS pela primeira vez desde o dia que o movimento chegou no equipamento. No dia 05 de junho o Clube Fundação, localizado no mesmo bairro que o CRAS e que o edifício Di Thiene, estava organizado com camas, cobertores e testes de Covid que seriam feitos em todos que lá fossem ficar.
Fato é que a prefeitura estava apenas cumprindo uma decisão que poderia afetar no seu bolso caso não o fizesse. Não havia compadecimento com pessoas que há dois anos buscam ter novamente um lar que possam chamar de seu. Não havia vontade de começar a solucionar o problema e de tirar a poeira que havia sido empurrada para debaixo do tapete. Neste dia, a justiça compreendeu que não era atribuição de um juiz de plantão tomar as decisões que foram emitidas, cancelado a obrigação de realocação do movimento.
Essa nova decisão foi dada quando os ex-moradores já estavam posicionados em fila indiana para que fizessem o teste da covid e entrassem no clube. Com a demora no início do processo, os advogados do movimento em contato com os funcionários da Prefeitura tiveram conhecimento do novo fato. Foi solicitado aos advogados do movimento que dessem a notícia aos moradores, em uma narrativa de “olho por olho e dente por dente” em que o não cumprimento da decisão e o amparo aos moradores sequer foi cogitado. Revoltados com a situação, o movimento abriu as portas do Clube Fundação e entraram no espaço organizado para eles, caracterizando uma nova ocupação em que foram, muitas vezes, colocadas as mesmas limitações do livre acesso daquelas pessoas.
Com a ADPF 728/DF, citada anteriormente, a prefeitura municipal encontrou certa dificuldade para conseguir a reintegração de posse do Clube Fundação [14]. Entretanto, na interpretação da justiça do estado de São Paulo o STF não haveria vedado o controle de acesso ao local e o fechamento dos acessos ao prédio público para que não se ampliasse a ocupação. Isso abriu margem para que a Guarda Civil Municipal muitas vezes impedisse a entrada daqueles e daquelas que saiam para trabalhar e para levar seus filhos para a escola. A situação se tornou tão trágica que muitos moradores passaram uma noite para fora do clube, enfrentando um grande frio [15].
Era evidente que os ocupantes não tinham como futuro passar a viver no clube, um espaço frio apenas com camas e sem divisões de espaços para cada família, obviamente não era uma casa. Fato é que o movimento estava a dias sem respostas, ou melhor, havia 2 anos do início da busca por uma solução.
A AÇÃO GEROU REAÇÃO.
As diversas ações propostas pelo movimento renderam algumas vitórias aos ex-moradores do edifício Di Thiene que podem ser listadas a seguir:
– A primeira, sem sombra de dúvidas, é o fato de o tema ter voltado para a agenda pública, afinal, com o pagamento do auxílio emergencial em dia era mais fácil manter as negociações com a CDHU no esquecimento e em 2021 os representantes do Poder Legislativo e Executivo voltaram a pautar o tema, mesmo que em diferentes percepções e disputas.
– Com o tema na agenda pública os vereadores fizeram uma indicação unitária para a volta do auxílio emergencial, não atendida em primeiro momento. Apenas após o acúmulo das mobilizações, em outubro de 2021, foi aprovada e sancionada uma nova lei (Nº5765/2021) [16] criando um auxílio emergencial para os últimos três meses do ano.
– Com a pressão popular nas ruas e nas redes, foi feita uma audiência pública com o secretário responsável pela CDHU, de forma que as negociações avançassem com uma importante sinalização de que com a assinatura do contrato de demanda fechada, a CDHU assumiria um auxílio aluguel até que as obras fossem concluídas. Na teoria, esses três meses de auxílio promovido pelo poder público municipal seriam justamente o tempo para que se finalize as pendencias e o contrato seja assinado. Até o presente momento não há maiores informações da assinatura do contrato pela Prefeitura que, inclusive, precisava anteriormente desapropriar o terreno que indicou para a construção da nova moradia, pois parte dele pertence a ENEL.
– Talvez o mais importante, apesar de não se ter a garantia ainda da solução do caso, a cidade da especulação imobiliária viveu um grande levante pelo direito à moradia. A radicalidade e força deste movimento mostrou a importância da luta para a garantia de direitos e sobrevivência dos mais pobres em uma cidade que frequentemente os expulsa.
Esta recapitulação histórica do movimento Di Thiene teve como foco principal a análise do papel do Poder Judiciário como agente que promoveu e dificultou a situação precária vivida pelos ex-moradores. É evidente que, em uma situação como essa, se torna impossível não falar da participação do poder público local no caso, afinal, se houvesse por parte destes um real interesse na solução do problema, muito provavelmente o judiciário sequer teria sido acionado.
Entretanto, todos os processos analisados e colocados neste texto de maneira resumida mostram como, diante da situação, o judiciário se movimentou para a não garantia da dignidade humana dos participantes do movimento. A necessidade de se ter onde morar como medida de segurança e vida em uma pandemia, inclusive em um momento de segunda onda, não foi colocada na mesa. O debate público para a proibição de despejos – presente no Congresso Nacional, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e no STF – só foi considerado apenas quando se tornou uma obrigação, dias após a reintegração de posse sofrida pelo movimento. A inação da Prefeitura no que a própria justiça havia exigido a ela para a reintegração de posse foi encarada como um detalhe pouco importante.
Dessa forma, é possível visualizar os gargalos de um poder judiciário que não defende o interesse da maioria e que coloca a defesa do privado como prioridade excessiva. Ainda mais, prioridade essa que é seletiva, afinal com comprovações de mais de 60 anos presentes no terreno, as famílias não tiveram sucesso no pedido de usucapião coletivo. A construção de uma justiça, que seja justa, democrática, dialogável e transparente é extremamente necessária em um país que o benefício do 1% mais rico se dá como regra ao passo que, o processo de gentrificação vivido pelos ex-moradores do edifício Di Thiene, infelizmente, não é uma exceção.
[1] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
[2] Disponível em: https://leismunicipais.com.br/plano-diretor-sao-caetano-do-sul-sp
[3] Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/brasil-tem-69-milhoes-de-familias-sem-casa-e-6-milhoes-de-imoveis-vazios-diz-urbanista.ghtml
[4] Disponível em: https://sp.unmp.org.br/wp-content/uploads/2008/02/Deficit2005.pdf
[5] Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53338421
[6] Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/06/barroso-suspende-por-seis-meses-reintegracao-de-areas-ocupadas-antes-da-pandemia.shtml
[7] Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.216-de-7-de-outubro-de-2021-351591984
[8] Disponível em: https://www.dgabc.com.br/Noticia/3094354/edificio-di-thiene-sera-demolido-conclui-prefeitura
[9] Disponível em: https://www.facebook.com/FundacaoVIVA/videos/922666321858525
[10] Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/sp/s/sao-caetano-do-sul/lei-ordinaria/2019/576/5765/lei-ordinaria-n-5765-2019-dispoe-sobre-a-concessao-de-auxilio-emergencial-as-familias-vitimas-do-desabamento-ocorrido-no-imovel-da-rua-heloisa-pamplona-511-esquina-com-a-rua-conde-francisco-matarazzo-406-no-bairro-da-fundacao-sao-caetano-do-sul-nas-condicoes-que-especifica-e-da-outras-providencias
[11] Disponível em: https://www.saocaetanodosul.sp.gov.br/post/prefeitura-oficializa-oferta-de-areas-para-a-construcao-de-unidades-habitacionais-pela-cdhu
[12] Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/sp/s/sao-caetano-do-sul/decreto/2019/1145/11446/decreto-n-11446-2019-declara-de-utilidade-publica-um-imovel-situado-na-rua-heloisa-pamplona-esquina-com-avenida-conde-francisco-matarazzo-no-bairro-fundacao-para-desapropriacao-destinado-a-construcao-e-instalacao-de-unidade-escolar-da-rede-publica-municipal?q=di+thiene
[13] Disponível em: https://www.saocaetanodosul.sp.gov.br/post/prefeitura-apresenta-o-refundacao-2020-2025,-plano-diretor-para-o-fundacao
[14] As seguintes movimentações se referem ao processo de número: 1000048-39.2021.8.26.0540
[15] Disponível em: https://noticias.r7.com/sao-paulo/adolescente-e-internada-apos-acao-da-gcm-em-sao-caetano-do-sul-sp-03062021
[16] Disponível em: https://globoplay.globo.com/v/9573846/
[17] As seguintes movimentações se referem ao processo de número: 1000057-98.2021.8.26.0540
[18] As seguintes movimentações se referem ao processo de número: 2128419-72.2021.8.26.0000
[19] Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/08/05/moradores-temporarios-de-ginasio-em-sao-caetano-na-grande-sp-sao-impedidos-de-entrar-no-local-pela-prefeitura-e-passam-noite-na-rua.ghtml
[20] Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/sp/s/sao-caetano-do-sul/lei-ordinaria/2021/597/5969/lei-ordinaria-n-5969-2021-autoriza-a-concessao-do-auxilio-emergencial-instituido-pela-lei-n-5765-de-02-de-agosto-de-2019-pelo-prazo-de-03-tres-meses-e-da-outras-providencias?q=aux%C3%ADlio+emergencial