Guilherme Boulos e a ausência dos conceitos
Sobre a necessidade de um PSOL independente e classista.
Na última sexta (4), Guilherme Boulos publicou na Carta Capital o artigo “Por que o PSOL caminha para apoiar Lula” (https://www.cartacapital.com.br/opiniao/o-psol-caminha-para-apoiar-lula-entendendo-a-importancia-da-unidade-contra-bolsonaro/). Embora o texto tenha repercutido pouco, nesses dias em que o noticiário, o mundo e a vanguarda estão atentos à guerra na Ucrânia, é necessário observar o fato.
No texto, o que chama atenção é menos a posição defendida por Boulos (apoiar Lula nas eleições) do que a linha argumentativa que ele incorpora. Ou ainda, a ausência de conceitos e de sentido anticapitalista na política dele. De marxismo, não há absolutamente nada.
Boulos chega a afirmar que a lógica das alianças políticas por conveniências eleitorais, embora recusada pelo PSOL e alegadamente por ele, é “legítima e não cabem demonizações morais”. Quanto à aliança com Alckmin, afirma se tratar de um “gesto ao centro”, e não de aliança com a direita. Sobre o programa, reivindica pontos genéricos e assim mesmo desconfigurados: fala de fim do teto de gastos para instituir uma “nova regra fiscal”, sem especificar. Quanto à reforma trabalhista, mistura os termos “revogação” com “anulação de pontos”. Esquece de exigir a revogação da reforma da previdência. E no tópico ambiental, apresenta concepções genéricas que sequer tocam no âmago dos interesses econômicos que regem a destruição ambiental no país.
Não há consideração sobre a urgente auditoria da dívida pública, ou o fim do tripé macroeconômico, pautas históricas do PSOL. Não há consideração sobre a reforma agrária ou urbana. Ou sobre democratização da mídia. Ou sobre o enfrentamento à extrema-direita e a criação de mecanismos de participação popular direta. Ficando aqui só em alguns exemplos.
Ainda em 2018, publiquei na Revista Movimento um texto crítico ao discurso de Boulos na Conferência Cidadã, que o lançou pré-candidato a presidente (https://movimentorevista.com.br/2018/03/sobre-o-discurso-de-guilherme-boulos-na-conferencia-cidada/). Em comparação com aquele episódio, a moderação do programa e da política, agora, parece ainda mais avançada.
Não há mal que, dentro de um partido socialista, haja quem defenda taticamente o apoio ao Lula já no primeiro turno, embora eu discorde dessa posição. Grave é que isso ocorra por fora da estratégia anticapitalista do PSOL, com uso de argumentos genéricos, na prática coniventes com a proposta de governo de salvação nacional petista. Em outras palavras, deseducando, e não educando, a vanguarda lutadora, e apontando para possibilidades futuras ainda mais preocupantes.
Não à toa, a cereja do bolo no texto de Boulos é a reivindicação, algo extemporânea, da geringonça portuguesa. Esta, como se sabe, já acabou. Como saldo, nas últimas eleições legislativas, houve em Portugal um enfraquecimento da esquerda radical e um fortalecimento histórico da extrema-direita, combinados à recuperação do Partido Socialista. Acaso é o que Boulos idealiza como positivo para o Brasil?
Se é verdade que derrotar Bolsonaro é tarefa urgente e primeira, e que Lula pode ser útil para isso, também é verdade que sem afirmar uma esquerda radical, independente e anticapitalista, a extrema-direita continuará crescendo, dentro ou fora de governos. E a classe trabalhadora ficará órfã de representação quando um governo, influenciado por Alckmin e as velhas oligarquias, atacar seus direitos.
Ao PSOL cabe esse papel independente e classista. E portanto um texto, como o publicado na Carta Capital, precisa ser criticado.