Não ao fechamento da Toyota em São Bernardo – É preciso frear a desindustrialização
A Toyota anunciou plano de fechar a fábrica que opera em São Bernardo do Campo. A medida reflete o grave processo de desindustrialização vivido pelo Brasil e pela região do ABC.
Em 1961, a Toyota instalava, em São Bernardo do Campo, a sua primeira fábrica fora do Japão. Este era um sintoma do avanço das forças produtivas que ocorria no Brasil daquelas décadas, impulsionado, em um primeiro momento, pelo modelo de industrialização por substituição de importações e pelo planejamento da economia pelo Estado por meio investimentos públicos, empresas estatais fortes, etc. – processo que fez do Brasil o país que possivelmente mais cresceu economicamente no mundo no século XX. Também como resultado desse processo, a região do ABC tornou-se o maior pólo industrial da América Latina. Mas, no início deste mês de abril, 60 anos depois da instalação da fábrica, a mesma Toyota anuncia que pretende fechar a planta de São Bernardo e distribuir suas operações entre as fábricas de Sorocaba, Indaiatuba e Porto Feliz. Graças à pressão dos trabalhadores, foi aberta uma mesa de negociação entre a empresa, o sindicato e a prefeitura para reverter a decisão. Mas o próprio anúncio da intenção por parte da Toyota é mais uma triste revelação da enorme regressão econômica pela qual passa o nosso país, em especial a região do ABC Paulista. Quais são as causas deste fenômeno?
Primeiramente, pode-se afirmar que a desindustrialização não é um fenômeno restrito ao Brasil, mas mundial, causado pela automação, que aumenta a produtividade (leia-se: a taxa de exploração sobre o trabalhador) excluindo trabalhadores menos qualificados do sistema de produção. Esta explicação é válida, mas insuficiente. Pois, mesmo no plano internacional, ainda que muitos postos de trabalho tenham sido perdidos para a automação, na verdade ocorreu também um deslocamento da produção de tradicionais bolsões da classe trabalhadora para países do Leste e Sul da Ásia. Em outras palavras, fábricas foram fechadas em muitos países não apenas em função do aumento da automação, mas como resultado da busca do capital por ambientes mais favoráveis para o investimento. Isto é particularmente verdade no caso do ABC, já que a redução dos postos de trabalho na indústria não foi acompanhada de um aumento significativo na produtividade. Ao contrário, como empresários do setor automobilístico apontam, uma das razões para a retirada de seus investimentos no Brasil é o fato de que, em função dos baixos investimentos em educação, pesquisa e tecnologia, o país não estaria preparado para a reestruturação pela qual vem passando o setor. Portanto, se os empregos do ABC foram perdidos para fábricas mais automatizadas, estas foram implantadas fora do Brasil.
Outra explicação possível pode ser extraída a partir da teoria do sociólogo Michael Burawoy. Em “A Transformação dos Regimes Fabris no Capitalismo Avançado” (1990), o autor argumenta que a globalização permitiu maior deslocamento do capital, mas o trabalho segue profundamente territorializado. Dessa forma, quando a atividade sindical e a influência de ideias socialistas tornam-se mais fortes em uma determinada região (um “campo vermelho”), o capital pode, sem maiores dificuldades, fugir para onde a luta da classe trabalhadora seja mais fraca, e, portanto, os salários sejam menores e os direitos trabalhistas mais escassos (um “campo verde”). No final dos anos 1970, a região do ABC constituía um bom exemplo de “campo vermelho”. As fortes greves ocorridas na região foram um dos fatores mais importantes para o fim da Ditadura Militar e para o surgimento do maior (talvez único) partido de esquerda com influência de massas a ser criado na segunda metade do século XX, o PT. É possível afirmar que a desindustrialização que passou a ocorrer na região a partir da década de 1990 foi causada, entre outros fatores, por isso. Mas talvez essa não seja uma boa explicação para a situação atual. Pois, em função da desindustrialização, os sindicatos da região tornaram-se mais fracos. Além disso, acompanhando o alinhamento em sentido à direita do PT, os sindicatos se tornaram mais moderados.
Uma terceira explicação é a de que o ABC teria sido derrotado na “guerra fiscal”, uma competição entre os entes federativos para ver quem aplica impostos mais baixos e, dessa forma, atrai mais investimentos. A “guerra fiscal” é um sintoma típico do neoliberalismo (de acordo com David Harvey, uma fase do capitalismo marcada pela retomada do poder despótico do capital após uma relativa perda de poder durante a primeira metade do século XX): o capital utiliza seu poder para pressionar os Estados e entes federativos a competirem entre si para ver quem garante “o ambiente mais saudável para os negócios”. Em outras palavras, quem sacrifica mais o bem público e a tentativa de reduzir a desigualdade por meio da taxação do capital e promoção de serviços públicos gratuitos em benefício do capital. Esse mecanismo revela o controle do capital sobre o Estado e a coisa pública.
O quarto fator é a especulação imobiliária. Por estarem próximos a São Paulo, os terrenos do ABC sofreram forte valorização. Dessa forma, aos proprietários de terrenos, pode interessar mais construir prédios e condomínios nestes locais do que vender ou alugar para a instalação de fábricas e galpões. Isso reflete a tendência geral do capital no neoliberalismo de privilegiar ganhos financeiros a investimentos no setor industrial. Tal deslocamento de investimentos freia o crescimento econômico e gera desemprego.
Essa tendência é particularmente forte no Brasil, onde o neoliberalismo tem assumido a forma de uma regressão das forças produtivas, fenômeno conceituado por Plínio de Arruda Sampaio Jr. como “reversão neocolonial”. Em texto assinado pela TLS e MEOB por ocasião do fechamento da Ford (o qual recomendamos a leitura por tratar basicamente do mesmo fenômeno), explicamos esta teoria da seguinte forma:
O Brasil tem aprofundado as características típicas de uma economia colonial – alta desigualdade, produção de itens básicos para exportação, alta dependência das potências estrangeiras. Nos últimos 6 anos, este processo [iniciado nos anos 1980] recrudesceu ainda mais. De acordo com a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, o Brasil perdeu em média 17 fábricas por dia no período. O governo Bolsonaro é um agente ativo da reversão neocolonial ao estimular a exploração ambiental desenfreada, o aumento da desigualdade e a dependência de nossa economia em relação à exportação de commodities, como o agronegócio.
Dessa forma, a região do ABC, por ser relativamente mais industrializada do que o restante do país, tem sofrido de forma mais aguda os efeitos da crise econômica que abateu o Brasil. A título de exemplo, de acordo com o IBGE, entre 2013 e 2017, houve uma perda de 6% de empregos formais no Brasil, mas, no ABC, este índice é de 12,5%.
Além do desemprego, a desindustrialização tem causado um deslocamento do trabalho do setor industrial para o de serviços. Mas os empregos deste setor são, de maneira geral, mais precários, de menor remuneração e maior rotatividade. O trabalhador da Mercedes-Benz, da Ford ou da Toyota, que era qualificado, sindicalizado, com anos de experiência e capaz de parar um setor importante da cadeia de valor, agora é substituído pelo trabalhador da Atento (do setor de teleatendimento), altamente explorado, de baixa remuneração, com pouca qualificação e sujeito a um contrato precário. Aliás, neste momento, enquanto os trabalhadores da Toyota lutam contra o fechamento da fábrica, na Atento, os trabalhadores lutam contra uma demissão em massa e a imposição de um regime de produtividade draconiano.
Por fim, a desindustrialização causa problemas urbanos. De acordo com dissertação de mestrado defendida por Gisele Yamauchi, existem, pelo menos, 308 galpões ociosos na região do ABC. O tamanho dos terrenos varia de 5 mil m² até 1 milhão m². São espaços urbanos valiosos mantidos vazios para o bem da especulação imobiliária. A existência desses espaços vazios é propícia para o aumento da violência e de problemas sanitários. Quem passa pelo ABC, sobretudo São Bernardo do Campo, sente a mórbida sensação de estar viajando por uma cidade fantasma, um prelúdio do que ocorreu de forma ainda mais dramática com a cidade de Detroit, nos Estados Unidos.
Portanto, é fundamental apoiar a luta dos trabalhadores da Toyota. A defesa de mais de 500 empregos diretos já seria suficiente para nos posicionarmos dessa forma. Mas, como exposto acima, se trata de algo ainda maior do que isso. Para tanto, é preciso pressionar não apenas o setor privado (a Toyota, neste caso) mas também o Estado, para que ponha fim à guerra fiscal e faça valer os interesses da classe trabalhadora nacional.