“O Solo Movediço da Globalização”, de T. Aguiar – compreendendo o trabalho no capitalismo transnacional
Livro lançado pelo sociólogo Thiago Aguiar é uma ferramenta poderosa para compreendermos os desafios para a organização da classe trabalhadora (e desviarmos de armadilhas).
Recentemente, o sociólogo e militante do MES/PSOL, Thiago Aguiar, lançou o livro intitulado O Solo Movediço da Globalização – trabalho e extração mineral na Vale S.A., um estudo sobre as relações de trabalho em uma das maiores empresas do Brasil. Contudo, esse não é um estudo de caso isolado, mas, um “estudo de caso ampliado” (como diz o próprio autor utilizando conceito de Michael Burawoy) situado entre “as nuvens da teoria e o pântano do empirismo”. Dessa forma, combinando entrevistas e observações dos locais de trabalho a análises da dinâmica econômica e política do Brasil e do mundo, o livro é uma excelente ferramenta para compreender a inserção do nosso país numa era em que o capital torna-se transnacional e dinâmico, características que impõem novos desafios à classe trabalhadora.
Com uma agradável e instigante narrativa que às vezes faz parecer que estamos lendo um romance, Aguiar nos conta sobre como funcionam as relações de trabalho nas minas da Vale visitadas no Brasil. Sindicatos absolutamente controlados pela direção da empresa e presença de gerentes nas assembleias da categoria dificultam a organização da resistência às precárias condições de trabalho e superexploração. Mas a observação não se limita ao Brasil. Aguiar observou o cotidiano de uma mina da Vale no Canadá que foi comprada de uma mineradora local, a Inco. Este país é amplamente conhecido por abrigar um Estado de Bem Estar Social e sindicatos fortes por meio dos quais a classe trabalhadora conquistou amplos direitos sociais, pleno emprego e remuneração relativamente alta (se comparada à dos trabalhadores de países periféricos). Mas a Vale exportou o modelo de exploração da periferia para o centro do capital: após derrotar uma greve de mais de um ano, cortou o programa de bônus anual ao qual os trabalhadores tinham direito e reviu as políticas de segurança no trabalho de modo a deixar os operários mais suscetíveis a acidentes.
Além disso, Aguiar nos apresenta um histórico muito esclarecedor sobre a empresa. Fundada em 1942, a Companhia Vale Do Rio Doce foi, ao lado da Petrobrás e da Companhia Siderúrgica Nacional, uma das estatais responsáveis por criar as bases para a industrialização do Brasil. Durante a ditadura militar, foi instrumento da propaganda ufanista dos governos, ao mesmo tempo em que a exploração intensificada refletia o caráter autoritário do regime. Em 1997, na esteira das privatizações neoliberais promovidas pelo governo Fernando Henrique Cardoso, a Vale foi vendida numa operação criminosa a um preço irrisório. Já na era dos governos do PT, a Vale foi uma das principais frentes da estratégia de construção das “campeãs nacionais”, política econômica que consistia em fortalecer grandes empresas brasileiras (via, dentre outras formas, empréstimos do BNDES) para alavancar o desenvolvimento e postular o Brasil entre um bloco de potências emergentes (BRICS) que poderiam frear a onda neoliberal.
Portanto, pode-se observar que a Vale é um exemplo paradigmático das diferentes fases do capitalismo brasileiro desde meados do século XX. Mas será que de fato a empresa cumpriu o papel que os governos petistas prometeram que ela poderia cumprir?
Utilizando teoria desenvolvida por William Robinson, Aguiar argumenta que a Vale não pode ser uma “campeã nacional” pois não é bem nacional, mas transnacional. Isto é, não é apenas uma empresa brasileira que possui operações em outros lugares do mundo. Mas é uma corporação que, apesar de possuir uma sede formal com endereço no Brasil, possui acionistas de várias partes do mundo, que por sua vez possuem ações em tantas outras empresas espalhadas pelo planeta, de modo que podem com facilidade e agilidade mover seus investimentos ao sabor dos ventos do mercado financeiro. O mercado de ações global com funcionamento ininterrupto e comunicação instantânea forjou uma burguesia transnacional sem pátria.
O crescimento da Vale e outras empresas brasileiras no período do boom das commodities (quando produtos primários aumentaram de preço no mercado internacional devido ao investimento chinês na urbanização e industrialização) não trouxe, portanto, desenvolvimento para o Brasil. Pois, tal crescimento engordou os dividendos adquiridos por acionistas espalhados pelo mundo afora e não foi revertido para o desenvolvimento de forças produtivas brasileiras. Ao contrário, o fenômeno apenas contribuiu para o aumento do caráter dependente da economia brasileira, voltada para a exportação de gêneros primários e importação de bens industrializados com alto valor agregado.
Além disso, a Vale possui como acionistas alguns fundos de pensão, como a Previ. Esses fundos de pensão, por sua vez, são administrados em parte por direções sindicais. Portanto, membros da alta burocracia sindical (filiados ao PT) tornaram-se acionistas da Vale. O que ocorre quando lideranças que deveriam representar a classe trabalhadora tornam-se acionistas de uma corporação como a Vale? Dentre outras coisas, a formação de um governo “operário” em benefício do interesse burguês.
Portanto, o trabalho de Thiago Aguiar revela como o desenvolvimento da Vale enquanto uma corporação transnacional significou, ao mesmo tempo e contraditoriamente, retrocesso das forças produtivas e das relações de trabalho não só no Brasil mas como nos demais países onde a empresa instalou suas atividades.
Por fim, ainda que o objetivo do trabalho não seja investigar os casos de rompimentos de barragens provocados pela Vale em Mariana (por meio de sua sucursal, a Samarco) e Brumadinho, ele ajuda a compreender como o modelo de negócios voltado para a remuneração imediata de acionistas leva a esse tipo de exploração predatória que causa tragédias ambientais e sociais de tamanha magnitude.
Há muito mais o que aprender pela leitura completa do livro O Solo Movediço da Globalização, de Thiago Aguiar. Esta foi apenas uma breve demonstração da grande utilidade que essa obra possui para pensarmos os desafios impostos à organização da classe trabalhadora (ainda muito centrada em bases nacionais) num contexto de capitalismo globalizado. Ou, pelo menos, para desviarmos de armadilhas baseadas na falsa retórica nacionalista.
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