Deputada Vivi Reis: ‘Nossa busca é por justiça em relação aos assassinatos do Bruno e do Dom’
Na entrevista a seguir, a deputada Vivi Reis (PSOL-PA) relata suas impressões sobre as diligências para apuração dos assassinatos dos ambientalistas Bruno e Dom em Atalaia do Norte (AM).
Passado um mês, os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, resultaram na prisão de três suspeitos, mas o caso está longe de ser esclarecido. Possivelmente imbuída pela filosofia bolsonarista que criminaliza a defesa do meio ambiente, a Polícia Federal tentou sustentar a hipótese de que foi crime sem mandantes e que os suspeitos agiram sozinhos. Hoje, defende as ações de Bruno, funcionário licenciado da Fundação Nacional do Índio (Funai), contra a extração ilegal de pirarucu na região do Vale do Javari, em Atalaia do Norte (AM), tenham provocado a fúria de pequenos pescadores e a morte violenta da dupla.Tais possibilidades são encaradas com descrédito pela deputada federal Vivi Reis, do PSOL do Pará, relatora da Comissão Externa da Câmara dos Deputados que acompanha a investigação do crime.
“Não podemos aceitar apenas esse motivo. A estrutura dessa prática é incompatível com a realidade econômica dos executores.Tem pessoas poderosas por trás”, argumenta a parlamentar.Tal impressão foi reforçada após diligências da comissão que, nos dias 30 de junho e 1º de julho, esteve em Atalaia do Norte. O principal evento da comitiva de deputados e senadores foi um encontro com lideranças indígenas na União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja).“Fizemos várias escutas com lideranças indígenas, com autoridades e com servidores da Funai. No primeiro dia, a comissão teve a participação de senadores, deputados, consultorias e assessorias. No segundo, quem permaneceu para fazer uma nova etapa dessas escutas fui eu e o deputado José Ricardo (PT), presidente da comissão”, conta.
Conforme Vivi, apesar de a região ter recebido reforços no número de agentes de segurança – com a presença de Polícia Federal, Polícia Militar e Exército -, as tensões na região prosseguem, bem como as ameaças a lideranças indígenas e servidores da Funai, que pedem proteção. Porém, em processo de desmonte pelo governo federal, a fundação se mostra desinteressada em trabalhar pelas populações que nasceu para defender.
Na entrevista a seguir, a deputada dá um pequeno relato sobre as diligências, suas impressões sobre a situação de Atalaia do Norte e os próximos passos da comissão.
Revista Movimento – Como a senhora avalia as investigações das forças de segurança em relação à morte do Bruno e do Dom até agora?
Deputada Vivi Reis – São insuficientes ainda. Primeiro, porque logo que foram encontrados os restos mortais e capturados os executores, a Polícia Federal fez uma nota como se o caso tivesse sido encerrado ali e não houvesse mais o que investigar. E nós acreditamos que ainda há muito a ser investigado, principalmente na questão desse crime ter mandantes. Para nós, não é aceitável a resposta de que o assassinato foi feito apenas pelos executores. Existe uma narrativa – por parte do governo Bolsonaro e que eu mesma escutei de algumas autoridades de Atalaia do Norte – que traz uma visão de que os assassinados ocorreram porque o Bruno tinha confito com pequenos pescadores, já que fiscalizava e coibia a pesca ilegal. Não podemos aceitar apenas esse motivo. A estrutura dessa prática é incompatível com a realidade econômica dos executores. Tem pessoas poderosas por trás.
Revista Movimento – Qual seria essa estrutura?
Vivi Reis – Dentro da terra indigena, já demarcado, não pode ser feita pesca, caça ou garimpo. A área é protegida por lei. Mas esses crimes existem. Pelo que escutamos dos indígenas e servidores da Funai, a estrutura para fazer pesca, conservação e venda, tanto do pirarucu, quanto o tracajá (uma espécie de jabuti), exige um contêiner, uma espécie de freezer para conservação, os barcos precisam ter motores e dimensões específicas, e mesmo a rede de pesca custa muito caro. É toda uma logística, uma estrutura, cujo orçamento vai de R$ 50 mil a R$ 100 mil, o que não é compatível com a realidade dos pequenos pescadores, que vivem em situação de precariedade e, até, de vulnerabilidade. Como ele conseguiria sustentar essa estrutura? Ela precisa de um financiador. Alguém está pagando.Isso nos leva a acreditar que eles não são os responsáveis por essas mortes. Se o Bruno “não os deixava trabalhar” [como sustenta a PF], ele não incomodava apenas o ribeirinho, mas uma estrutura de poder muito maior. É isso que a gente precisa entender para poder fazer uma atuação que seja, de fato, compatível com a realidade local e não só com a narrativa que querem impor ao governo federal, inclusive, de que o Bruno e o Dom faziam expedições aventureiras. Na verdade, era parte de um projeto de proteção da Amazônia, é parte de um projeto de cuidado ao meio ambiente e de fiscalização contra crimes ambientais.Hoje, temos presos executores do assassinato do Bruno e do Dom, mas precisamos investigar a fundo sobre os mandantes. Esses que foram capturados são sujeitos que não têm um poder econômico compatível. Além disso, precisamos fazer a relação desse crime com outros assassinatos, como o caso do Maxciel [Pereira dos Santos, funcionário da Funai morto a tiros em 2019]. Foi um crime ocorrido na região que alarmou muito os servidores, povos indígenas e população local, mas até hoje não se tem respostas concretas.
Revista Movimento – Um mês depois do crime, qual é o clima em Atalaia do Norte?
Vivi Reis – O clima é de total insegurança. Existe um grande medo devido a ameaças que as lideranças indígenas e os servidores da Funai sofrem. Ali há várias coisas acontecendo, Casos de crime ambiental, pesca ilegal do pirarucu na região, tráfico [de drogas] e, ao mesmo tempo, a fragilidade na proteção das lideranças indígenas e servidores da Funai, que vive um processo de desmonte. Ninguém se sente seguro. É um clima muito hostil.
Revista Movimento – Na sua avaliação, a postura do governo federal em relação ao ambiente e aos povos indígenas está na raiz dessa insegurança?
Vivi Reis – O governo federal tem uma narrativa de criminalização dos povos indígenas, um discurso contra o meio ambiente, que se reflete diretamente na prática e nas políticas da Funai hoje. O presidente da fundação, Marcelo Xavier, é uma figura altamente autoritária, é muito criticado pelos povos indígenas, porque não escuta, não dialoga com eles. É um absurdo! A Funai, que deveria ser a fundação que ampara, que garante os direitos, que ajuda na defesa dos territórios, que protege a vida dos povos indígenas, hoje se apresenta como um inimigo deles.E isso é parte de uma política do governo federal, que também multiplica um discurso de ódio contra indígenas. Escutei algumas vezes lá [em Atalaia], por parte de algumas autoridades, que existe um conflito de indígenas contra os ribeirinhos. E, na verdade, isso é uma tentativa do governo Bolsonaro de colocar uns contra os outros, porque existe um interesse econômico por trás. E não se pensa uma política pública que possa atender com excelência a geração de emprego e renda para os ribeirinhos, a garantia dos territórios indígenas… Então, nós precisamos pensar nessa totalidade, em como garantir uma política pública, que a Funai deveria estar fazendo em vez de fazer um processo de criminalização e lutando contra aqueles que visam proteger os direitos dos indígenas.
Revista Movimento – Quais serão os próximos passos da Comissão Externa?
Vivi Reis – Nesta quarta-feira (6), teremos uma reunião da Comissão Externa, na qual vamos apresentar os requerimentos que achamos necessários, como para pedidos de informações a órgãos federais, convocar audiências públicas para que possamos fazer novas escutas no âmbito de Brasília, e apresentar um relatório da diligência. Teremos um período, nos próximos meses, para melhor estudar os resultados desses requerimentos, a realização de audiências públicas para elaborar um relatório final. Isso não será em julho, por causa do recesso parlamentar, mas nesse período, vamos buscar a aprovação desses requerimentos na busca por elementos que possam subsidiar a escrita deste relatório final.
Revista Movimento – O que a senhora espera que resulte desse trabalho?
Vivi Reis – A nossa busca principal é por justiça em relação ao assassinato do Bruno e do Dom. Que a memória deles seja preservada. A gente não pode aceitar nenhum discurso que venha a diminuir a importância da atuação deles em defesa dos territórios. Mas precisamos avançar, também, na garantia de indenizações aos familiares, de apoio psicossocial à família e amigos próximos que estão em sofrimento psíquico; Precisamos, em especial, encontrar esses mandantes e responsabilizá-los pelo crime, bem como ao estado brasileiro por sua negligência em relação ao que aconteceu com Bruno e com Dom e, apontar para o futuro com uma forma de atuação que evite que outras pessoa sejam assassinadas e ameaçadas por proteger a Amazônia. Queremos também proteção para lideranças indígenas e servidores da Funai que estão sendo ameaçados.Para isso, preciso falar da importância de se realizar mobilizações em todo o Brasil e no mundo por justiça; É importante essa unidade externa, essa movimentação que busque exigir providências. O povo brasileiro e a sociedade como um todo vêm protagonizando atos, e isso é muito importante para que nós possamos ter mais forças e seguir buscando construir uma política que vá de fato conquistar justiça e evitar que novas mortes aconteçam.
(Entrevista realizada por Tatiana Dutra)