Enchentes em Natal: desastre natural ou descaso histórico?
Gestores municipais fecham os olhos para advertências de Plano Diretor feito em 2011.
Durante o mês de julho, a cidade de Natal, no Rio Grande do Norte, esteve sob Estado de Emergência devido ao grande volume de chuvas na capital potiguar. De acordo com a Empresa de Pesquisa Agropecuária do RN (EMPARN), instituto responsável pelo monitoramento meteorológico do Estado, Natal chegou a registrar o maior volume de chuva nos últimos 24 anos, atingindo o pico de 235mm de chuva apenas nos quatro primeiros dias do mês, enquanto a previsão mensal era de 245mm.
A Defesa Civil informou que durante o período houve mais de 86 mil pessoas afetadas pela chuva, das quais mais de 2,1 mil foram desalojadas e mais de 1,5 mil desabrigadas. Como é de praxe, as grandes chuvas terminaram por afetar, especialmente, bairros periféricos da cidade e pessoas em situação de vulnerabilidade, incluindo moradores de ocupações urbanas e pessoas em situação de rua.
Enquanto a cidade estava sob estado de calamidade, com avenidas interditadas, crateras abertas, casas inundadas, famílias desalojadas, imóveis completamente interditados e milhares de pessoas lutando para sobreviver no caos gerado pelas águas torrenciais, o prefeito, Álvaro Costa Dias (PSDB), estava aproveitando férias extraoficiais em Gramado (RS). Mesmo estando ausente, o gestor não transmitiu seu cargo para a vice-prefeita, deixando a cidade sem nenhuma gestão durante o período.
Essa atitude, por si só, reflete o descaso da atual gestão para com o povo natalense. Todavia, torna-se ainda mais nítido a falta de comprometimento com a população quando é colocado em evidência o fato de que, já em 2011, o Plano Diretor de Drenagem e Manejo de Águas Pluviais apresentou um estudo apontando os principais pontos críticos de inundação na cidade, além de indicar que o problema seria aprofundado a partir do aumento da exploração ambiental da cidade.
Desde a apresentação do Plano de Drenagem em 2011 até o atual momento, a cidade passou por diversas gestões e ainda não houve nenhum avanço nessa questão. Pelo contrário, as pessoas sentem cada vez mais o reflexo do crescimento desordenado e desenfreado sem planejamento urbano e ambiental.
Os problemas históricos enfrentados pela população natalense em relação às chuvas são comumente elencados por especialistas na área. Entre eles, a falta de obras para o escoamento das águas, construções irregulares e falta de planejamento urbano. Essas questões seguem acarretando em calamidades e se reproduzindo.
Calamidades como essa seguem acontecendo ao longo da história natalense. Ocorreu em 1956, no alagamento do bairro histórico da Ribeira; ocorreu em 1982, quando cerca de 50 famílias ficaram desabrigadas devido a obras que foram incapazes de escoar o volume de água; ocorreu em 2014, quando centenas de famílias ficaram desabrigadas devido ao surgimento de uma cratera de mais de 10 mil metros quadrados devido à chuva e o deslizamento de terras; ocorreu em 2022, quando mais de 85 mil pessoas foram afetadas pelos impactos das chuvas, e seguirá ocorrendo enquanto não houver uma preocupação verdadeira dos gestores.
Dito isso, é necessário colocar em xeque o modelo de gestão urbana imposto pelo capital exploratório, realizando mudanças radicais quanto ao planejamento urbano das cidades. É preciso pensar no desenvolvimento de cidades para que sejam socialmente justas e responsáveis ambientalmente, levando em consideração, especialmente, a população mais vulnerável.