Após eleições, bolsonaristas escancaram face nazista
MPF investiga criação de listas de boicote a empresas e pessoas físicas
Enquanto os bloqueios de estradas por bolsonaristas inconformados com o resultado das eleições minguam, outras ações criminosas – e de forte apelo nazista – vêm saindo das sombras.
Em Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná e Espírito Santo vieram à tona casos de assédio e isolamento de empresas e pessoas físicas com supostas ligações com a esquerda. Circulam pelo WhatsApp de grupos extremistas “listas de petistas”, que informam nomes e endereços a serem boicotados. Alguns sugerem que estabelecimentos comerciais sejam identificados com uma estrela vermelha – o que remete à práticas da Alemanha Nazista, que obrigavam judeus a morar em guetos e a identificar sua origem com estrelas de Davi amarelas costuradas nas vestimentas. Uma insígnia da exclusão que prenunciou o holocausto.
Uma das mensagens das correntes, ilustrada com o símbolo do PT, diz: “Atenção, petista, coloquem esse adesivo na porta do seu negócio. Mostre que você tem orgulho de quem elegeu”. Outra, com a bandeira do Brasil, alerta: “A partir de hoje, vejam onde vocês vão gastar seu dinheiro. Vamos comprar e usar serviços somente de quem pensa como você”.
No pequeno município de Casca, no norte do Rio Grande do Sul, um grupo de moradores ingressou com ação no Ministério Público contra esse tipo de assédio eleitoral. Na localidade, de 9 mil habitantes, Jair Bolsonaro (PL) fez 71% dos votos, contra 22% de Lula – que são alvo de mensagens ofensivas, com autoria identificada, nas redes sociais.
Em live no canal do Instagram do médico psiquiatra Táki Cordás, realizada no último domingo (6), a advogada Janaíra Ramos contou sobre as pressões sofridas pelos moradores não alinhados a Bolsonaro e relatou que a campanha de esquerda foi prejudicada, já que muitos eleitores “tinham medo de levar um tiro”. Hoje (8), o perfil do médico havia sido excluído.
“Uso carro até para ir ao escritório, a três quarteirões da minha casa, porque não sei se alguém vai tentar me espancar no caminho”, reclamou a advogada.
Por solicitação da deputada estadual Luciana Genro (PSOL), a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa vai ouvir Janaíra na manhã desta quarta-feira (09).
“A extrema direita derrotada nas eleições está praticando terrorismo político no interior do Estado. Tomaremos todas as medidas cabíveis contra esses golpistas. Não podemos permitir que esse clima de terror político se instale e fique impune”, afirma a deputada e presidente estadual do PSOL.
Apae afetada
Em Ijuí, também no RS, a Associação de Pais e Amigos de Excepcionais (Apae) foi atingida pela insanidade da extrema direita. A instituição, que atua desde 1970, entrou na lista de boicote na semana passada. Ainda que a entidade não tenha se manifestado politicamente, foi penalizada porque alguns funcionários teriam votado em Lula, segundo os bolsonaristas radicais.
“Fomos pegos de surpresa, porque em nenhum momento a Apae foi a favor ou contra um dos candidatos. Ficamos muito tristes com tudo isso. Depois que saiu a lista, recebemos ligações de pessoas cancelando doações, e nós atendemos 590 famílias, sendo 70% delas de baixíssima renda. Vamos continuar fazendo nosso trabalho da melhor forma possível, mas tudo isso é muito injusto”, lamentou o presidente da Apae de Ijuí. Avani Brizzi Zwanziger, em entrevista ao jornal Zero Hora.
A Apae busca novos doadores após campanha de boicote, que chegou a comprometer a merenda servida aos 240 estudantes com deficiência que são atendidos na escola mantida pela associação.
No Vale do Itajaí, em Santa Catarina, as listas de boicote incluem desde grandes empresas, como Itaú e Natura, até profissionais autônomos, como manicures e cabeleireiros. “Vamos boicotar, já que estão nos chamando de gado”, diz uma das mensagens. “Não devemos de forma alguma apoiar essas pessoas. Pela Pátria, pela Família, pela Liberdade”, traz outra postagem.
O professor Jefferson Próspero, especialista em Direito Civil e Direito Eleitoral da Univali, diz que há diferentes entendimentos sobre o enquadramento desses atos nos âmbitos criminal ou civil, mas que, “na pior das hipóteses”, a implicação seria no campo eleitoral. Às vítimas, ele orienta a confecção de boletim de ocorrência e a obtenção de “prints” das mensagens para identificação dos autores.
“A questão é essa: identificar quem está fazendo isso. Porque acaba vindo apócrifo. Isso se propaga e a gente não consegue identificar a autoria”, observa.
Pelo país
Na última segunda-feira (7), viaturas da Polícia Rodoviária Federal (PRF) foram atacadas a tiros por manifestantes que mantinham bloqueio na BR-163, no município de Novo Progresso. Uma sofreu intoxicação pelo uso de gás lançado pela PRF contra o bloqueio, e precisou ser socorrida.
“É a extrema direita violenta barbarizando em defesa do maior criminoso do Brasil. É urgente desbolsonarizar o país!”, comentou a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) após a divulgação de vídeos mostrando parte do ataque.
As imagens mostram pelo menos quatro viaturas sendo atingidas por pedras e tiros. Em nota, a corporação informou que “a PF instaurou inquérito policial para apuração dos fatos e identificação dos autores”.
Em Rio do Sul (SC), também na segunda-feira, policiais rodoviários federais foram atacados por manifestantes que fazem bloqueio ilegal na BR-470. Até uma churrasqueira portátil foi atirada contra os agentes. A PRF solicitou apoio do Batalhão de Choque da Polícia Militar. Em Itajaí, a equipe tática da PM foi chamada para garantir os acessos à base de distribuição de combustiveis na saída para Camboriú. Arruaceiros espalharam caçambas de terra para bloquear a passagem de caminhões que abastecem postos em cidades do Litoral Norte catarinense e no Vale do Itajaí.
Se a PRF – que é profundamente identificada como aliada do bolsonarismo – virou alvo dos extremistas, e pode ser percebida a morosidade dos órgãos da Justiça em dar fim a esse tipo de atividade criminosa na sociedade civil, no aparelhadíssimo Ministério da Cidadania servidores vêm se sentindo gravemente perseguidos. A secretária de Atenção à Primeira Infância, Luciana Siqueira Lira de Miranda, foi denunciada ao MPF por assédio moral contra funcionários que votaram em Luiz Inácio Lula da Silva.
Além de mensagens com xingamentos por meio de mensagens de texto, em 31 de outubro, ela realizou uma reunião na qual afirmou “saber exatamente quem não votou no presidente, que essas pessoas pagarão pela justiça divina, que Deus punirá a cada um que não souber ser fiel (…) A secretária reclamou da falta de lealdade de alguns da equipe, equiparou a traição de Judas e disse que quem vota em quem rouba não está com Deus. E disse a todos que vai infernizar todos os dias da próxima gestão e que o inferno não vai vencer o céu”, conforme o documento, enviado também à Controladoria Geral da União (CGU).