Itália: o que esperar da extrema direita no poder?
Entrevista com ativista da esquerda radical italiana Gippo Ngandu
Recentemente, o parlamento italiano ganhou uma nova ministra, Giorgia Meloni. A representante da extrema direita foi aceita pela maioria da população com uma agenda autoritária e reacionária, em compasso com pares como Donald Trump, nos Estados Unidos, e Jair Bolsonaro, no Brasil.
Na entrevista a seguir, o camarada Gippo Ngandu conta como a Itália alcançou essse retrocesso e esclarece aos ativistas e militantes brasileiros que o processo de luta é internacional, uma vez que estamos comprometidos em derrotar Bolsonaro e a extrema direita brasileira.
Israel Dutra – Boa tarde companheiro Gippo Ngandu, aqui do Brasil estamos olhando de perto o que está acontecendo na Itália. Pode fazer uma pequena apresentação da sua militância e do que está acontecendo?
Gippo Ngandu – Quando era jovem, aderi a movimentos estudantis e antirracistas. Depois, me filiei a Rifondazione Comunista até 2007, quando, junto à corrente da Sinistra Crítica, começamos uma nova formação política após a expulsão do nosso senador, Franco Turigliatto, que votou contra o financiamento de guerra do Afeganistão. Então, sempre me empenhei na construção de uma esquerda anticapitalista, feminista e antirracista, capaz de dialogar com as forças da esquerdas radicais e antiliberais presentes no nosso país.
Israel Dutra – Na semana passada, Giorgia Meloni tomou posse como o nova primeira-ministra italiano. Quem é a Meloni e o que seu programa e seu partido, o Fratelli d ́Italia representam?
Gippo – Giorgia Meloni foi uma jovem líder dos jovens do Movimento Sociale Italiano, partido nascido após a Segunda Guerra Mundial a partir da dissolução do Partido Fascista. Sua vitória tem, portanto, um valor simbólico e sem precedentes na história da República Italiana. A Itália encontra-se em um governo de centro-direita, hegemonizado pelos herdeiros de Mussolini e os bandidos fascistas que atacaram fisicamente os movimentos operários e estudantis na década de 1960. Os representantes do governo estão todos alinhados com o projeto reacionário e autoritário de restauração nacionalista em chave neoliberal. O ministro da Defesa é um grande empresário no mundo dos armamentos. O ministro do Interior é um homem das instituições que, como prefeito de Roma, deixou a sede do maior sindicato italiano, a CGIL, ser atacada pelos neofascistas de Forza Nuova; há uma nova ministra da Família e Natalidade que se declarou contra as adoções por casais LGBTQIA+i.
Israel Dutra – Explique um pouco o contexto histórico da chegada ao poder de um partido de extrema direita.
Gippo – As forças da direita e da extrema direita conseguiram se estabelecer eleitoralmente porque pareceram, aos olhos de uma parte da população desorientada, uma alternativa [ao governo] existente. Isso foi possível graças às derrotas e terríveis reveses do movimento operário. A vitória também foi uma reação distorcida às políticas econômicas liberais praticadas por todos governos que se sucederam, incluindo os de centro-esquerda e, graças às fraquezas das forças da esquerda autêntica e dos movimentos sociais. É uma direita que tem uma perigosa maioria parlamentar, apesar de não ser maioria no país, graças a uma lei eleitoral antidemocrática, desejada pelo Partido Democrático (centro-esquerda).
Israel Dutra – Existem paralelos entre a força da extrema direita na Itália e em outros países como Suécia, Hungria, Filipinas e Brasil?
Gippo – Além das diferenças, devido à história particular dos diferentes países, há fortes paralelos entre as forças de extrema direita presentes nesses países. Enquanto isso, existem relações estreitas entre essas forças. Giorgia Meloni participou da tentativa de construir uma “internacional da direita reacionária” e está construindo laços sólidos com as várias direitas europeias, mas também com a direita norte-americana, ligada a Trump, e com a direita brasileira. É uma direita nacionalista, mas fortemente liberal do ponto de vista econômico e que, diante da crise, visa dividir as classes exploradas atacando ferozmente os direitos das mulheres, os movimentos LGBTQIA+, os direitos dos migrantes. É uma direita “Deus, Pátria e família”.
Israel Dutra – Como os movimentos sociais estão se organizando para construir uma agenda de resistência ao novo governo?
Gippo – Nos últimos anos, os movimentos sociais passaram por enormes dificuldades, o que favoreceu a vitória do Fratelli d’Italia. No entanto, há uma primeira tentativa de reação. Houve uma primeira iniciativa da CGIL, no dia 8 de outubro, muito participativa, que envolveu muitos trabalhadores, ainda que a direção do sindicato tenha objetivos muito tímidos para já, senão mesmo a abertura de uma mesa de negociações com o novo governo. Por outro lado, a mobilização das mulheres em defesa do direito ao aborto foi significativa com muitas manifestações nas principais cidades italianas. Para o dia 2 de dezembro, os sindicatos alternativos, outrora muito divididos entre si, convocaram uma greve geral, que será um importante compromisso para tentar construir verdadeiras convergências sociais e políticas contra o governo.
Várias realidades da esquerda social e política, incluindo a Esquerda Anticapitalista, também estão lançando uma campanha contra o alto custo de vida e contra o aumento extraordinário dos preços da energia. Finalmente, uma boa parte da população foi às manifestações de jovens contra as mudanças climáticas, sendo fortemente críticos de um governo negacionista. O movimento juvenil também busca a convergência com setores de trabalhadores combativos na tentativa de construir uma crítica radical ao modo de produção e do consumo capitalista.
Israel Dutra – Finalmente, agradecendo sua disponibilidade, conte-nos um pouco sobre a esquerda radical na Itália hoje. Quais são as perspectivas?
Gippo – A esquerda radical está enfrentando muitas dificuldades. O resultado obtido pela Unione Popolare, coalizão que reuniu Refundação Comunista, Poder ao Povo, o ex-prefeito de Nápoles, De Magistris, e alguns deputados que deixaram o Movimento 5 Estrelas, foi bastante decepcionante, obtendo 1,4% dos votos. A União Popular pagou, sobretudo, pelo seu caráter eleitoral improvisado. A coleta de assinaturas para poder participar nas eleições, que ocorreram em pleno verão, mostrou que ainda existe uma forte militância no país. É claro que estamos diante de uma virada histórica e isso exige uma forte mudança de ritmo também para a esquerda radical. É preciso construir um caminho unitário e plural que envolva todas as forças políticas, mas também sociais, da esquerda que não se reconhece nas políticas liberais e pró-padronizadas do Partido Democrata. Esse caminho deve estar absolutamente entrelaçado com a construção de um vasto movimento contra o governo e suas políticas reacionárias.