Morreu Daniel Pereyra
A história de um trotskista, operário e militante internacionalista.
Há alguns dias, Daniel “El Gallego” Pereyra morreu em Madri. Foi com esse apelido que ficou conhecido durante o seu tempo como militante operário na Argentina, no início dos anos 40, quando atuou no Grupo Obrero Marxista (GOM), cujo líder principal era Nahuel Moreno. Mais tarde, seria conhecido como “Che Pereyra” durante o seu período de militância internacionalista no Peru, onde participou no processo da revolução agrária liderado por Hugo Blanco, acabando preso após um assalto a um banco. Após a libertação, regressou à Argentina, onde foi militante durante um período no PRT – após sua divisão no PRT Combatiente – e, depois, criou o seu próprio grupo, chamado GOR. Com a ditadura, mudou-se para Espanha, onde retomou a militância na secção Anticapitalistas da Quarta Internacional.
Em 1942, Daniel Pereyra fez parte de um grupo de jovens de Villa Crespo que, sob a inspiração de Nahuel Moreno, se converteu ao trotskismo. A fim de se ligar à classe trabalhadora argentina, esse pequeno grupo de menos de 10 militantes foi viver para Villa Pobladora, um subúrbio da classe trabalhadora da Grande Buenos Aires. Por fim, o jovem trabalhador juntou-se a uma fábrica metalúrgica e, em 1956, foi um dos principais animadores de uma greve histórica do sindicato dos metalúrgicos, fazendo parte da Comissão de Greve, cujas reuniões Moreno assistiu durante os 48 dias que durou o conflito. Essa greve teve lugar sob a ditadura militar de Aramburo, numa altura em que os sindicatos sofreram intervenção de figuras militares. Mas a pressão da resistência dos trabalhadores foi tão grande que a maioria das comissões internas e dos delegados sindicais ficaram nas mãos do ativismo – principalmente, peronista – que resistiu à ditadura.
Embora o conflito não tenha podido ser ganho, a resistência continuou a crescer até 1959. Em 1957, a ditadura foi obrigada a convocar eleições no Sindicato dos Metalúrgicos e o GOM, juntamente com outros sectores ativistas, organizaram a famosa Lista Verde – que se opunha tanto à burocracia colaboracionista da ditadura como a uma velha burocracia peronista, ganhando uma minoria em secções importantes, entre elas a secção de Avellaneda, na qual Pereyra era um militante. Nessa altura, ele já era reconhecido por todos os activistas e o GOM tinha se tornado uma organização que fazia parte da resistência peronista.
Não é propósito deste pequeno artigo contar uma história de Daniel ou a corrente histórica de Nahuel Moreno que, depois de ser POR e pedir para se juntar à Quarta Internacional – para a qual um jornalista militante do SWP (Partido Socialista dos Trabalhadores dos EUA), Terence Fellman, desempenhou um papel importante -, juntou-se mais tarde ao Partido Socialista da Revolução Nacional (PSRN), dirigindo a Federação de Buenos Aires do Partido Socialista da Revolução Nacional. A partir dessa posição, desempenhou um papel importante contra o golpe militar e, mais tarde, após o golpe ter sido consumado, deu luz a publicação “Palabra Obrera”. Palabra Obrera praticou o entrismo em todo o período de resistência, levado adiante pelas organizações obreiras peronistas.
Conheci Pereyra em 1962, quando a resistência dos trabalhadores já tinha entrado em decadência. Era um quadro já formado, orgulhoso das suas origens e militância como operário, que transmitia aos seus olhos aquela profunda solidariedade militante que caracteriza os combatentes trabalhadores. Ele fazia parte do grupo que tinha ficado da experiência no processo de luta de resistência. Esses camaradas eram uma escola de formação para os militantes que, como eu, vinham da juventude estudantil das escolas secundárias e que, mais tarde, tornaram-se militantes no movimento operário.
No seu período de militância no Peru, “Che Pereyra” liderou três camaradas que o “Palabra Obrera” enviou ao Peru para apoiar a revolução agrária em dois vales de Cuzco que estavam a realizar ocupações de terras sob a liderança de Hugo Blanco. Blanco era um militante peruando formado no trotskismo argentino, onde estudara, regressando posteriormente ao seu país. Daniel chegou ao Peru para reforçar o trabalho da secção que militou e liderou a Frente Revolucionária de Esquerda (FIR, para reforçar a organização do partido e, particularmente, para reforçar o partido na cidade de Cuzco e para estabelecer uma forte retaguarda para Hugo Blanco, que nessa altura já liderava dezenas de milhares de camponeses que estavam a tomar conta da terra.
A fim de reforçar o aparelho e de obter recursos para a organização, foi decidido na militância em Lima, com o apoio decisivo dos três camaradas que tinham viajado da Argentina, realizar assalto a bancos. Na segunda expropriação sob a liderança de Daniel, dessa vez num banco no bairro de Miraflores, um jovem militante foi infelizmente reconhecido por um vizinho quando estavam a tirar as suas máscaras para fugir. Isso permitiu que a organização fosse identificada como autora, dando início a perseguição. O infortúnio seguinte foi que, a caminho de Cuzco, num caminhão camuflado com molduras de portas, foram abordados por uma patrulha policial quando estavam a estacionar num bairro de Cuzco. A maioria dos camaradas foi presa. Daniel, reconhecido como o chefe do grupo, fo torturado e depois encarcerado durante cinco anos numa prisão peruana até ser repatriado para a Argentina.
Nessa altura, houve uma intensa discussão no partido argentino sobre o que tinha acontecido no Peru. Estavam sob o impacto da vitoriosa revolução cubana, que tinha despertado uma onda revolucionária em todo o continente, dando também origem a uma nova vanguarda fora do antigo aparelho stalinista. Sob a influência da necessidade correta da luta armada, um importante setor transferiu mecanicamente a experiência cubana de iniciar uma guerrilha rural para todas as circunstâncias e lugares. Essa política foi também defendida pela liderança cubana.
A ascensão do campesinato peruano fez parte desse processo na América Latina. Embora a experiência fizesse parte do processo geral da necessidade de revolta revolucionária, era um processo de massas e não um movimento de guerrilha rural externo. Nessa altura, ao rejeitar a política pacifista dos PC, essa pressão, que poderíamos chamar de “foquista”, também tocou as fileiras de Palabra Obrera. Foi o caso dos camaradas que foram numa delegação argentina a Cuba e, num outro contexto, também ao FIR, em Lima. Tanto quanto me lembro, o foco principal da atividade dos camaradas no Peru era fortalecer a organização em Cuzco.
Segundo Hugo Blanco, no seu livro “Tierra o Muerte” publicado no Brasil pela Versus:
“A deficiência do trabalho na Convenção e em Cuzco foi a inexistência de um partido bem organizado. Em Lima, o partido empenhou-se num recrutamento apressado de membros. Quase imediatamente estes camaradas, sem experiência na militância, dedicaram-se a uma tarefa tão delicada como a expropriação de bancos (…) tarefas como estas não podem ser realizadas apenas por camaradas de moral de ferro e muito provadas e testadas (…) após as expropriações houve uma forte repressão”.
Conforme Daniel, há versões contraditórias sobre o papel desempenhado por Moreno, que esteve em Lima e organizou a fuga para Cuzco. Em suma, que a liderança argentina concordou com essa política. A minha experiência convenceu-me que a visão de Daniel era muito subjetiva e unilateral.
Nas palavras de Hugo Blanco no seu livro já citado:
“A grande deficiência do trabalho foi a inexistência de um partido organizado. O desvio Putchista de alguns camaradas, a má organização da luta armada, etc…”
Estive presente num plenário de Palabra Obrera no final de 1963 ou início de 1964, no qual Moreno apresentou um relatório que mais tarde seria publicado como “Duas estratégias na Revolução Latino-Americana”, no qual fez uma avaliação muito clara do Fokismo.
Voltei a encontrar-me com Daniel no seu regresso à Argentina em 1967, especialmente nos comités centrais do partido PRT que tinham sido o resultado da união da Palabra Obrera com a FRIP, um grupo essencialmente de estudantes do norte do país. (Tucumán e Santiago del Estero). Foi emocionante vê-lo novamente após o seu heroísmo e auto-sacrifício posto à prova no Peru. No entanto, encontravam-se no meio de uma situação tensa em episódios que eram na sua maioria polémicos sobre o papel da luta armada. Daniel juntou-se ao PRT Combatiente, que acabou por vindicar a luta armada em todos os momentos e em todos os lugares. Não durou muito tempo no PRT Combatiente e depois formou o seu próprio grupo militante até à sua partida para Madrid.
Este texto foi inicialmente concebido como uma breve homenagem. No entanto, um militante do calibre de Daniel levou-me a recordar a sua tradição militante no contexto da luta de classes em que teve lugar e que eu, de alguma forma, conhecia. Faz parte da nossa tradição, do internacionalismo e da Quarta Internacional. Esse período foi ultrapassado e hoje vivemos numa situação diferente de luta de classes. Mas é muito bom que os jovens militantes conheçam a nossa história cheia de militantes heróicos que lutaram toda a vida pela revolução socialista