Racismo e educação
O governador da Flórida, Ron DeSantis, quer proibir que estudantes leiam autores negros nas escolas.
O estado da Flórida, nos EUA, sempre foi o berço do reacionarismo, abrigo para movimentos contrarrevolucionários da América Latina e do Caribe e recentemente de fascistas como o ex presidente Bolsonaro, valhacouto de seitas da extrema direita.
Há muito tempo, os Estados Unidos tinham um sistema de aplicação dos direitos civis que aumentava a igualdade racial. Gerações de críticas negras e movimentos socais finalmente levaram, no final da década de 1950, a acordos de dessegregação voluntários determinados pelo governo federal, mas estes conseguiram muito pouco. Muitos eventos importantes e mobilizações massivas contras as leis Jim Crow depois, as lutas s políticas surgiram em meados da década de 1960 que tiveram impacto significativo.
Em 1963, John F. Kennedy propôs a Lei dos Direitos Civis que Lyndon Johnson, impulsionado pela pressão de um movimento implacável pelos direitos civis, tendo Martin Luther King Jr. a frente, ficou paralisado no Congresso por semanas até ser aprovado em 1964.
Um mês depois de aprovada a Lei dos Direitos Civis, veio a Lei de Oportunidades Econômicas, a pedra angular da Guerra Federal contra a Pobreza. No ano seguinte, houve a Lei da Educação Elementar e Secundária ( o primeiro programa geral de financiamento para a educação na história federal) e a principal, a Lei da Educação Superior.
No fim desse período os Estados Unidos, tinham leis que proibiam a segregação e a discriminação racial em várias áreas importantes da vida nacional, incluindo habitação, hospitalidade, educação, emprego e eleições.
No entanto as leis por si só ainda não eram suficientes. Foi necessário um intenso ativismo do movimento antirracista para garantir que as leis fossem colocadas em prática. De acordo com Robin DG Kelley, no fundo as Universidades nuca foram motores de transformação social para o povo preto. Tal tarefa compete sem dúvidas ao trabalho de educação política e ao ativismo antirracista.
Recentemente, o governador da Flórida Ron DeSantis, do Partido Republicano, considerado um aspirante à Casa Branca, fez dos ataques ideológicos à educação o centro de sua política. Seu governo proibiu as discussões sobre identidade de gênero e orientação sexual até a terceira série, limitou o que as escolas podem ensinar sobre racismo, rejeitou livros didáticos de matemática e proibiu um curso avançado em estudos afro americanos para alunos do ensino médio.
O semanário Boston Review, traz uma extensa matéria em que ganhou manchetes nacionais e páginas na mídia internacional, por rejeitar um curso piloto do ensino médio de Estudos Afro-Americanos de Colocação Avançada.
Segundo o jornal desde então, o governador Ron DeSantis, dobrou a proibição, chamando o curso de uma forma de “doutrinação” e insistindo que o currículo proposto pelo College Board viola o “Stop WOKE Atc” – um projeto de lei que DeSantis assinou no ano passado que restringe o ensino sobre raça e racismo em sala de aula.
Para explicar sua decisão, a Secretaria de Educação do estado citou diversos autores sobre a ementa do curso proposto. Entre eles está o ilustre professor de história dos EUA da UCLA, e editor e colaborador da Boston Reviw, Robin DG Kelley, cujo o ensaio no fórum da Boston Reviw “Estudo negro, luta negra” foi proibido nas escolas.
Uma das “preocupações” do estado da Flórida, é simplesmente o fato que o primeiro livro de Kelley foi um estudo sobre comunistas negros do Alabama .
Segundo o jornal, é duvidoso que algum dos funcionários da Flórida envolvidos na decisão tenha lido o trabalho de Kelley. Como o próprio Kelley apontou para o Los Angeles Times, em matéria publicada no mês de janeiro, um dos argumentos centrais de seu ensaio, é que ler a experiência negra através do trauma pode facilmente levar a pensar em nós mesmos como vítimas e objetos. Que querem nos impor, um ponto que os políticos frequentemente chamam criticamente de “cultura de vitimização”. Em vez de vitimização, enfatiza Kelley, lutamos por justiça não apenas para os negros, mas para todos, incluindo os lutadores brancos, apesar da violência e da opressão que experimentamos por causa do racismo.
Para dar início ao Mês da História Negra, foram compilados ensaios da Bostam Review escritos por estudiosos negros pioneiros da luta antirracista, que os funcionários da Flórida não querem que os alunos leiam.
Além da proibição, do trabalho de outros autores, que o estado citou em sua decisão – incluindo a acadêmica jurídica Kimberlé Crenshaw, a filósofa e ativista Angela Davis e a falecida escritora feminista Bell Hooks – a lista apresenta vários outros no currículo do curso proposto: o escritor queniano Binyavanga Wainaina, o estudioso do movimento social e colaborador do New Yorker, Keeanga Yamahtta Taylor, o historiador Nell Irvin Painter, o biógrafo de Malcolm X, ganhador do Pêmio Pulitzer, Manning Marable, a cientista política Cathy Cohen e o cineasta acadêmico Henry Louis Gates Jr. Nesse rol de supressão também foi incluído a análise de David Theo Goldberg sobre o “ataque da direita à teoria crítica da raça”.
DeSantis é um ultrarreacionário. Um segregacionista do século XXI. Durante a pandemia o governador da Flórida recebeu atenção nacional por sua resposta à pandemia de coronavírus, recusando-se a decretar muitas restrições implementadas por outros governadores dos Estados Unidos, levando a morte e o desemprego milhares de pessoas naquele estado, principalmente pretos e pobres.
Danilo Serafim é professor de Sociologia do estado do Rio de Janeiro e da coordenação da TLS/Sindical.