‘O MST e os movimentos sociais não têm nada a temer’
Representante do PSOL na CPI do MST, Sâmia Bomfim diz que a tentativa de criminalização não vai prosperar. Comissão trará oportunidades de defesa de temas como reforma agrária e agricultura familiar
Fote: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) terá a dura tarefa de representar a esquerda na estapafúrdia Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (CPI do MST). Instalada na Câmara dos Deputados na última quarta-feira (17), na Câmara dos Deputados, será a quarta ferramenta de investigação sobre o movimento em defesa da reforma agrária.
A nova comissão nasce sob a égide da extrema direita ruralista, mas sua composição traz detalhes surpreendentes ante ao cenário de golpismo político brasileiros. Autores da proposição da CPI, o deputado Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS) e o eterno garoto-propaganda do Movimento Brasil Livre (MBL) Kim Kataguiri (União Brasil-SP) serão presidente e vice. O ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles (PL-SP) será o relator.
Aliado e apadrinhado do agronegócio e o investigado por crimes ambientais – entre eles , um esquema de exportação de madeira ilegal no Pará -, Salles pregou “tolerância zero” contra o MST, fazendo alusão ao uso de armas para recepcioná-los. Ainda assim, no ato de instalação da CPI, projetou que fará um trabalho “técnico” e com “máximo de imparcialidade”.
“Vamos fazer um ambiente com máximo de abertura, análise e questões objetivas e que espero que atenda a expectativa de todos”, disse.
Sâmia questionou a indicação de Salles como relator com base no Código de Ética e afirmou que o ex-ministro do Meio Ambiente tem interesse no tema e citou os inquéritos em que Salles é investigado. Foi vaiada. E ainda teve de ouvir o deputado Delegado Éder Mauro (PL-PA) dizer que o MST é um grupo de “desocupados” e “bandidos”.
Com esperança
A amostra grátis do ambiente hostil em irá habitar até setembro, não tira de Sâmia a esperança de que a CPI abrirá oportunidades para que progressistas demonstrem a importância de temas como a reforma agrária, a agricultura familiar e a produção de orgânicos.
Em entrevista a Revista Movimento, ela mais uma vez defendeu que a comissão se sustenta em bases muito frágeis. Oficialmente, a justificativa é investigar um suposto aumento das invasões de terra desde o início do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na prática, sua função seria montar uma cortina de fumaça para a CPMI dos Atos golpistas e “tentar virar o jogo sobre a opinião pública”.
“Eles querem construir uma narrativa de criminalização dos movimentos sociais para aglutinar suas bases e tentar tomar a dianteira da disputa política na sociedade, mas não há nenhum tipo de motivação. Eles mencionam algumas ocupações recentes que o Movimento Sem Terra fez, mas todas elas tiveram alguma justificativa política para terem acontecido. O MST e os movimentos sociais não têm nada a temer. Pode ser, inclusive, uma oportunidade para mostrar a importância da luta pela reforma agrária, da agricultura familiar, da distribuição de alimentos saudáveis para a população. Então vamos de peito aberto e com toda a condição de fazer um bom debate”, afirma.
O circo vem aí
A perspectiva é otimista, mas não é ingênua. Sâmia antecipa que a bancada ruralista promoverá “um espetáculo”, com factóides e frases de efeito nem sempre relacionadas à realidade. Ela lembra que as últimas quatro CPIs sobre o MST nunca conseguiu comprovar algo criminoso sobre os movimentos em favor da reforma agrária. E as tentativas nunca interromperam a luta.
“Pelo contrário, serviram para coesionar os movimentos e chamar outras pessoas para essa mesma luta. Então, para nós, essa CPI é uma oportunidade para expor o processo de grilagem de terras que hoje constituem latifúndios no Brasil; a existência de trabalho escravo em muitos desses latifúndios, a exemplo das fazendas do Rio Grande do Sul, em especial as voltadas à produção de vinho; mostrar o problema do uso de agrotóxicos, que levam veneno para a mesa da população, e causam doenças como câncer. E também para reforçar a importância da produção de alimentos orgânicos e da agricultura familiar num país em que milhares de pessoas passam fome; e a legitimidade da luta tanto da reforma agrária, mas também dos movimentos de ocupação urbana e de todos os demais que reivindicam seus direitos”, enumera a deputada.
Mobilização em apoio ao MST
Sâmia acredita que, apesar da CPI ser constituída por maioria direitista, deve atrair apoio popular externo.
“Todos aqueles que sabem da importância dos movimentos sociais e da importância da reforma agrária devem apoiar o MST nessa CPI, seja através de declarações, de ações práticas e de luta política. Vi algumas declarações de alguns ministros do governo Lula que, de alguma forma, titubeiam no apoio irrestrito ao movimento. Acredito que isso é fruto de pressão de latifundiários e ruralistas, mas vejo a CPI como uma oportunidade para uma ampla unidade de todos aqueles que sabem da importância da luta”, projeta.