Truculência da extrema direita marca início de CPIs
Bolsonaristas como Tenente-Coronel Zucco, Ricardo Salles e Marcos Do Val mostram disposição antidemocrática e autoritária em comissões instaladas no Congresso
Foto: Lula Marques/Agência Brasil
Nesta quinta-feira (25), ocorreu a primeira reunião da CPMI dos Atos Golpistas no Senado Federal. As atividades começaram com a indicação do deputado federal Arthur Maia (União Brasil-BA) para a presidência e da senadora Eliziane Gama (PSD-MA) para a relatoria.
O senador Cid Gomes (PDT-CE) virou o vice-presidente, mas após pressão da oposição foi criada uma segunda vice-presidência para acomodar o senador Magno Malta (PL-ES) – o mesmo que, na terça-feira, exortou os movimentos da causa animal para defender a honra dos macacos, “expostos” no ato de racismo contra Vinicius Jr no campeonato espanhol.
Malta está longe de ser a figura mais insólita no grupo que investigará quem causou e patrocinou a destruição nas sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro. Na sessão, o senador Marcos do Val (Podemos-ES) protagonizou cenas de constrangimento. Primeiro ao questionar a imparcialidade da relatora, por sua amizade de longa data com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB). Depois, por interromper as falas dos integrantes da comissão a ponto de irritar o presidente da reunião, senador Otto Alencar (PSD-BA).
“Aqui não é delegacia de polícia. O senhor se comporte como senador”, advertiu Alencar.
Sâmia não se cala
A truculência e inabilidade dos parlamentares de extrema direita ficou demonstrada também na sessão que marcou a abertura da CPI do MST, na terça-feira (23). Por duas vezes, o presidente da CPI, Tenente-coronel Zucco, interrompeu a manifestação da deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), desligando seu microfone.
A parlamentar irritou o bolsonarista ao questionar sua idoneidade para presidir a comissão, uma vez que é investigado pela Polícia Federal por patrocínio e incentivo aos atos antidemocráticos ocorridos após a eleição do presidente Lula (PT). Sâmia tentava ler uma notícia da imprensa sobre o caso e teve seu direito de fala suprimido.
“Deputada Sâmia, eu aceitei a questão de ordem do deputado Kim [Kataguiri]. Nós não vamos permitir ataques pessoais. Sobre essa nota que a senhora falou, já tinha sido publicada. Isso não é pauta dessa CPI”, afirmou Zucco.
Minutos depois, a deputada voltou ao microfone e reivindicou seu direito de falar na comunicação de liderança.
“Eu tive o microfone cortado quando ainda havia 30 segundos para eu concluir meu tempo de líder. Uma coisa é fazer interrupções, pedir ordem, quando há ofensas, quando parte para agressão física ou verbal. Eu não estava fazendo nada disso. Eu estava lendo uma reportagem da imprensa”, começou a deputada.
Sâmia não conseguiu concluir, pois Zucco cortou seu microfone mais uma vez, sob a justificativa de que deputados não poderiam se referir de forma “descortês” ou “injuriosa” aos integrantes da CPI. Sâmia continuou falando, exigindo que seu direito regimentado fosse respeitado. Sem argumentos, Zucco concedeu tempo à deputada.
“Regimento você precisa cumprir. O irônico é que sempre é com mulher, nunca vi ele fazer isso com um homem da CPI. Houve uma série de questionamentos, mas microfone cortado é sempre com parlamentares mulheres”, comentou Sâmia à jornalista Fabíola Cidral, do UOL.
Fabíola chegou a perguntar se a atitude de Zucco não era passível de algum tipo de punição.
“O problema é que a CPI tem maioria de deputados bolsonaristas como ele. Então, internamente, até há instrumentos. Mas no momento em que fui silenciada, só tive apoio das minhas colegas de bancada, que estavam ao meu redor. A maioria da CPI acabou dando razão para o presidente. O que dá para fazer, aos poucos, é recorrer à Corregedoria, a instrumentos como o próprio Conselho de Ética, a reclamações em plenário…” enumerou.
Vitória contra Salles
Não foi o único round que Sâmia precisou lutar contra os bolsonaristas na sessão inaugural. Na leitura do Plano de Trabalho, o relator, Ricardo Salles (PL-SP) surpreendeu seus pares ao alterar o nome da CPI para “Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar a invasão de propriedade, depredação de patrimônio público e privado e crimes correlatos”.
A tentativa unilateral de mudar o nome da comissão para criminalizar o MST antes de qualquer investigação foi contestada pela deputada.
“Ele simplesmente distorce, deliberadamente, sem nenhum pudor, aquilo que foi a leitura, abertura e intuito real dessa CPI. Já falamos isso, a intuição dessa CPI é criar uma distração sobre os reais crimes que estão sendo cometidos neste país”, afirmou.
Sâmia contestou a mudança e forçou Zucco a ordenar que o nome da CPI voltasse ao escopo original, que havia sido determinado pelos deputados na instalação, em 7 de maio.
No dia seguinte, o embate foi contra o deputado federal Lucas Redecker (PSDB-RS), que fez um estapafúrdio requerimento para que todos os integrantes da comissão participem de diligências por seis estados.
“Vocês chegaram a calcular o valor que isso vai custar para os cofres públicos. Esse passeio por cinco ou seis estados? Num cálculo aqui: nós somos quase 30 membros nessa CPI. Então a Câmara vai ter que emitir passagens, em 48 horas, para os parlamentares, cerca de 40 – considerando suas assessorias podem chegar a 80, 100 pessoas para poder visitar cidades e estados sem nenhum tipo de critério. Tem uma estimativa para saber quanto isso vai custar?”, questionou Sâmia.
Zucco tentou interromper e houve um princípio de bate-boca com Redecker, que disse que a deputada estava tratando a CPI como brincadeira.
“A senhora está tratando a CPI como brincadeira. O que não é brincadeira é a roubalheira que esse povo fez. A deputada Sâmia falou ‘esse passeio’. Ninguém está aqui para passear na CPI, se ela está aqui para passear, é uma circunstância dela. Nós estamos aqui para trabalhar e investigar. O custo para ir o presidente do MST para a China ninguém avalia”, protestou Redecker.
“Porque R$ 200 mil é razoável de se gastar só porque vocês querem, né?”, rebateu a deputada.
Em entrevista a Fabíola Cidral, Sâmia comentou que o lado positivo de situações como essa é escancarar para a sociedade a truculência e o autoritarismo dos políticos bolsonaristas.
A sociedade vê, fica escancarado a forma como tratam as posições divergentes, a forma com que tratam as mulheres. O autoritarismo deles fica bem exacerbado”, diz.