Meu amigo Stalin Pérez Borges
Seu legado será inspiração para os novos e velhos militantes da esquerda revolucionária
Conheci Stalin Pérez Borges em 2005, foi minha primeira vez na Venezuela, estava ocorrendo o Festival Mundial da Juventude dos Estudantes. Na ocasião, um 13 de agosto de 2005, junto com os companheiros Frederico Henriques, na época militante do MTL/USP, Sergio Garcia (MST/Arg), eu e outros visitamos o principal sindicato de Carabobo (Estado de Valência) para conhecer os companheiros que no período anterior foram responsáveis por construir o PST – partido irmão da Convergência Socialista do Brasil (CS) – que fizeram parte da grande corrente histórica morenista do continente americano.
Foi uma experiência marcante, conheci o sindicalismo operário independente e combativo que apoiava e se apoiava em Hugo Chávez, que naquele momento estava mais enfrentado com o imperialismo Yankee do que nunca mais estaria nos próximos anos. Chaves não só sustentava posições independentes do imperialismo, como se enfrentava e mais, sustentava posições anticapitalistas que, obviamente, incomodavam Lula, que ainda estava no seu primeiro mandato, impondo um programa social liberal.
Com Stalin, anos depois, em 2007, tive a experiência única de exercitar o que denominamos, internacionalismo militante. Com companheiros da Argentina e Peru, parti para Caracas, só que desta vez para viver na república bolivariana, ainda agitada por um governo, já com mais contradições, que mantinha, ao menos na retórica posições anti-imperialistas e independentes, fundamos, juntos, em Carabobo, Marea Socialista, corrente trotskista, morenista, internacionalista com base na ideia (programa) do Reagrupamento Internacional.
Compartilhávamos da ideia de que, dadas as condições da época, o fim da União Soviética como modelo e do stalinismo como aparto mundial que freava a luta independente dos povos, para enfrentar o imperialismo, travar as batalhas anticapitalistas e propor um programa socializante, deveríamos reagrupar internacionalistas, inclusive com tradições diferentes das nossas. Foi com esta base e convicção que seguimos a construção de Marea, agora no interior do PSUV de Chaves.
Com Stalin Borges, Gonzalo Gomes, Juan Garcia, Chechi (Sergio Garcia) e depois Carlos Carcione, além de Zuleika Matamorros e uma coluna de jovens militantes da UCV (principal universidade do país) travamos diversas batalhas. A principal e mais desafiadora, sem sombra de dúvidas, foi a batalha pela nacionalização de Sidor (Siderurgica do Orinoco), um complexo siderúrgico sobre a franja do Rio Orinoco, que garantia soberania no fornecimento de ferro e aço a então potente indústria petroleira da Venezuela e que havia sido privatizada na onda neoliberal que antecede a Chaves.
Marea, por meio da Únete (União Nacional de Trabalhadores) , contava com os principais dirigentes sindicais de Sidor. As ações da siderúrgica pertenciam a um consórcio internacional de empresas – entre elas, a YPF da Argentina, que naquele momento era governada por Cristina Kirchner, aliada importante e com quem Hugo Chávez mantinha laços estreitos na política regional. A campanha pela nacionalização de Sidor enfrentou o próprio Hugo Chávez a burocracia bolivariana e seus interesses. Nas ruas, enfrentou o exército bolivariano e a guarda nacional, até arrancar do presidente a nacionalização.
A convicção dos operários sidoristas e a firmeza da direção política de Marea foram fundamentais para arrancar tamanha conquista histórica. Minha memória do companheiro Stalin está repleta de exemplos de abnegação e compromisso com o marxismo revolucionário. Fundamos uma corrente combativa, ingressamos ao partido do que então, foi a maior expressão do anti-imperialismo latino americano, e mesmo com todos os “encantos” que derivam de um governo com as maiores reservas de petróleo do continente. Stalin se manteve firme nas suas convicções e não foi ganho pelo aparato do estado, não vendeu sua alma e nem capitulou ao esquerdismo.
Como milhares de venezuelanos e venezuelanas, foi vítima de um país com uma economia em frangalhos, destroçada pelo bloqueio econômico criminoso dos EUA e por um governo mafioso e autoritário. Se não houvesse, como vários, buscado refúgio em outro país, estaria em uma prisão Venezuelana, morto ou desaparecido, como tantos outros dirigentes políticos e sindicais.
Neste verão, liguei para Stalin, combinamos um encontro em Buenos Aires com ele, Juan, Sergio, Sofia e Marilu, velhos companheiros de lutas, e minha companheira Isadora, lamentavelmente, dia 7 de fevereiro, dois dias antes de partimos para Argentina, fomos surpreendidos com a notícia de sua internação. Pude vê-lo, uma última vez, ainda no hospital, desacordado pelos sedativos e progredindo suavemente. Infelizmente, complicações decorrentes da pancreatite o levaram a uma cirurgia de emergência e nesta manhã, 28 de fevereiro, ele nos deixou.
Camarada e irmão Stalin, hoje seu corpo desapareceu, mas seu legado será inspiração para os novos e velhos militantes da esquerda revolucionária.