‘Precisamos de mais mulheres’
Recentemente filiada ao PSOL, vereadora Roberta Stopa fala sobre os desafios das mulheres na política
Foto: Arquivo pessoal
Única parlamentar de esquerda da Câmara Municipal de Ourinhos (SP), Roberta Stopa filiou-se ao PSOL no último dia 11 de março, e é pré-candidata à reeleição da sigla nas eleições de outubro.
Doutora em Assistência Social pela PUC-SP e servidora licenciada do INSS, a parlamentar é uma dinâmica defensora dos direitos do trabalhador, empunhando também as bandeiras do meio ambiente, saúde, cultura e questões de gênero. Seus posicionamentos, porém, encontraram forte resistência na Câmara. As perseguições, inclusive, fizeram-na enfrentar uma comissão processante no ano passado – estratégia fracassada da direita para fazê-la perder o mandato. Roberta atribui, em parte, à cultura misógina da política brasileira esse tipo de perseguição:
“Ourinhos teve 258 vereadores homens, só sete mulheres, e quem que vai para uma processante? Uma mulher, né?”.
Apesar de considerar exaustivo esse tipo de intimidação, a vereadora advoga pela entrada de mais mulheres na política
Toda a vez que converso com mulheres, convido para entrar [na política]. . Vem ser candidata, vem com a gente! Ou seja, ocupe esse espaço. E eu sempre ouço, é incrível isso: “ah, não, mas olha o que você sofre, eu não conseguiria passar por isso”, “olha o que acontece com você”. Mas eu passo por tudo isso porque estou lá sozinha. A gente precisa de uma para puxar a outra. Precisamos de mais mulheres”, diz.
Na entrevista a seguir, Roberta conta um pouco de seu pensamento político, de sua trajetória e da chegada ao PSOL. Confira.
Revista Movimento – Como você entrou na política?
Roberta Stopa – Eu entrei na política meio por culpa do Mário [Ferreira, ex-presidente do PT local]. Eu estava dando muitas palestras sobre Previdência em 2019 e, no fim de uma delas, ele chegou em mim e falou que eu deveria ser candidata a vereadora. “Você fala tão bem”, não sei o quê… E eu falei: jamais na vida. Uma semana depois eu já estava me filiando. Ele me convenceu muito rápido. Eu acho que eu filiei no PT aqui em Ourinhos num processo natural. Não sei se essa palavra é boa, “natural”, mas foi um processo que ia acabar acontecendo mesmo, porque era o partido que tinha um diretório, que funcionava, já tinha uma história, já tinha vereadores. Na época, o PSOL não tinha diretório formado e nem outros partidos [de esquerda}. A grande maioria é de direita. Entrei em 2019, em abril, com a ideia de ser candidata, mas tudo ainda muito cru, muito pensando.. Mas fiquei muito entusiasmada. Fiz militância como assistente social – eu sou filiada ao Sinsprev, que é o sindicato dos servidores do INSS -, fui a alguns congressos, em muitas conferências de políticas públicas… Acho que essa militância em prol de políticas públicas, essas defesas, me levaram a ver uma possibilidade dentro do Legislativo. Tudo muito cru, sem saber direito o que era possível, o que não era. Na hora que a gente entra na Câmara é que entende como ela funciona e como são difíceis as coisas.
Revista Movimento – Vocês concorreram como um coletivo, o Enfrente. Qual a avaliação da experiência?
Roberta Stopa – Nós estávamos em cinco pessoas, concorremos como coletivo, fomos eleitos assim, e seguimos com o coletivo. Mas com o tempo a gente entendeu que não estava funcionando a figura de co-vereadores e, ao mesmo tempo, o coletivo estava se ampliando. Hoje, a gente tem um conselho político com mais de 20 pessoas que dão pauta [do mandato], que fazem reunião toda semana. A gente entendeu que o mandato é ampliado, tanto que a gente ainda usa mandato coletivo em frente. Então, nos consideramos um mandato coletivo. A gente entrou assim e estamos aí na luta.
Revista Movimento – E como é que se deu a saída do PT?
Roberta Stopa – Eu estava aí exercendo o mandato e o Mário, meu grande parceiro, meu grande apoiador, saiu da presidência. Algumas coisas mudaram. Ao mesmo tempo, o Horta e o Lucas, que agora é o presidente do PSOL, começaram a montar o PSOL em Ourinhos, o partido começou a ganhar afiliados, eles conseguiram montar o diretório e sempre me apoiando demais, independentemente do partido. Os militantes vão à Câmara, assistem as sessões, ficam lá. E aí, a conversa foi acontecendo. O Horta,sinalizou: “vem pro PSOL, a gente vai te acolher, a gente vai te apoiar”. E a gente começou a conversar. Eu estava passando por uma comissão processante muito violenta, 115 dias muito duros pra mim. E eu acabei indo para o PSOL porque me acolhida mesmo, me senti em um lugar onde eu sei que eu posso continuar na luta. Eles sentaram comigo, conversaram, articularam, estão filiando pessoas, me levaram para São Paulo, onde conheci deputados e muitos militantes. Aí ficou muito tranquila para mim essa transição.
Revista Movimento – Essa comissão processante teve qual motivação?
Roberta Stopa – A comissão foi aberta dia 28 de agosto. Um diretor do setor de Administração da prefeitura, em cargo de confiança do prefeito, fez uma denúncia contra mim alegando que eu fiz um post que foi replicado por “milhares de pessoas”, falando que a Câmara era machista, misógina, preconceituosa, etc. Só que eu não fiz esse post e nem foi replicado por milhares de pessoas. Foi o seguinte: todo ano, desde que eu entrei na vereança, a gente apresenta o projeto que garante autorização de doulas nas maternidades aqui de Ourinhos. E todo ano ele é rejeitado. Aí eu sempre posto [nas redes sociais: o projeto de lei e tal foi rejeitado. Uma pessoa pegou o meu post, fez um stories e escreveu essas palavras em cima do meu post, “Câmara machista”, “misógina”. Ela xingou. Esse diretor printou, arrancou a autoria dela, atribuiu a mim e fez a denúncia. O presidente nem me mandou para a Comissão de Ética, me mandou direto para uma processante. Dos 258 vereadores que Ourinhos já teve, eu sou a primeira pessoa a ir para uma processante. A moça que fez a postagem foi testemunha, porque ela tem plena consciência de que foi ela quem fez, ela nunca negou. Mas era óbvio, eles sabiam que não tinha sido eu. E outra: repost fica só 24 horas do ar. Milhares de pessoas não poderiam replicar. Então, havia muitas mentiras na denúncia e vários erros. Então, nitidamente, era uma perseguição mesmo. Após 90 dias, e muita pressão popular e do partido, eles encerraram o processo, arquivaram.
Revista Movimento – A senhora sofreu ameaças nesse período…
Roberta Stopa – Sim. “Você vai ser cassada”, “Cuidado, hein? Cuidado com o que você fala”. Isso é muito duro. Vai criando um trauma na gente. Sempre que eu vou falar alguma coisa, eu respiro. Meu Deus, eu não posso falar uma palavra errada, porque se eu falar uma palavra errada, eu vou de novo pra uma processante. Então eles conseguem fazer um barulho mesmo na nossa cabeça. Foram 115 dias. Os 90 da comissão, mais os 15 de notificação.
Revista Movimento – Quais são os desafios de se candidatar a vereança agora em novo partido?
Roberta Stopa – Eu estou vivendo toda a efervescência dessa filiação, que foi tão afetiva, que agora estou vendo mais possibilidades do que desafios. Crítica, violência política e de gênero, a gente sabe que tanto candidata quanto uma parlamentar sofrem. Eu diria que enquanto coletivo, em 2020, não sofremos tanta violência, tantos ataques. A gente foi tocando a candidatura, mas porque a gente não era visto. Era uma coisa assim, deixa esse grupinho pra lá, sabe? Nós éramos novos na política. Agora, achamos que o grande desafio vai ser fazer esse enfrentamento, porque temos um nome conhecido. Eu sou conhecida na cidade, eu fiz um nome, eu tenho um mandato muito combativo. A gente lutou muito contra a concessão da SAE, que é a Superintendência de Água e Esgoto daqui de Ourinhos. A gente fez essa luta na rua, fomos panfletar em praça, terminal urbano, em feira, nos bairros, contra a privatização da SAE. Então, o maior desafio vão ser os enfrentamentos que a gente vai ter, principalmente nas redes sociais, porque a gente sabe como as pessoas aí perdem um pouco a dimensão e saem xingando, enfim.
Revista Movimento – Como a senhora avalia a presença das mulheres na política?
Roberta Stopa – Toda a vez que converso com mulheres, convido para entrar. Vem ser candidata, vem com a gente! Ou seja, ocupe esse espaço. E eu sempre ouço, é incrível isso: “ah, não, mas olha o que você sofre, eu não conseguiria passar por isso”, “olha o que acontece com você”. Mas eu passo por tudo isso porque estou lá sozinha. A gente precisa de uma para puxar a outra. Precisamos de mais mulheres. Sempre falo isso, em público e individualmente. Estou com todas as mulheres, porque essa para mim vai ser a minha grande bandeira de luta nessa campanha. Mulheres venham! Vamos fazer a luta. Não adianta eu ser eleita de novo sozinha. Estou tendo muito apoio, estou muito feliz, mas eu quero que venham outras juntas, porque é difícil, 15 vereadores e só eu apresentando essas pautas, só eu fazendo barulho.