Os professores são os (novos) proletários?
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Os professores são os (novos) proletários?

Uma análise sobre a localização dos professores no mundo do trabalho a partir da situação francesa

Hafiza b. Kreje e Raphaël Greggan 4 jun 2024, 10:03

Foto: Ana Marina Coutinho Titonele/UFRJ 

Via International Viewpoint

Em seu último livro, “Enseignants, les nouveaux prolétaires” (“Professores, os novos proletários”), Frédéric Grimaud faz uma demonstração convincente de como as reformas de Macron transformaram profundamente a profissão de professor na França.1 O subtítulo do livro é apropriado: “Taylorismo nas escolas”. Mas isso é suficiente para vincular os professores ao proletariado? A questão merece ser debatida.2

Grimaud relembra as intenções de Taylor em 1927: “[convencer-nos] de que existe uma ciência para cada um dos atos elementares que constituem o comércio”. Isso traz à mente o ministro da educação da França, Jean-Michel Blanquer, e seu desejo de “construir um método para objetivar [a profissão de professor]” e a maneira como ele insistia que “as ciências cognitivas devem alimentar a prática”. O objetivo das reformas de Blanquer é, acima de tudo, transformar a profissão em um trabalho repetitivo e padronizado, no qual o professor pode ser substituído por qualquer pessoa (ou até mesmo por vídeos ou inteligência artificial). Isso ecoa as atuais reformas no treinamento de professores. O governo quer renomear os institutos de treinamento para se tornarem Ecole Normale Supérieure du Professeurs (ENSP). Não se trata apenas de uma mudança de nome. As ENSPs não terão o apoio do ensino superior e da liberdade acadêmica, mas simplesmente oferecerão treinamento sob o controle do sistema educacional francês. A esse respeito, é significativo que Macron tenha proposto (inconscientemente, esperamos) que “as faculdades de formação de professores do século XXI” deveriam ter o mesmo acrônimo que a academia de polícia.3

Professores como artesãos-educadores

Mas as reformas introduzidas desde 2017 são suficientes para dizer que os professores são novos proletários? Como o próprio Grimaud reconhece, “a fórmula é arriscada”. Por um lado, Marx estabeleceu que um proletário tem um lugar preciso no processo de criação ou realização de valor. A criação de valor é entendida em dois sentidos: um sentido concreto que se refere à transformação real do material por uma técnica – o trabalhador produz algo – e um sentido abstrato que se refere à fetichização do produto como uma mercadoria. Por outro lado, dentro da estrutura do fetichismo da mercadoria que Marx especifica, “o que o trabalhador vende não é seu trabalho diretamente, mas sua força de trabalho, cuja disposição momentânea ele cede ao capitalista”.4 A força de trabalho é uma mercadoria como qualquer outra, cujo preço é determinado pelo empregador. É comum identificar o papel da educação com o aumento do valor da força de trabalho: é nesse sentido que a educação pública pode ser vista como o meio de garantir a existência de uma força de trabalho qualificada. É nesse sentido que os professores podem ser vistos como trabalhadores: eles “agregam” valor a um material na forma do aluno, uma força de trabalho em formação.

Trabalho produtivo

Entretanto, não é tão óbvio dizer que o professor é um “produtor” e, portanto, um “trabalhador” no sentido de Marx. Do ponto de vista do trabalho abstrato, é em parte (e somente em parte) que o preço do trabalho é determinado pelas habilidades e pelo conhecimento do funcionário. É aí que reside o problema para o professor: embora possamos ver que a presença de professores tem um impacto sobre o valor da força de trabalho dos futuros trabalhadores, parece impossível medir isso. Em outras palavras: o mesmo ensino não leva ao mesmo aumento no valor da força de trabalho para aqueles que o seguem. Para usar a fórmula do grupo de reflexão educacional, o Groupe français d’éducation nouvelle (GFEN): em última análise, é o jovem que aprende, em outras palavras, etimologicamente: ele pega o que pode quando pode. E pior ainda: não há como determinar se o conhecimento transmitido será retido a longo prazo.

Não se pode dizer que os professores tenham de fato produzido algo: eles professam, declaram e afirmam o conhecimento que supostamente dominam e o “ensinam”, ou seja, asseguram que esse discurso não seja uma simples declamação, mas que seja compreensível e que os interlocutores possam adquiri-lo. Sua apreensão real depende de sua recepção, que nunca pode ser meramente passiva. Se houver de fato um “acréscimo de valor concreto”, isso dependerá inteiramente do consentimento ativo do aluno, mesmo que ele não seja o iniciador dessa contribuição.

Objetivação das tarefas?

Essa crítica fraterna ao título do livro de Grimaud não diminui a precisão de sua intuição. As reformas estruturais empreendidas por Macron e seus epígonos buscam “convencer as pessoas de que existe uma ciência de cada um dos atos elementares que compõem uma profissão” e que a profissão de professor pode, portanto, ser dividida em tarefas elementares, elas próprias cientificamente otimizadas.5 Mas esse é um sonho impossível. Não porque os professores sejam imunes às teses liberais, mas porque o trabalho do professor não se identifica com a produção. A produção não é simplesmente o resultado da execução perfeita de uma tarefa ou do uso adequado de uma técnica. A imaginação é necessária na produção e na contribuição de valor: ela não é distinta do trabalho, é o fundamento do trabalho humano. Marx se opõe ao idealismo que faz da imaginação uma força real, mas também afirma que o trabalho não pode ser reduzido a operações visíveis. O materialismo não é um objetivismo grosseiro. Para definir o trabalho, Marx ressalta que “o que distingue o pior arquiteto da melhor das abelhas é o fato de o arquiteto erguer sua estrutura na imaginação antes de erguê-la na realidade [o que] distingue o pior arquiteto da abelha mais experiente desde o início é que ele construiu a célula em sua cabeça antes de construí-la na rua. No final de todo processo de trabalho, obtemos um resultado que já existia na imaginação do trabalhador em seu início. Ele não apenas efetua uma mudança de forma no material em que trabalha, mas também realiza um propósito próprio que dá a lei ao seu modus operandi e ao qual ele deve subordinar sua vontade.6

É a esse componente “humanizador” do trabalho que o professor se dirige: ele se esforça para estender o que torna o trabalho possível, e seu trabalho é totalmente englobado nessa tarefa anterior à produção e à capacidade de produção do aluno.7Eles não produzem, eles tornam isso possível.

Pedagogia e vínculo interpessoal

De certa forma, o professor tem uma semelhança com o artesão. O aumento do conhecimento, das habilidades e do saber-fazer do aluno é específico do professor e está ligado à atitude atual do aluno em sua interação (ou falta dela) com o professor. Só se pode aprender o que não se sabe. O ato de aprender começa com o reconhecimento de que não sabemos e implica um desejo de preencher o vazio que acabou de ser criado. A profissão de professor é uma combinação precária e especial de conseguir interessar os alunos em um conteúdo desconhecido que eles não escolheram a priori e dar a eles os meios para preencher essa ausência íntima que acabou de ser criada. É isso que está em jogo na pedagogia, que corresponde ao saber-fazer não reproduzível do professor: não pode ser simplesmente uma questão de técnica, porque o sujeito, o aluno, não é um material cujas propriedades são sempre idênticas. Uma cabeça dura não é uma cabeça de madeira. Embora certas tarefas da profissão de professor sejam reproduzíveis e, após mais de um século de pesquisa educacional, tenham surgido métodos mais eficazes do que outros, todos eles dependem do relacionamento interpessoal que os professores estabelecem com seus alunos. Para ser mais claro, aconteça o que acontecer, a divisão científica da profissão de professor em tarefas elementares está fadada ao fracasso, precisamente porque se baseia na relação entre dois seres vivos livres e conscientes, capazes de trabalhar, e não entre um trabalhador e uma matéria inerte.

Os professores estão no campo do proletariado?

A classificação dos professores nas fileiras do proletariado é uma construção sócio-histórica que não pode ser desvinculada da massificação desse corpo, seguindo a lei Ferry de 1882 sobre a educação obrigatória. Isso se baseou no desejo ideológico dos “desertores de classe” na virada do século de se vincularem à sua classe de origem, conforme destacado pelo manifesto dos professores sindicalistas em 1905. Mas não havia nada de óbvio nesse vínculo primitivo, e outros professores preferiam uma organização de pares, autônoma em relação ao proletariado, o que se refletia na bipolaridade entre organizações sindicais e associações profissionais. Como Samuel Joshua nos lembra, na década de 1970, os marxistas classificaram os professores como “a nova pequena burguesia”.8

Mesmo que essa caracterização economista seja discutível, é certo que os professores não pertencem à classe em si, mas a questão da classe em si é discutível. As escolas têm uma dimensão coletiva, como as fábricas primitivas. Operar coletivamente dentro da mesma estrutura induz a um habitus e a reflexos de grupo. A importância numérica do sindicalismo de professores na França coloca uma proporção significativa de professores nas fileiras do proletariado.

Funcionários a serviço do Estado

Entretanto, essa categorização ignora o fato de que os professores são principalmente funcionários. No mínimo, eles representam, como diz Bourdieu, “a mão esquerda do Estado”. Essa dimensão está ausente do livro de Grimaud. E, no entanto, é uma contradição fundamental. Em última análise, eles assumem a contradição entre o conhecimento libertador e o escolasticismo confinante (mentes e corpos). Nesse sentido, os professores são os representantes cotidianos do treinamento (e formatação) do proletariado para as necessidades ditadas pelo Estado. Essa é precisamente uma das questões em jogo desde o início da escolarização obrigatória no final do século XIX, passando pela escolarização em massa da era pós-Segunda Guerra Mundial até as reformas Blanquer: a escola é uma ferramenta do Estado para atender aos interesses dos empregadores. É essa contradição ideológica que explica, por exemplo, os debates entre professores sobre a lei de 2004 sobre símbolos religiosos, que é vista como uma alienação dos professores em relação às decisões islamofóbicas dos governos, sob o pretexto de um discurso dito “republicano”. As reformas escolares de Macron, projetadas para atender às necessidades atuais do capital francês, estão levando a uma profunda mudança na profissão de professor, e é isso que Grimaud aponta. Ele fala, com razão, da proletarização da profissão.

Capitalismo cognitivo

A convergência do trabalho docente com a situação do proletariado pode ser pensada de uma forma mais estrutural, sob a hipótese de uma evolução parcial do capitalismo para o capitalismo “cognitivo” e não mais apenas para o capitalismo industrial. Yann Moulier Boutang escreve: “Por capitalismo cognitivo, queremos dizer uma forma de acumulação na qual o objeto de acumulação é principalmente o conhecimento, que se torna o principal recurso de valor, bem como o principal local do processo de valorização”: a subordinação da humanização do trabalho docente aos imperativos liberais visa assimilar o processo criativo ao capitalismo, da mesma forma que as demandas “emancipatórias” foram integradas à lógica da administração liberal após 1968. [[Y. Moulier Boutang, ‘Le capitalisme cognitif: la

Nessa perspectiva, se se pode dizer que os professores são proletarizados, é porque eles estão cientes da degradação envolvida na tradução da imaginação em um recurso abstrato para o capital. Nesse sentido, a integração dos professores na “classe para si” do proletariado é essencial.

Os esforços do Estado, que fazem uso da afinidade ideológica da profissão de professor com o discurso republicano, têm como objetivo forçar essa instituição a uma proletarização generalizada. Ao fazer dos professores os defensores da República, o Estado está criando uma divisão abstrata entre professores e alunos, opondo-se a eles com base em “valores ideológicos”, enquanto os professores se opõem, por sua prática profissional, à mercantilização das faculdades humanizadoras. É por isso que a luta contra a alienação dos professores é a luta de nosso campo social.

Notas

  1. F. Grimaud, Enseignants les nouveaux prolétaires, 2024, Esf Science humaine. As citações de Taylor e Blanquer foram retiradas desse livro. ↩︎
  2. Os Institutos Universitários de Formação de Professores (IUFM) foram criados em 1990 como sucessores das escolas normais de formação de professores criadas em 1808. Foram substituídos pelas écoles supérieures du professorat et de l’éducation (ESPE) em 2013 e, em seguida, pelos institutos nacionais superiores do professorado e da educação (INSPE) em 2019. ↩︎
  3. ENSP designa tanto a École Nationale Supérieure de la Police como a École Normale Supérieure du Professeurs. ↩︎
  4. Karl Marx, “Salário, Preço e Lucro”, 1865. ↩︎
  5. F. W. Taylor, “Principles of Scientific Organisation”, 1927, citado por F. Grimaud, op. cit. ↩︎
  6. Karl Marx, “O Capital”, Livro I, Capítulo VII, 1867. ↩︎
  7. Para Marx, o trabalho é a atividade “genérica” da humanidade. Mantém-nos vivos e é-nos essencial. Tem a singularidade de ser consciente (através da imaginação) no homem – enquanto no animal, a manutenção da vida seria o resultado do instinto. É disso que a alienação capitalista despoja o homem, ao prescrever-lhe a forma de trabalhar. ↩︎
  8. S. Joshua, “Enseignants, les nouveaux prolétaires?” Contretemps, 20 April 2024. ↩︎

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