São Paulo: sob a mira do medo e do sangue
Com Tarcísio de Freitas e Guilherme Derrite, a polícia militar tem licença para matar no estado
Foto: Moradora protesta diante de policiais militares na entrada da Favela do Moinho em agosto de 2024. (Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo)
No domingo, comemorou-se o Dia das Mães. Contudo, muitas não estiveram com seus filhos, tendo em vista que suas vidas foram brutalmente encerradas pela polícia. Além disso, é fundamental destacar que essas mulheres têm CEP, raça/cor, endereço: ou seja, em sua grande maioria, mulheres negras e pardas moradoras de áreas periféricas, que vêm sofrendo com medo e terror imposto pela polícia do governador Tarcísio.
De acordo com o portal Ponte Jornalismo, apenas em março deste ano, 71 pessoas foram mortas pelas polícias no Estado, número acima de média mensal do ano passado, o que o torna o mês de maior letalidade na gestão Tarcísio. Cabe destacar que essas mortes concentram-se em determinadas regiões e grupos da população, diz especialista e demonstram o caráter seletivo da repressão policial, que age com recorte de raça/etnia, classe, idade e gênero.
Segundo o Atlas da Violência de 2025, o Brasil mostra persistência de desigualdade racial na violência letal, existindo disparidade também nas abordagens e decisões sobre crimes relacionados às drogas. O documento,publicado nesta segunda-feira, 12/05/2025, aponta para a necessidade de realização de uma discussão antirracista em relação à violência policial.
O estudo aponta que, em relação à violência letal, pretos e pardos estiveram submetidas a um risco 2,7 maior. E os dados do Atlas também reforçam que existe nacionalmente a permanência de uma estrutura racializada da violência, que se expressa de maneira diferenciada nos territórios.
Ou seja, conclui-se que mesmo com avanços legislativos e institucionais no campo das políticas públicas, a simples existência dos mecanismos legais não são suficientes para frear o problema se não houver uma fiscalização efetiva. E assim, os dados reforçam a necessidade de reconhecer a atuação seletiva do Estado como parte constituinte de uma arquitetura da violência que naturaliza a vulnerabilidade de pessoas negras, segundo os dados citados.
Em São Paulo a população vive momentos de medo e tensão
Na noite de sexta-feira, dia 9, moradores da Cidade Tiradentes, localizada na zona leste de São Paulo relataram momentos de tensão e medo, devido à ação ostensiva da polícia. Como resultado, trabalhadores deixaram seus postos de trabalho mais cedo e estudantes pediram dispensa das aulas para voltar para a casa antes do término. Essa não é a primeira ação policial do tipo, visto que quarta-feira, dia 8 de maio, uma ação semelhante já havia sido realizada.
Vídeos que circularam nas redes sociais mostram a Polícia Militar de São Paulo, circulando na região com blindados da Tropa de Choque, e em um dos registros é possível ver os agentes de segurança atirando para cima enquanto são seguidos por vários carros policiais.
Em reportagem do jornal Brasil de Fato, a operação da Polícia teria sido uma resposta a um ataque contra um policial que foi baleado dentro de uma viatura na região e que segue internado. Segundo a reportagem, na quinta-feira, dois homens teriam sido mortos e um deles foi considerado um dos suspeitos de balear o policial, de acordo com as informações da apuração da TV Globo.
Essas ações violentas mostram uma fragilidade da segurança pública, tendo em vista que a polícia tem licença e equipamentos adequados para matar e o Estado (tanto no caso do governo estadual quanto a nível nacional) enxerga o extermínio como solução final e não se responsabiliza pela garantia de políticas sociais públicas de cuidado, lazer, oportunidades para a juventude e garantia de políticas culturais que valorizem os territórios e as periferias, sendo essas condições urgentes para garantir de dignidade para essas famílias.
Nesse sentido, durante a quinta-feira, os moradores do extremo leste sofreram momentos de desespero e terror. Porém, mesmo sob o clima de medo generalizado, houve fechamento de ruas por moradores inconformados com a situação. Também houve queima de objetos como um ato de protesto ao assassinato dos dois homens, mas como de praxe em ações que ocorrem em regiões empobrecidas da cidade, os manifestantes foram brutalmente reprimidos pelos cães da polícia.
Para além disso, começaram a circular áudios nos grupos das comunidades e também de estudantes da EACH – USP (Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo) no qual a Polícia ameaçava as comunidades e impunha um toque de recolher. Estas informações, contudo, não foram confirmadas, e por segurança, as pessoas preferiram não pagar para ver, pois é sabido que a violência psicológica é tática antiga da polícia militar de São Paulo, que ameaça os moradores das comunidades com toques de recolher e chacinas.
Na mesma quinta-feira, dia 8, enquanto os moradores da Cidade de Tiradentes estavam sendo brutalmente reprimidos, o Supremo Tribunal Federal, aprovou um acordo entre o governador Tarcísio de Freitas, a Defensoria Pública e o Ministério Público do Estado de São Paulo, que foi validado pelo presidente da corte, Ministro Luiz Roberto Barroso, e determina que os próprios policiais serão responsáveis por ligar as câmeras de suas fardas como desejava Tarcísio.
Essa decisão, além de descabida, se caracteriza como um retrocesso sem tamanho, pois com o uso das câmeras houve comprovadamente uma redução nas mortes praticadas por policiais, e é certo que eles irão desligar as câmeras no momento em que querem cometer seus abusos de poder contra a população.
O pesquisador Leonardo de Carvalho, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, salienta que todo o aceno da política de segurança do governo Tarcísio é na linha do endurecimento e do fortalecimento do policiamento ostensivo, sobretudo com ações que acabam resultando em confrontos que aumentam a letalidade, afirma ele em entrevista ao jornal Brasil de Fato.
Nesse sentido, se faz necessário um debate aprofundado das esquerdas a respeito da segurança pública, se colocando na linha de frente dessa luta ao lado dos moradores das comunidades que enfrentam a violência policial cotidianamente. Ações como a participação do ato das Mães de Maio, por meio do contato da assessora, Ana Paula do mandato da vereadora, Luana Alves (PSOL/SP), é fundamental para demonstrar nosso apoio, solidariedade, comprometimento, respeito, e a necessidade de realização de denúncias para que esses atos não fiquem impunes.
Não podemos ignorar que na política do extermínio e da solução final, aqueles que irão sofrer são pretos, pobres e periféricos, cujos corpos e vivências são atravessados por diversos marcadores sociais. Assim, é essencial uma discussão antirracista para compreender o avanço da letalidade policial e também como os governos abrem espaço para esses atos cruéis e desumanos.