Neofascismo e mudança climática
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Neofascismo e mudança climática

As relações entre a extrema direita e o negacionismo científico perante a emergência climática

GIlbert Achcar 9 jul 2025, 09:48

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À medida que uma onda de calor recorde assola grande parte da Europa e da América do Norte, e que as mudanças climáticas e o aquecimento global — contra os quais os cientistas ambientais há muito alertam, pedindo ações urgentes antes que seja tarde demais — são cada vez mais confirmados, neste momento alarmante para o futuro do planeta e de seus habitantes humanos e animais, vale a pena perguntar o que está levando os movimentos neofascistas a questionar, em vários graus, a realidade das mudanças climáticas, ou pelo menos sua conexão com o comportamento humano. Já observamos anteriormente que “o neofascismo está empurrando o mundo para o abismo com a hostilidade flagrante da maioria de suas facções em relação às medidas ambientais indispensáveis, exacerbando assim o perigo ambiental, especialmente quando o neofascismo assumiu as rédeas do poder sobre o povo mais poluidor do mundo proporcionalmente ao seu número, ou seja, o povo dos Estados Unidos”. (“A era do neofascismo e suas características distintivas”).

Este padrão de negação da gravidade das alterações climáticas não é natural nem intuitivamente compreensível, ao contrário de outras características do neofascismo, tais como o nacionalismo, o etnicismo, o racismo, o sexismo e a hostilidade extrema em relação aos valores sociais emancipatórios. O que leva, então, os movimentos neofascistas a negar a realidade cada vez mais óbvia e, mais importante ainda, a opor-se às políticas destinadas a combater as alterações climáticas, numa tentativa de as mitigar e impedir que a catástrofe se agrave? Os pesquisadores identificaram três fatores principais que explicam esse padrão. Um deles está relacionado ao arsenal ideológico tradicional da extrema direita, enquanto os outros dois estão relacionados aos dois pólos de classe que determinam o comportamento neofascista: a ampla base social e a estreita elite econômica, cujo apoio eles buscam obter.

O primeiro fator baseia-se no ultranacionalismo, que muitas vezes se reflete em políticas “soberanistas” e “isolacionistas” que rejeitam quaisquer acordos internacionais que limitem a liberdade do Estado-nação de determinar suas políticas econômicas e outras. Esse comportamento atinge seu nível mais absurdo quando provém do país com maior influência na formulação de acordos e políticas internacionais, ou seja, os Estados Unidos. Vimos como Donald Trump justificou a retirada de Washington do Acordo Climático de Paris, como se este fosse resultado de uma conspiração do resto do mundo para limitar a liberdade dos Estados Unidos de desenvolver sua economia, particularmente na exploração de seus recursos naturais de combustíveis fósseis, ou seja, carvão, petróleo e gás. A rejeição neofascista dos acordos ambientais internacionais se insere, portanto, em uma rejeição abrangente de quaisquer regras que, da perspectiva ultranacionalista, limitem a soberania nacional.

O segundo fator consiste em agradar os sentimentos da base social cujo apoio eleitoral os neofascistas buscam obter. Eles exploram o descontentamento de algumas categorias de baixa renda com as mudanças no estilo de vida e os custos necessários para combater as mudanças climáticas. Esse descontentamento é certamente ampliado quando governos neoliberais buscam fazer com que categorias de renda modesta arcem com os custos da luta, em vez de impor esses custos ao grande capital, o principal culpado pela poluição prejudicial ao meio ambiente. Um exemplo marcante dessa iniciativa é o imposto adicional que o governo do presidente francês Emmanuel Macron tentou impor em 2018 sobre o combustível para veículos, uma medida que teria afetado principalmente as categorias mais baixas de usuários de automóveis. Essa tentativa provocou uma das maiores ondas de protestos populares na França neste século, conhecida como o movimento dos Coletes Amarelos. Uma das reivindicações do movimento contra o governo era a imposição de um imposto sobre as maiores fortunas, em vez de um ônus adicional sobre uma grande parte da população.

Chegamos aqui ao terceiro fator que explica a posição neofascista sobre as mudanças climáticas. Uma das características bem conhecidas do fascismo antigo é que ele buscava obter o apoio do grande capital, apesar de sua retórica demagógica “populista”, que afirmava defender os interesses das classes sociais mais baixas e, em alguns casos, até mesmo afirmava ser “socialista” — como no caso do nazismo alemão, cujo nome oficial trazia esse rótulo. A conivência entre fascistas e o grande capital decorria principalmente do medo deste último do surgimento do movimento operário, com suas alas social-democrata e comunista, em meio à crise econômica vivida durante o período entre guerras do século passado — os anos da era fascista original.

Hoje, porém, com o movimento operário significativamente enfraquecido pela ofensiva neoliberal e pelas mudanças tecnológicas, a motivação do grande capital para se aliar aos movimentos neofascistas não é defensiva, mas ofensiva. Estamos diante de um tipo de grande capital que busca proteger seu crescimento monopolista às custas do pequeno e médio capital. Para isso, ele precisa se livrar das restrições anteriormente impostas para limitar os monopólios, inspiradas por um liberalismo econômico comprometido com a preservação da concorrência como principal motor do desenvolvimento capitalista. Dessa perspectiva, as políticas ambientais são vistas como restrições impostas à liberdade do capital, uma liberdade que envolve uma contradição intrínseca, pois a liberdade completa e irrestrita leva inevitavelmente ao surgimento de monopólios que minam essa mesma liberdade.

O exemplo mais proeminente disso é Peter Thiel, um dos principais capitalistas dos Estados Unidos e o principal proponente e defensor do neofascismo entre eles. Thiel foi um dos mais fervorosos apoiadores da campanha presidencial de Donald Trump e também é conhecido por ser o padrinho político do vice-presidente J.D. Vance, o porta-voz quase oficial da ideologia neofascista no governo Trump. Thiel declara descaradamente sua preferência por monopólios, argumentando que eles permitem o progresso tecnológico irrestrito por meio do enriquecimento ilimitado, ao mesmo tempo em que se opõe às políticas ambientais com o argumento de que elas limitam a concorrência internacional! Ele compartilha essa visão com os detentores de monopólios americanos em tecnologias avançadas e suas aplicações no comércio e nas mídias sociais, que apoiaram a recente campanha de Trump e estão apostando nele para combater as restrições e os impostos que os governos europeus pretendem impor a eles. Trump colocou essa tarefa no topo de sua agenda na guerra comercial que declarou contra o resto do mundo.


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Camila Souza