Detroit, New Jersey e duas greves vitoriosas
A classe operária estadunidense vive um interesse processo de retomada sindical, com o protagonismo de novas gerações e movimentos construídos de baixo para cima
Publicado em Estados Unidos Hoje, inciativa da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco
A classe operária estadunidense tem uma rica história de luta, mas, na esteira do neoliberalismo, a sindicalização no país caiu significativamente nos últimos 50 anos. Coincidentemente, nesse mesmo período, a desigualdade social aumentou. Conforme Eric Blanc destaca em seu livro recente, We Are The Union: “O enfraquecimento do movimento sindical ao longo dos últimos 50 anos devastou comunidades da classe trabalhadora, corroeu a democracia e aprofundou o controle das empresas sobre nossas vidas profissionais, nosso sistema político e o planeta”.
Contudo, um processo interessante de retomada sindical está acontecendo recentemente. E com uma característica marcante: o protagonismo das novas gerações e o predomínio de movimentos construídos de baixo para cima. Esses movimentos mobilizam setores até então desorganizados e influenciam sindicatos tradicionais. Eles também estão ligados a uma politização geral na sociedade, já que, nos últimos 15 anos, diferentes processos de luta (Occupy Wall Street, Women’s March, mobilizações pró-imigrantes, Black Lives Matter) e campanhas eleitorais (as principais delas, de Bernie Sanders) aumentaram o interesse da juventude e de segmentos da classe trabalhadora por ideias radicais.
Uma primeira onda do novo sindicalismo ocorreu em 2018, quando uma greve de professores irrompeu na Virgínia Ocidental e se espalhou pelo país. Depois, diante da pandemia de Covid-19, mais contingentes de trabalhadores passaram a se organizar e eventualmente entrar em greve. Exemplos incluem os operários das fábricas da John Deere em 2021, trabalhadores da Starbucks e da Amazon em diferentes momentos, professores, além das greves recentes nos portos e nas montadoras, em 2024.
Recentemente, em maio de 2025, duas mobilizações envolvendo estados e grupos diferentes foram vitoriosas. Uma delas, em Oregon, ocorreu dentro de uma universidade. A outra, em New Jersey, nas linhas de um dos mais importantes sistemas de trem do país, responsável por transportar diariamente centenas de milhares de pessoas. Em Oregon, tratou-se da greve dos “trabalhadores estudantis” da Universidade de Oregon (UO), que durou dez dias e conquistou um termo de acordo favorável ao movimento. Já em New Jersey, os condutores de trem cruzaram os braços durante três dias e conquistaram suas reivindicações.
Embora essas greves tenham sido, até aqui, isoladas, elas são bons exemplos do tipo de mobilização necessária para enfrentar os tempos difíceis de governo Trump.
Nossa coluna conversou com Jake Ephros, morador de Jersey City, professor, membro do DSA e candidato a vereador na cidade. Segundo ele:
“Os maquinistas da NJ Transit têm os salários mais baixos entre todas as ferrovias de transporte de passageiros da região. A Amtrak paga quase 16 dólares a mais por hora. A PATH, a Long Island Railroad e a Metro-North pagam todas mais de 10 dólares por hora a mais do que a NJ Transit. Os maquinistas de New Jersey estavam trabalhando sob um contrato que havia expirado em 2019, sem receber aumento desde então. Enquanto isso, a inflação corroeu 24% do poder de compra do dólar desde janeiro de 2020. Esses trabalhadores, então, rejeitaram um acordo ruim no mês passado, entraram em greve e conquistaram um acordo significativamente melhor. A greve dos maquinistas é uma demonstração de força que deve repercutir entre outros trabalhadores da NJ Transit e membros de sindicatos em diversos setores.”
Falamos também com David Putucker, membro da Juventude do DSA em Oregon. Segundo ele:
“A greve dos trabalhadores estudantis da Universidade de Oregon (UO) foi um grande avanço para o crescente movimento de trabalhadores estudantis de graduação nos Estados Unidos. Foi a maior greve desse tipo na história do movimento. Ela conquistou um primeiro contrato sólido, que pode servir como modelo para a organização de trabalhadores estudantis em outros lugares. O contrato inclui conquistas que poucos estudantes trabalhadores em outras partes dos EUA conseguiram, como licença médica para estudantes em programas de estudo e trabalho (work-study) e o direito à mediação por terceiros em todas as queixas relacionadas ao ambiente de trabalho. Esse contrato é uma arma que os estudantes trabalhadores podem usar para combater o assédio e a discriminação no trabalho, e prepara bem os trabalhadores da UO para uma grande mobilização em 2028 — a greve geral de 1º de Maio convocada por Shawn Fain. Olhando para o futuro, os líderes do UOSW (Trabalhadores Estudantis da UO) e dos Jovens Socialistas Democráticos devem se concentrar na construção de uma frente única para entrarem em greve juntos em 2028, para que estudantes e trabalhadores possam finalmente reverter a privatização silenciosa da nossa universidade e desferir um golpe contra um governo federal de direita que quer destruir o ensino superior público como espaço de pensamento crítico.”