Ativistas denunciam prepotência e mau governo como causa dos confrontos
O balanço oficial dos últimos dois dias aponta para 22 mortos, 197 feridos e 1.214 presos. A greve dos taxistas desencadeou uma onda de protestos violentos como resposta ao desemprego e elevado custo de vida, agravados pelo aumento dos combustíveis num país produtor de petróleo
Um “regresso ao quotidiano” “ainda a medo” mas “com forte aparato policial”. É assim que o Novo Jornal de Angola descreve o que se passa em Luanda depois de nos últimos dois dias, na sequência de uma greve dos taxistas, se terem registado situações de violência que resultaram em 22 mortos, 197 feridos e 1.214 detenções de acordo com Manuel Homem, ministro do Interior de Angola.
Segundo aquele meio de comunicação social, “a greve dos taxistas, iniciada na segunda-feira, em Luanda, descambou em bloqueios, confrontos e vandalismo, devido ao descontentamento da população face ao aumento do preço dos combustíveis. Barricadas, pneus queimados, pilhagens e viaturas vandalizadas marcaram os dias da greve dos taxistas”.
Esta quinta-feira, ainda segundo o Novo Jornal, decorrem julgamentos sumários e interrogatórios de pessoas acusadas de envolvimento em vandalismo. Durante a noite, “dezenas de jovens” foram a tribunal em cinco julgamento com pelo menos sete a terem sido já condenados a 20 meses de prisão efetiva e ao pagamento de 50 mil kwanzas de indemnização e cinco absolvidos por insuficiência de provas. Esta fonte indica ainda que “mais de 100 menores” detidos nos protestos “começaram a ser devolvidos às famílias no início da noite de ontem, por ordem da justiça”.
A Ordem dos Advogados de Angola apelou à mobilização da classe para assegurar que os julgamentos ocorrem dentro da legalidade e imparcialidade.
A razão imediata dos protestos
Nos últimos sábados, têm existido manifestações contra o aumento do preço do gasóleo de 300 para 400 kwanzas por litro (0,28 para 0,37 euros), decretado no início do mês. Este faz parte de uma política de retirada gradual do subsídio aos combustíveis por parte do governo.
Esta subida implicou que a Agência Nacional de Transportes Terrestres tivesse aumentado de 200 kwanzas (0,19 euros) para 300 (0,28 euros) o preço do serviço de táxis coletivos e de 150 kwanzas (0,13 euros) para 200 (0,19 euros) a tarifa do serviço de autocarros urbanos. Várias associações e cooperativas de taxistas, entre as quais a ANATA, ATA, CTMF, ATLA, CTCS, 2PN e AB-TAXI, tentaram negociar com o governo durante 15 dias mas sem sucesso tendo depois partido para a greve.
Ativistas apontam causas mais profundas e criticam prepotência governamental
A postura do governo durante os protestos tem sido criticada pela oposição, organizações não governamentais e ativistas angolanos.
Por exemplo, a Frente Patriótica Unida (FPU), que junta a Unita e o Bloco Democrático de Angola, tratou de em, comunicado, lamentar “profundamente as vítimas mortais entre civis e um oficial da Polícia Nacional ocorridas durante os protestos” e de exortar a “população, particularmente os jovens, a não se deixarem instrumentalizar nem enveredar por práticas que comprometam o seu futuro e o de Angola em geral”. Mas ao governo, deixou outro apelo: que “abandone definitivamente a postura arrogante e repressiva” e “opte, sem equívocos, pela cultura do diálogo e concertação social”.
O jornalista e ativista Rafael Marques também criticou o governo a este respeito: “há dias ainda estava o presidente a mostrar que tem o controlo da situação e que manda e pode e que decide quem será o seu sucessor, e que faz tudo. E agora estamos a ver que nem o presidente da república, nem os membros do seu séquito, vêm a público explicar o que é que se está a passar no país”.
Este teme que surjam novas situações de violência “porque agora as pessoas percebem as fragilidades do próprio regime” mas destaca que nos país “não há diálogo entre o governo e a sociedade civil” e “as pessoas cada vez mais nutrem um antagonismo, um antagonismo indisfarçável contra a beligerância do presidente, contra o seu coração de pedra”. Por isso, conclui “o resultado só pode ser este”.
Outra figura destacada do ativismo angolano, Luaty Beirão, identifica a causa do que se passou na “má governação, insistência na prepotência” das autoridades que ignoraram os “sinais evidentes de desgaste por parte do povo”.
Para ele, “não há magia, as pessoas não acordaram num dia e tornaram-se todas criminosas”, lembrando que a sociedade civil anda “há muitos anos a tentar advertir o poder, que se fez poder pela força, que não conhece outra linguagem sem ser a da brutalidade e da força, que estariam a levar e a conduzir o país para um estado de insustentabilidade”.
No imediato, afirma, “o que deveria estar a acontecer era uma certa humildade, o que também não existe lá em cima, de reconhecer que deram um ou vários passos em falso e conseguir descer do pedestal e promover um diálogo, abrir-se às pessoas que estão a demonstrar esta fúria”.
Outra ativista angolana, Laura Macedo, uma das pessoas que têm convocado as manifestações pacíficas aos fins de semana que a polícia nunca deixou chegar ao seu destino, contextualiza igualmente o que se passou em entrevista à RFI: “os angolanos estão há uns anos a passar por muitas dificuldades, com os seus rendimentos a não chegarem para por o básico em casa. Mesmo as pessoas da classe média, o custo de vida está tão alto que não se consegue”.
Explica que à falta de transportes públicos, as pessoas são empurradas para os táxis coletivo que aumentaram o preço, fazendo recair o aumento do preço dos combustíveis sobre a população que “está a ver que o governo não está minimamente preocupado com eles”, o que gerou uma revolta aumentada por o país ser produtor de petróleo.
Pela sua parte, denuncia da mesma forma a “má governação” que leva a que haja “crianças na rua” e a seca no sul “a atirar pessoas para a morte”.
Em entrevista ao Deutsche Welle, Serra Bango, presidente da Associação Justiça, Paz e Democracia, critica o silêncio do presidente João Lourenço, uma postura que “agrava a instabilidade e evidencia a desconexão do poder com o sofrimento do povo”. Se ele se tivesse pronunciado “no sentido de apaziguar e dar alguma esperança, provavelmente teria amainado o impacto desta greve”, perspetiva.
À RFI, no dia anterior, tinha denunciado “situações de execuções sumárias de cidadãos desarmados, inofensivos”, havendo casos em que “foram executados com tiros pelas costas”. Isto para além de várias outras “situações de violação de Direitos Humanos, violação da integridade física e violação do património público e privado”.
Sobre a ausência inicial de polícias nas ruas pensa que ou não foram avaliados corretamente os riscos e houve negligência ou “esta ausência da polícia poderá ter sido deliberada para criar um quadro justificativo para a acão da brutalidade policial ou para uma ação política que justifique, por exemplo, que haja alteração do quadro constitucional em Angola”.
Tal como muitos dos outros ativistas sublinha a “dificuldade económica e social que se regista em Angola”, nomeadamente “um elevado índice de desemprego” e o baixo pode de compra da população. Para além de medidas económicas “para acautelar e mitigar essa situação, até que se resolva o problema de uma vez por todas”, sublinha a necessidade de “resolver o problema da mobilidade urbana por via dos transportes públicos que não existem”.