A dimensão do ataque de Trump ao Brasil
Trump não quer apenas estabelecer novas condições comerciais com o Brasil. Seu verdadeiro objetivo é impor autoridade sobre um país estrangeiro.
Estados Unidos Hoje da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco
A guerra tarifária dos Estados Unidos contra o mundo — colocada em prática com um método definido por alguns como de bullying internacional — é a expressão máxima do intervencionismo imperialista. Sob Trump, os Estados Unidos desprezam o planeta, principalmente as nações que eles consideram subalternas e frágeis.
Mapear as tarifas é difícil. Elas oscilam ao sabor da intempestividade de Trump, de seus arroubos autoritários e sua infinita imoralidade.
Ainda assim, é possível delinear três esferas entre as nações.
A primeira delas é a China, o eixo definidor da guerra tarifária. O retorno dos Estados Unidos a uma política protecionista explica-se pela concorrência chinesa e pelo declínio relativo do poderio econômico ianque. Assim, Trump busca atacar a China, seja direta ou indiretamente, mirando os aliados econômicos dela. Mas como a importância da economia chinesa é hoje incontornável, após uma escalada tarifária sem precedentes que aconteceu em abril, Trump precisou firmar um acordo, estipulando tarifas de 30% sobre os produtos chineses, frente a tarifas de 10% no sentido contrário.
A segunda esfera é representada por países considerados aliados. Nesses casos, Trump impõe um garrote sobre parceiros tradicionais em busca de obter vantagens econômicas imediatas. Essa lógica baseou acordos firmados com União Europeia, Japão e Coreia do Sul, por exemplo. Os acordos preveem tarifas assimétricas entre os Estados Unidos e os países em questão, além de compras e investimentos estrangeiros no território estadunidense, especialmente no setor energético.
Já o terceiro grupo é conformado pelos países considerados frágeis pelo imperialismo. Trata-se do Sul Global. Nesses casos, Trump tenta devassar economias nacionais, gerar instabilidade política, intervir e saquear recursos. O presidente também quer remover os países do Sul Global do raio de influência chinês, reconstituindo, com base na intimidação, os “quintais” dos Estados Unidos no mundo. Mas a realização plena desse desejo é inviável.
É importante lembrar que até as menores economias estão sendo submetidas a um piso tarifário de 10%. Reportagem recente do The New York Times mostrou que a mera expectativa das tarifas gerou uma devastação em Lesoto, na África, onde está havendo o colapso da indústria têxtil e demissões em massa. Trata-se de um exemplo entre muitos.
Na lógica trumpista, o Brasil encontra-se nesse terceiro grupo de nações. Daí a gravidade dos ataques perpetrados contra o Brasil, que miram a um só tempo a economia e a soberania do maior país da América Latina, agora penalizado com a maior de todas as tarifas, além de sanções dirigidas a sua Suprema Corte.
Trump não quer apenas estabelecer novas condições comerciais com o Brasil. Seu verdadeiro objetivo é impor autoridade sobre um país estrangeiro. As ameaças refletem a cobiça imperialista pelos recursos naturais, pelas empresas estatais, pelos minerais de terras raras e até pelo funcionamento do mercado interno brasileiro, incluindo o uso do pix e as normas jurídicas que regulam o ambiente virtual e as big techs.
Se pudesse, Trump submeteria a administração brasileira ao mesmo tipo de controle já imposto sobre o Panamá e a Ucrânia. Após as ameaças contra o Canal do Panamá, José Raúl Mulino retirou o país centro-americano da Rota da Seda chinesa e concedeu privilégios comerciais e militares aos Estados Unidos. Já Volodymyr Zelensky, pressionado pela guerra, entregou a Trump a exploração dos minerais ucranianos. E o presidente estadunidense conta com a animada colaboração da extrema direita brasileira.
Estamos diante da maior ameaça à soberania nacional neste século, um fato político que inaugura um novo momento na relação entre os dois países e na conjuntura brasileira. O Brasil, contudo, não é um agente irrelevante. Além de ser a maior economia da América Latina, o país tem 210 milhões de habitantes, é membro do BRICS, possui riquezas naturais e, neste exato momento, conduz corretamente uma investigação para responsabilizar sua extrema direita assassina e golpista.
Nas próximas semanas, espera-se que o governo brasileiro mantenha a altivez até aqui observada, pois esse é o único caminho para preservar os interesses nacionais. Além disso, o momento traz uma oportunidade para o país adotar medidas tanto de retaliação aos Estados Unidos quanto de reversão da lógica dependente da sua economia, inclusive em relação à China. Isso exigiria a decisão de fortalecer o mercado interno, romper com a política econômica neoliberal e enfrentar os problemas da reprimarização econômica — um conjunto de ações que parece difícil de ser aplicada sem uma forte pressão social.
Quanto a Trump, espera-se que os conflitos internos nos Estados Unidos, somados à mobilização anti-imperialista mundial, consigam conter a espiral de insanidade. Afinal, quem sente tanta necessidade de demonstrar força geralmente precisa esconder fraqueza. E, caso a chamada “tempestade perfeita” se forme contra o presidente estadunidense, o feitiço pode virar contra o feiticeiro.