Entre turbinas e painéis: a face oculta da energia renovável
Degradação ambiental e violações de direitos das comunidades tradicionais na expansão de parque eólicos e solares
Foto: Turbina eólica em quintal residencial no Sítio Sobradinho, em Caetés. (Arnaldo Sete/MZ Conteúdo/OP)
A busca por fontes alternativas de energia é um dos grandes desafios do mundo contemporâneo, especialmente diante da crise climática. Nesse contexto, o Brasil tem investido na expansão de parques eólicos e solares em diferentes regiões, o que, em tese, representa um avanço para a matriz energética do país. Entretanto, a instalação desses empreendimentos em municípios como Uibaí e Ibipeba, na Bahia, tem revelado sérios problemas relacionados à violação de direitos das comunidades tradicionais e à degradação ambiental. Além disso, o protagonismo de empresas estrangeiras, como a estatal norueguesa Statkraft, evidencia um processo de imperialismo energético, em que países centrais transferem os impactos socioambientais de seus projetos para territórios periféricos, apropriando-se de recursos locais em nome do “desenvolvimento sustentável”.
Em primeiro lugar, observa-se a ausência de diálogo entre a empresa responsável e a população local. Diferentemente de Garanhuns, em Pernambuco, onde os moradores recebem uma parte muito pouca dos lucros, vela ressaltar, da geração de energia, em Uibaí não houve negociação semelhante. Além disso, a instalação das torres ocorreu em áreas arrendadas, avançando sobre territórios de fundo e fecho de pasto e de comunidades quilombolas, sem a realização de audiências públicas nem consultas prévias, como determina a Convenção 169 da OIT. Esse processo, conduzido por uma empresa estrangeira, reproduz uma lógica de exploração em que o lucro é concentrado no exterior, enquanto as comunidades locais arcam com os custos sociais e ambientais.
Outro ponto preocupante refere-se aos impactos ambientais: Para a construção da usina solar, já foram devastados 450 hectares da caatinga, além da abertura de mais de 70 quilômetros de estradas dentro da vegetação nativa. De acordo com o Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (Inema), somente a instalação mais recente autorizada pela Statkraft envolve 282.240 painéis solares e o desmatamento de 454 hectares de floresta, que abrigam 230 espécies de plantas e 200 espécies animais, muitas delas ameaçadas de extinção e dependentes do ambiente florestal para sobreviver. Além da flora e fauna, até os recursos hídricos são impactados, já que a área funciona como recarga para rios que deságuam no São Francisco. Apesar disso, o órgão classificou o empreendimento como de “baixo impacto ambiental” e concedeu a licença. É importante destacar, ainda, que existiam terrenos já desmatados e aptos para receber a instalação, mas o interesse econômico se sobrepôs às alternativas menos destrutivas.
Além da destruição ambiental, as comunidades afetadas permanecem desassistidas. Estradas continuam precárias, escolas e hospitais não receberam melhorias, e as medidas compensatórias resumem-se a cursos pontuais de educação ambiental ou capacitação, sem impacto real no cotidiano. O maior empreendimento da Statkraft fora da Europa, com 91 turbinas já instaladas, não deixou legados estruturantes para a população local. Esse cenário evidencia o caráter imperialista da atuação da empresa norueguesa, que exporta lucros e energia limpa, mas deixa para o Brasil a conta social e ambiental da degradação.
Portanto, embora a energia renovável seja essencial para o desenvolvimento sustentável, suas implementações nesses municípios revelam sérios problemas de ordem social, ambiental e política. Para reverter esse quadro, é necessário que o Ministério Público Federal, em parceria com o Ibama e a Fundação Palmares, fiscalize os empreendimentos e exija a realização de consultas prévias e informadas às comunidades tradicionais. Além disso, a empresa estrangeira deve ser responsabilizada a investir em reflorestamento da caatinga, proteção da fauna e infraestrutura social, como escolas, hospitais e estradas. Somente por meio de uma atuação que confronte o imperialismo energético e garanta soberania às comunidades será possível assegurar que o avanço da matriz energética brasileira ocorra de forma justa, inclusiva e verdadeiramente sustentável.