Criança e capitalismo 
trabalho_infantil

Criança e capitalismo 

O cenário do trabalho infantil na fumicultura catarinense

Samara Morais 14 out 2025, 08:17

Foto: Ministério do Trabalho/Divulgação

Na Semana da Criança, julgamos importante debater as condições impostas pelo capital a essa etapa tão peculiar da vida. Evidenciamos que, se por um lado Santa Catarina encabeça a propaganda de “Sul Maravilha”, por outro, é um dos estados onde mais se obscurece a exploração do trabalho infantil, especialmente na fumicultura (plantação de fumo).

Com base na tese de Conde (2012) desmistificamos a noção de “ajuda familiar”, “saberes da terra” e  “ensino de uma profissão” e revelamos a exploração do trabalho da criança e principalmente o trabalho subordinado ao capital. 

Destacamos que a criança trabalhadora é parte essencial de uma cadeia produtiva global. Mesmo que os pais e responsáveis não possuam vínculo empregatício direto com as empresas, a ausência desse trabalho comprometeria o acesso ao principal insumo de gigantes como Philip Morris Brasil, British American Tobacco (BAT Brasil), Alliance One International e inúmeras outras.

A relação trabalho é mediada por um contrato entre o produtor e empresas multinacionais que determinam preço, qualidade, técnicas e insumos. O que coloca toda a família envolvida nas etapas de produção. Afinal quanto mais fumo, mais renda para todos. 

Além de lidarem com uma rotina exaustiva, o trabalho com fumo oferece riscos à saúde, já que a nicotina e agrotóxicos são produtos tóxicos que podem ser absorvidos pela pele como no caso da “doença da folha verde” (intoxicação severa por manuseio do fumo não curado). 

É importante apontarmos que a intoxicação não é o único risco; muitos trabalhadores adultos apresentam problemas severos nas articulações e lesões em diversas regiões do corpo. É por causa dessa dificuldade física que eles recorrem às crianças, já que a colheita exige a retirada de folhas do ‘baixeiro’ (folhas localizadas na parte inferior do pé de fumo). Assim, em vez de o adulto ter que se agachar ou curvar-se por conta de suas lesões, a criança é quem passa a realizar essa tarefa.

O trabalho infantil é ocultado, o risco de anulação do contrato com as empresas é grande, mas também há riscos junto Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e da Afubra (Associação dos Fumicultores do Brasil).

Segundo o estudo ‘Diagnóstico Ligeiro do Trabalho Infantil – Brasil, por Unidades da Federação’, baseado na PNAD Contínua de 2023, Santa Catarina registrou mais de 40 mil crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil. Este número, contudo, é provavelmente subestimado, visto que as áreas rurais (como as de fumicultura) não acontece o mesmo nível de fiscalização das zonas urbanas e industriais, resultando em grande invisibilidade da exploração do trabalho de crianças e adolescentes. 

No Brasil, políticas como o PETI (Programa de Erradicação do  Trabalho Infantil) conseguem que as crianças frequentem a escola, mas muitas apenas diminuem a jornada semanal de trabalho, sem deixarem de trabalhar por completo. A “ajuda”, justificada como tradição de aprendizado, de cultura familiar  é uma forma de exploração inerente à própria produção capitalista que cria ferramentas jurídicas de contratação que obriga agricultores a envolverem toda a família no processo. 

Evidenciamos que o nosso país ocupa o segundo lugar do ranking mundial, estando atrás somente da China e na frente dos EUA. Destacamos que Relatórios de Direitos Humanos: Organizações internacionais de direitos humanos, como a Human Rights Watch, já mencionaram a China National Tobacco em relatórios que investigam a cadeia de suprimentos global do tabaco, indicando que ela está entre as empresas que compram fumo cultivado em locais com risco de exploração de trabalhadores e crianças. Bem como também há estudos que apresentam que a plantação de fumo realizada em solo estadunidense conta com a mão-de-obra infantil, em especial da imigrante. 

É importante destacarmos que o trabalho infantil travestido de tradição é parte da própria estrutura do capital  (mais-valia) e que esse trabalho tem relação direta com a ampliação da jornada, barateamento da força, degeneração física e constituição de uma permanente força de trabalho (mão-de-obra) mais dócil, mais treinada. 

Evidenciamos que as transnacionais do tabaco, estão entre as indústrias mais lucrativas do mundo, especialmente as que usam o sólo e a força dos trabalhadores catarinenses, como a Philip Morris International (PMI) que tem como receita anual cerca de US$ 32 bilhões a US$ 39 bilhões. British American Tobacco (BAT) que apresenta uma receita de US$ 28 bilhões a US$ 35 bilhões.  Marcas globais e forte atuação em mercados emergentes  que obscurecem dos seus exorbitantes lucros a exploração das crianças catarinenses. 

É diante desse cenário que precisamos nos organizar nas cidades e no campo, apontando as contradições de um sistema que espraia doença, miséria ao mesmo tempo que rouba o tempo de vida das nossas crianças e adolescentes . 

 1 Prof. Dra. Soraya Conde Franzone, Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina, pesquisadora do grupo TMT- Transformações do Mundo do Trabalho e coordenadora do GETEFI- Grupo de Estudos sobre Trabalho, Educação e Infância.


TV Movimento

Encontro Nacional do MES-PSOL

Ato de Abertura do Encontro Nacional do MES-PSOL, realizado no último dia 19/09 em São Paulo

Global Sumud Flotilla: Por que tentamos chegar a Gaza

Importante mensagem de três integrantes brasileiros da Global Sumud Flotilla! Mariana Conti é vereadora de Campinas, uma das maiores cidades do Brasil. Gabi Tolotti é presidente do PSOL no estado brasileiro do Rio Grande do Sul e chefe de gabinete da deputada estadual Luciana Genro. E Nicolas Calabrese é professor de Educação Física e militante da Rede Emancipa. Estamos unindo esforços no mundo inteiro para abrir um corredor humanitário e furar o cerco a Gaza!

Contradições entre soberania nacional e arcabouço fiscal – Bianca Valoski no Programa 20 Minutos

A especialista em políticas públicas Bianca Valoski foi convidada por Breno Altman para discutir as profundas contradições entre a soberania nacional e o arcabouço fiscal. Confira!
Editorial
Israel Dutra | 14 out 2025

Os tropeços da extrema direita

A desorganização do bolsonarismo e seus aliados marca a conjuntura atual no Brasil
Os tropeços da extrema direita
Publicações
Capa da última edição da Revista Movimento
A ascensão da extrema direita e o freio de emergência
Conheça o novo livro de Roberto Robaina!
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Conheça o novo livro de Roberto Robaina!

Autores