Criança e capitalismo
O cenário do trabalho infantil na fumicultura catarinense
Foto: Ministério do Trabalho/Divulgação
Na Semana da Criança, julgamos importante debater as condições impostas pelo capital a essa etapa tão peculiar da vida. Evidenciamos que, se por um lado Santa Catarina encabeça a propaganda de “Sul Maravilha”, por outro, é um dos estados onde mais se obscurece a exploração do trabalho infantil, especialmente na fumicultura (plantação de fumo).
Com base na tese de Conde (2012) desmistificamos a noção de “ajuda familiar”, “saberes da terra” e “ensino de uma profissão” e revelamos a exploração do trabalho da criança e principalmente o trabalho subordinado ao capital.
Destacamos que a criança trabalhadora é parte essencial de uma cadeia produtiva global. Mesmo que os pais e responsáveis não possuam vínculo empregatício direto com as empresas, a ausência desse trabalho comprometeria o acesso ao principal insumo de gigantes como Philip Morris Brasil, British American Tobacco (BAT Brasil), Alliance One International e inúmeras outras.
A relação trabalho é mediada por um contrato entre o produtor e empresas multinacionais que determinam preço, qualidade, técnicas e insumos. O que coloca toda a família envolvida nas etapas de produção. Afinal quanto mais fumo, mais renda para todos.
Além de lidarem com uma rotina exaustiva, o trabalho com fumo oferece riscos à saúde, já que a nicotina e agrotóxicos são produtos tóxicos que podem ser absorvidos pela pele como no caso da “doença da folha verde” (intoxicação severa por manuseio do fumo não curado).
É importante apontarmos que a intoxicação não é o único risco; muitos trabalhadores adultos apresentam problemas severos nas articulações e lesões em diversas regiões do corpo. É por causa dessa dificuldade física que eles recorrem às crianças, já que a colheita exige a retirada de folhas do ‘baixeiro’ (folhas localizadas na parte inferior do pé de fumo). Assim, em vez de o adulto ter que se agachar ou curvar-se por conta de suas lesões, a criança é quem passa a realizar essa tarefa.
O trabalho infantil é ocultado, o risco de anulação do contrato com as empresas é grande, mas também há riscos junto Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e da Afubra (Associação dos Fumicultores do Brasil).
Segundo o estudo ‘Diagnóstico Ligeiro do Trabalho Infantil – Brasil, por Unidades da Federação’, baseado na PNAD Contínua de 2023, Santa Catarina registrou mais de 40 mil crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil. Este número, contudo, é provavelmente subestimado, visto que as áreas rurais (como as de fumicultura) não acontece o mesmo nível de fiscalização das zonas urbanas e industriais, resultando em grande invisibilidade da exploração do trabalho de crianças e adolescentes.
No Brasil, políticas como o PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) conseguem que as crianças frequentem a escola, mas muitas apenas diminuem a jornada semanal de trabalho, sem deixarem de trabalhar por completo. A “ajuda”, justificada como tradição de aprendizado, de cultura familiar é uma forma de exploração inerente à própria produção capitalista que cria ferramentas jurídicas de contratação que obriga agricultores a envolverem toda a família no processo.
Evidenciamos que o nosso país ocupa o segundo lugar do ranking mundial, estando atrás somente da China e na frente dos EUA. Destacamos que Relatórios de Direitos Humanos: Organizações internacionais de direitos humanos, como a Human Rights Watch, já mencionaram a China National Tobacco em relatórios que investigam a cadeia de suprimentos global do tabaco, indicando que ela está entre as empresas que compram fumo cultivado em locais com risco de exploração de trabalhadores e crianças. Bem como também há estudos que apresentam que a plantação de fumo realizada em solo estadunidense conta com a mão-de-obra infantil, em especial da imigrante.
É importante destacarmos que o trabalho infantil travestido de tradição é parte da própria estrutura do capital (mais-valia) e que esse trabalho tem relação direta com a ampliação da jornada, barateamento da força, degeneração física e constituição de uma permanente força de trabalho (mão-de-obra) mais dócil, mais treinada.
Evidenciamos que as transnacionais do tabaco, estão entre as indústrias mais lucrativas do mundo, especialmente as que usam o sólo e a força dos trabalhadores catarinenses, como a Philip Morris International (PMI) que tem como receita anual cerca de US$ 32 bilhões a US$ 39 bilhões. British American Tobacco (BAT) que apresenta uma receita de US$ 28 bilhões a US$ 35 bilhões. Marcas globais e forte atuação em mercados emergentes que obscurecem dos seus exorbitantes lucros a exploração das crianças catarinenses.
É diante desse cenário que precisamos nos organizar nas cidades e no campo, apontando as contradições de um sistema que espraia doença, miséria ao mesmo tempo que rouba o tempo de vida das nossas crianças e adolescentes .
1 Prof. Dra. Soraya Conde Franzone, Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina, pesquisadora do grupo TMT- Transformações do Mundo do Trabalho e coordenadora do GETEFI- Grupo de Estudos sobre Trabalho, Educação e Infância.