Luiz Eduardo Merlino, trotskista explosivo
luiz_eduardo_merlino_capa

Luiz Eduardo Merlino, trotskista explosivo

Merlino foi um militante internacionalista comprometido com o enfrentamento à ditadura e com a construção de uma nova sociedade socialista

Pedro Antônio Chiquitti 18 out 2025, 08:17

Neste dia, há 77 anos, nascia Luiz Eduardo Merlino. Em uma conjuntura de avanço da extrema direita à nível internacional, com ameaças de mudanças de regime e de adoção de métodos repressivos à classe trabalhadora dos mais brutais, relembrar a história e a luta de Merlino é fundamental para trilhar caminhos. É importante também pela encruzilhada em que a esquerda está inserida – diante da ameaça do neofascimo, o que fazer?

Companheiros apontam que vivemos em um período histórico análogo a um “inverno siberiano”, ou seja, as derrotas e a paralisia são o que predominam e, diante disso, nos resta projetar o programa socialista para um futuro longínquo e defender um programa mínimo junto a setores social-liberais. Escrutinar a trajetória de Merlino pode ajudar a resgatar a perspectiva de que mesmo nos momentos mais difíceis, abandonar uma alternativa revolucionária não deveria ser uma opção. Esse jovem estudante encontrou na IV Internacional sua casa militante a partir da convergência na defesa de uma revolução socialista internacional e da necessidade de superar a degeneração do etapismo estalinista que era característico de diversas organizações brasileiras naquele momento. Para ele, seguindo as lições de Leon Trotsky, a superação de regimes que apelavam para uma perspectiva autoritária para manter a acumulação capitalista só poderia se dar com independência de classe.

Quem foi Merlino?

Luiz Eduardo Merlino nasceu em 18 de outubro de 1947, em Santos (SP). Já secundarista passou a se envolver com o movimento estudantil a partir do Centro Popular de Cultura da UNE. Foi apenas a partir de 1966, no entanto, que Luiz Eduardo mergulhou de vez no caldeirão político da juventude que se levantava contra o autoritarismo da ditadura dos militares e do capital. Naquele ano, Merlino havia se mudado para São Paulo e iniciado seus estudos no curso de História da USP, na movimentada Maria Antônia. Aspirante a historiador e rebelde por natureza, Luiz Eduardo, desde muito jovem, se jogou na literatura, na música e na filosofia: era um leitor assíduo de Sartre, se espelhava em Fernando Pessoa; amava o jazz, mas Adonirán Barbosa inspirava nele cantorias sem fim. Como relata Maria Regina Pilla, camarada de lutas dentro do Partido Operário Comunista que viria a fundar, Merlino, ou Nicolau, seu pseudônimo, era sedutor, com cabelos e olhos negros, sempre acompanhado de um bigode e de um óculos de aros pretos; dotado de um humor auto-irônico e apaixonado pela vida.

Foi um militante internacionalista comprometido com o enfrentamento à ditadura e com a construção de uma nova sociedade socialista, que nada tinha a ver com as experiências do “socialismo real”. Um jovem prodígio, obcecado pela teoria revolucionária, pela arte e pela história. Teve sua vida interrompida pelo terror da ditadura militar.

Merlino, a POLOP e a fundação do Partido Operário Comunista

Foi na Rua  Maria Antônia, na antiga Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências, que Merlino se tornou um militante comunista. Logo no seu primeiro ano de graduação, decidiu adentrar as fileiras da Política Operária (POLOP). Esta organização se diferenciava naquele contexto por sua crítica à política soviética e ao programa etapista do PCB, que defendia a ideia de uma “revolução democrática-burguesa”. A POLOP tinha como eixo a elaboração de um “Programa Socialista para o Brasil” através de uma leitura marxista da realidade brasileira, que revelava a partir da própria história a inexistência de uma suposta “burguesia nacional progressista” que os pecebistas reivindicavam. Ao mesmo tempo, a organização colocava a luta armada como tarefa secundária em relação à construção nos locais de trabalho e apontava que os focos guerrilheiros deveriam estar submetidos às insurreições urbanas.

Em 1967, a esquerda no Brasil sofreu duros debates diante da experiência cubana, do assassinato de Che Guevara naquele ano, das vitórias dos vietcongues e da influência do maoísmo, para além do próprio recrudescimento da ditadura militar. Foi neste momento que a POLOP passou por cisões guturais, com militantes aderindo a luta armada junto à VPR e à Colina.

Nesse contexto, aqueles que se mantiveram dentro da POLOP passaram a se aproximar da Dissidência Leninista do Rio Grande do Sul, que logo se tornaram uma mesma organização: é fundado o Partido Operário Comunista, o POC, que reivindicava o marxismo revolucionário, a crítica ao “socialismo real” e a defesa de um programa socialista conectado com as classes operárias que negava a ideia de uma “revolução por etapas”. Merlino estava inserido nesse processo de fundação do novo partido e nele atuou em 1968: no movimento estudantil e na Greve de Osasco que demonstrava a disposição de luta e auto-organização do operariado. 

Foi em 1968 também que Merlino atuou na Folha da Tarde como jornalista. O jornal, recém refundado, e que logo também viria a ser censurado, tinha a tarefa de fazer frente ao Jornal da Tarde, editado pelo Estado de São Paulo. Ele passou a noticiar a efervescência cultural e política daquele momento, que ia do rock’n’roll ao Maio de 68. periódico fazia parte do “espírito da época”: festivais de música com Caetano Veloso e Chico Buarque, encenações do Teatro Oficina e de Plínio Marcos, lutas de contestação do movimento estudantil. Foi a Folha da Tarde que noticiou os 12 mil estudantes reprimidos no México e também a “Batalha da Maria Antônia”, quando o estudante José Guimarães foi morto pelo Comando de Caça aos Comunistas (CCC) do Mackenzie. Luiz Eduardo Merlino, nesse contexto, foi destacado para cobrir o XXX Congresso da União Nacional dos Estudantes, congresso clandestino da UNE em Ibiúna após a Lei Suplicy, que extinguiu todas as entidades do movimento estudantil. O jovem foi detido e enviado para o presídio Tiradentes após a invasão do Congresso pela ditadura, mas foi solto e conseguiu reportar os fatos que havia vivido.

Em suas reportagens sobre o ocorrido em Ibiúna, Merlino denunciou a repressão com tiros e rajadas de metralhadoras por parte dos soldados da ditadura, as condições degradantes em que foram submetidas os estudantes detidos e os momentos em Tiradentes, com celas lotadas, sem comida e sem água. Nicolau, como era conhecido no movimento estudantil, no entanto, não estava em Ibiúna somente como jornalista, ele estava como um militante. Em 1968, ele já estava profundamente envolvido no movimento estudantil e também nas disputas dentro da UNE: era parte daqueles que diziam que a “A UNE SOMOS NÓS!” e que ela ia muito além de José Dirceu, Vladimir Palmeira ou Luiz Travassos, principais lideranças das entidades estudantis da época. Prova disso é o fato de que logo após a prisão dos mais de 700 delegados do XXX Congresso, uma assembleia na Cidade Universitária com mais de 2 mil estudantes reafirmavam que a reestruturação da UNE seguiria.

Após o congresso clandestino, o POC passou a agitar o Movimento Universidade Crítica em diversos estados brasileiros, e Merlino não poderia estar fora dessa. Seu manifesto fazia um balanço sobre a “derrota parcial” de Ibiúna: a “ditadura burguesa latifundiária”, como caracterizavam, estava aprimorando seus métodos de repressão com apoio dos norte-americanos e, por isso, não deveria mais haver espaço para erros de segurança amadores que haviam sido cometidos em Ibiúna; o XXX Congresso deveria servir de lição para ampliar as medidas de autodefesa contra a repressão e que a derrota poderia servir como o começo de uma nova vitória. O que fazer? O manifesto defendia que a tática fundamental do movimento estudantil naquele momento deveria ser a greve, organizada nas bases a partir de “Comitês de Defesa da UNE” para defender os colegas que haviam sido presos.

Depois do ano intenso de 1968, que presenciou levantes internacionais da classe trabalhadora, do movimento estudantil e da contracultura, a ditadura militar apostou em um endurecimento da repressão através do AI-5, o que gerou um refluxo do movimento de massas e a intensa perseguição de lideranças da esquerda. No final deste ano e no início de 1969, por conta desses novos elementos da conjuntura, o debate sobre o foquismo voltou a atingir a esquerda: parte dos militantes do POC foram atraídos pelas teses da luta armada, incluindo Merlino. Uma nova cisão aconteceu: quadros mais velhos do POC, como Ernesto Martins e Eder Sader, que vieram da POLOP, lideraram um rompimento no partido e fundaram uma nova organização que retomou o nome da Política Operária.

A partir daí, parte do POC ampliou suas relações com organizações da luta armada. Nos anos de 1968 e 1969, a ditadura militar ampliava seu poder de repressão: os militares desenvolviam sistemas de repressão cada vez mais eficazes com a integração dos serviços policiais de repressão política, com o financiamento de empresários e com a experiência da Operação Bandeirante (Oban), que consolidou o método “sequestro-tortura-execução”. Em 1970, a partir do Sistema de Segurança Interna no País (SISSEGIN), os DOI-Codi tornaram-se o modelo de repressão aos militantes que se levantavam contra o autoritarismo no país. Neste ano também o Sistema Nacional de Informações (SISNI) foi criado para integrar as agências de espionagem e operações de segurança, o que permitiu que a censura fosse ampliada e o mapeamento e a perseguição de integrantes de organizações políticas da esquerda se tornassem cada vez mais ostensivos.

Em um contexto de estrangulamento das possibilidades de ação por parte das organizações comunistas, o POC apostou nas teses internacionalistas, sem abandonar a crítica à burocratização da União Soviética e o reconhecimento de que a política dos PCs obedeciam uma orientação vulgarizada do marxismo, e buscou iniciar contatos mais frequentes com organizações de outros países.

A aposta na IV Internacional

O contato internacional decisivo para orientar a política de Merlino e do setor que compunha dentro do POC no período subsequente foi com Paulo Paranaguá, um brasileiro que havia participado ativamente nas lutas de Maio de 68 na Universidade de Nanterre e militava na Liga Comunista, fundada em 1969 a partir da fusão do Partido Comunista Internacionalista, a seção francesa da IV Internacional, e a Juventude Comunista Revolucionária, liderada por Alain Krivine e Daniel Bensaid, que estava na linha de frente das rebeliões estudantis do ano anterior. Paranaguá propôs a Merlino, Angela Mendes de Almeida, sua companheira, Flávio Koutzii e Maria Regina Pilla que passassem um período de seis meses na Europa para firmarem laços com a Liga Comunista e se aproximarem da IV Internacional, na época liderada por Ernest Mandel, Pierre Frank e Livio Maitan. Essa relação faria com que Merlino, conhecido como Nicolau, e Angela, conhecida como Taís, formassem uma tendência própria, um tanto quanto informal, no interior do POC, que ficou conhecida como “Tendência-Nicolau-Taís”, ou a “TNT” – o “apelido” não era coincidência: o grupo se desenvolveu como uma corrente “quartista”, com teses explosivas dentro da esquerda brasileira.

A convergência de ideias entre Merlino e outros militantes do POC com o trotskismo da IV Internacional tinha origem na singularidade das teses adotadas pela POLOP, que se distinguia das outras organizações comunistas brasileiras pela negação das ideias de “libertação nacional”, pela aposta no internacionalismo que não tinha como modelo a experiência soviética e também na crítica da burocratização da União Soviética sob comando de Stálin. Para além disso, a aproximação do POC com o foquismo encontrou consonância com a linha guevarista que vinha sendo defendida por Mandel, Frank e Maitan. Para Angela Mendes de Almeida, sua expectativa e de outros militantes do POC era de aprofundar, a partir do contato com a IV Internacional, a compreensão do estalinismo e da luta anti-burocrática e também de estabelecer contato com as outras seções da IV, em especial com o Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT) na Argentina, que aplicava a linha guevarista através do recém fundado Exército Revolucionário Popular (ERP) como forma de enfrentar a ditadura militar argentina. Naquele momento, os jovens brasileiros acreditavam que este contato poderia inserir a violência popular das guerrilhas em uma perspectiva mundial, principalmente a partir do contato orgânico com os guerrilheiros argentinos. Para os líderes da Internacional, a tática argentina seria um protótipo do que deveria ser aplicado no resto da América Latina.

Em dezembro de 1970, Merlino e seus companheiros brasileiros, todos com menos de 30 anos (Merlino, na época, havia acabado de completar 22 anos), recém-chegados a Paris, tiveram a oportunidade de participar de manifestações de rua que eram impensáveis de serem realizadas no Brasil daquele momento. A vida política da França era permeada pelos fluxos e refluxos gerados pelo Maio de 68, com uma juventude radicalizada e no embalo da contracultura. O primeiro ato em que participaram era em defesa de militantes que lutavam pela independência do País Basco através da violência revolucionária – 16 militantes estavam sendo julgados e poderiam ser condenados à morte pelo ditador Franco. Logo de saída, os novos trotskistas eram jogados nas lutas internacionalistas e de resistência a regimes autoritários.

No período em que esteve na França, Merlino participou de reuniões internas da Liga Comunista, inclusive de seu 2º Congresso, e teve contato com operários organizados de Montrouge, nos arredores de Paris. Essa experiência, casada com a participação na Greve de Osasco de 1968, o permitiu elaborar teses sobre a intervenção no movimento operário, com um enfoque especial na elaboração de palavras de ordem para mobilizar operários na situação da ditadura militar. Suas elaborações beberam dos debates dentro da esquerda revolucionária da época e também das ideias de Trotsky em torno do programa de transição: tentava, naquele momento, superar o corporativismo sindical e atualizar o papel da vanguarda: “o papel da vanguarda não é o de inventá-las mas de saber generalizar as boas palavras de ordem que saem das próprias massas. Esta tarefa cabe aos camaradas que participam cotidianamente das lutas.”

O contato que estabeleceram com dirigentes e intelectuais comunistas inseridos na IV Internacional influenciaram profundamente as ideias de Merlino e Angela: Michael Löwy se tornou um grande amigo, “protetor” e “orientador” do casal na França. Ele, como fundador da POLOP em 1961, debatia os rumos da esquerda revolucionária e apresentava a obra de Rosa Luxemburgo para os recém-tornados quartistas. Em 2006, Löwy escreveu “Lembranças de Nicolau”, um texto rememorando a convivência que teve com Luiz Eduardo Merlino. A afinidade entre os dois, afirma o franco-brasileiro, se deu desde o início pela partilha da “mistura de Trotsky com Che Guevara que era tão explosiva como TNT”. Michael afirma que Merlino era obcecado pela volta ao Brasil – para ele, voltar ao seu país era uma questão moral, um compromisso com a reorganização do POC e com a resistência armada à ditadura. O contato com Löwy, militante que posteriormente elaboraria as teses do ecossocialismo e desempenharia um papel fundamental na inserção dessas ideias nos eixos de orientação da IV Internacional, é uma demonstração do fio de continuidade das relações dos trotskistas brasileiros com um marxismo dinâmico, anti-burocrático e revolucionário que perdura até os dias de hoje.

O casal também desenvolveu uma relação com Pierre Frank, que teve contato direto e próximo com Leon Trotsky e que teve papel fundamental na reestruturação da IV Internacional após a 2ª Guerra Mundial, quando a maioria dos quadros do trotskismo haviam sido assassinados pelo estalinismo ou pelo nazismo. Apesar das polêmicas orientações de Frank na direção da IV, com destaque para o apoio ao entrismo sui generis e para a elaboração do giro ultra-esquerdista no final dos anos 1960, ele desempenhou um imprescindível papel ao ganhar os jovens da Juventude Comunista Revolucionária para a IV Internacional e também para a atração de quadros como os jovens brasileiros para a tradição quartista. Livio Maitan foi também outra figura com a qual Merlino e seus companheiros travaram debates. Maitan e sua esposa receberam os jovens brasileiros em sua casa em Roma e influenciou profundamente o grupo com suas teses guevaristas para a América Latina.

A orientação foquista defendida pela IV Internacional gerou polêmicos debates, em especial entre os trotskistas latino-americanos. A aposta nas guerrilhas feita por Maitan, Frank, Mandel e outros para enfrentar as ditaduras latino-americanas se baseava na hierarquização da disputa da vanguarda, o que gerou duros embates dentro das seções da América Latina e na direção da Internacional. Este debate é muito mais complexo e já gerou livros e mais livros, rupturas e cisões. Não temos o objetivo de fazer um balanço sobre todo esse processo neste texto, mas a verdade é que é compreensível que Merlino e seus companheiros se aproximassem da linha foquista da IV: a realidade brasileira da época, por conta da ditadura, dificultava a construção de um trabalho de massas; diversas organizações já haviam se jogado de cabeça nas táticas guerrilheiras e tensionavam toda a esquerda para essa linha; o entusiasmo com a experiência cubana não havia se dissipado e o processo de lutas que o PRT argentino tocava a partir da orientação guevarista passou a servir, ao menos até aquele momento, como um exemplo. De uma forma ou de outra, Merlino e a fração que construía dentro do POC demonstravam uma disposição notável de luta e de intervenção nas lutas da classe trabalhadora; se diferenciavam da maioria da esquerda brasileira que não conseguia se descolar da teses vulgares do estalinismo e do etapismo. A defesa de um programa socialista para o Brasil, do internacionalismo, da luta anti-burocrática e da crítica ao “socialismo real” ajudou a colocar o jovem Merlino na história da “bandeira sem manchas” do trotskismo.

A morte de Merlino, mais um desafio na organização do trotskismo na América Latina

Depois de aproximadamente seis meses na França frequentando os círculos de debates quartistas e presenciando os processos de luta que se desenvolviam na Europa, o grupo de jovens brasileiros se planejava para voltar ao Brasil: para eles, não era negociável a volta ao país natal para reorganizarem o POC, adentrarem a luta armada contra a ditadura e disseminarem as teses trotskistas aos seus companheiros. Luiz Eduardo Merlino seria o primeiro a voltar e articularia com os companheiros que estavam no Brasil a volta do restante do grupo. Esse empreendimento, no entanto, não pôde se concretizar.

Três dias depois de chegar ao Brasil, Merlino foi preso na casa de sua mãe, Dona Iracema, em Santos. Ele foi levado para o DOI-Codi da capital e foi duramente torturado no pau-de-arara, conforme o depoimento de outros presos. Carlos Brilhante Ustra, o então comandante do centro de tortura, ordenou o assassinato de Luiz Eduardo Merlino. Como se sabe, esse não foi um caso isolado: a ditadura militar perseguiu incessantemente todos aqueles que se levantaram contra o seu regime, em especial as organizações comunistas e o movimento estudantil.

O assassinato de Merlino afetou profundamente o destino do Partido Operário Comunista e do desenvolvimento das teses trotskistas no Brasil e na América Latina. O plano de voltar ao Brasil por parte dos jovens recém ingressos na IV Internacional para restabelecer a atuação do POC foi abortado. A maioria dos militantes da organização que se salvaram da repressão se exilou no Chile, onde houve um reagrupamento a partir das teses da IV Internacional. Dois núcleos de atuação se organizaram: um no Chile, que buscava se preparar para voltar a intervir no Brasil, e outro na Argentina, que passou a atuar dentro do PRT. O “núcleo chileno” aos poucos passou a se reinserir no Brasil, mas concentrando seus esforços em sobreviver; outros estavam ainda no Chile quando houve o golpe militar de Pinochet e se mantiveram no país para colaborar com a resistência chilena – o que não foi possível: Nelson de Souza Kohl, militante do POC e estudante da Escola de Comunicações e Artes USP, foi assassinado pela ditadura de Pinochet apenas quatro dias após a concretização do golpe. O “núcleo argentino”, na prática, se dissolveu dentro do PRT que, posteriormente, em 1973, passou por uma cisão entre um setor que abandonou a IV Internacional e um setor que não abriu mão do trotskismo. Os jovens brasileiros do POC estiveram ao lado daqueles que vieram a fundar a Fração Vermelha, que se manteve quartista, e participaram da resistência à ditadura argentina – alguns deles sequestrados, presos e barbaramente torturados junto aos seus companheiros argentinos, como foi o caso de Flávio Koutzii e Paulo Paranaguá.

A partir de 1975, o POC se desarticula: militantes vivendo clandestinamente no Brasil com dificuldades por conta da censura e perseguição, outros estavam exilados pelo mundo e uma parte significativa havia tombado. Diversos deles seguiram dentro da IV Internacional, passando a atuar nos países em que estavam a partir das teses trotskistas.

Por memória, verdade e justiça!

Quatro dias depois do sequestro de Luiz Eduardo Merlino, sua família recebeu um telefonema desconhecido com a notícia de que ele havia se suicidado. A família Merlino, no entanto, seguiu batalhando para saber a verdade. Posteriormente, o laudo de sua morte produzido pela ditadura afirmava que sua morte teria ocorrido na estrada BR-116, quando era levado para o Rio Grande do Sul para “reconhecer” companheiros. Nessa viagem, ele teria escapado e se jogado debaixo de um veículo. Essa história nunca foi comprovada. Os relatos de outros presos no DOI-Codi sugerem que ele foi retirado de sua cela e levado para um hospital, onde foi assassinado a mando de Ustra.

A Lei da Anistia promulgada pela ditadura, apesar de ter garantido um alívio para os opositores, serviu para livrar os torturadores e articuladores do regime militar. A abertura “lenta, gradual e segura” garantiu que a estrutura do Estado e da sociedade brasileira fosse permeada por heranças da ditadura, como a violência policial e a manutenção dos “filhotes da ditadura” em cargos de poder. Esses elementos, resumidamente, nunca permitiram com que houvesse justiça de transição no Brasil. A justiça nunca chegou aos companheiros, familiares e amigos de Merlino e de tantos outros que tombaram na luta contra a ditadura.

A batalha por justiça, no entanto, nunca acabou: Angela Mendes de Almeida e Regina Merlino, irmã de Luiz Eduardo Merlino, moveram, em 2008, uma ação declaratória contra o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra em busca do reconhecimento moral de que Merlino havia sido assassinado e torturado nas dependências do DOI-Codi. O processo foi interrompido quando o Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu um recurso por parte de Ustra e extinguiu o processo. A família recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, mas o relator arquivou o processo em 2010. Isso demonstra o compromisso da burocracia do Estado brasileiro em proteger os torturadores da ditadura. Após a derrota na primeira ação movida pela família Merlino, seus advogados entraram com uma nova ação contra Ustra, desta vez por danos morais. Finalmente, em 2011, a justiça brasileira ouviu seis testemunhas sobre o assassinato de Merlino. Diante disso, a justiça condenou Brilhante Ustra a pagar R$50 mil a cada uma das autoras do processo.

Essa foi uma vitória importante, mas sabemos que isso não basta. Por memória, verdade e justiça, é necessário garantir que não haja nenhuma anistia para os golpistas de ontem e de hoje. Revogar a Lei da Anistia. Punir todos os golpistas, torturadores e financiadores da ditadura militar. Isolar e desmoralizar a extrema direita. É preciso lutar por uma democracia real, por uma revolução socialista, por uma esquerda que tenha independência de classe e aposte no internacionalismo como sua bússola – e nisso a trajetória de Merlino, o trotskista explosivo, aponta um caminho.


TV Movimento

Encontro Nacional do MES-PSOL

Ato de Abertura do Encontro Nacional do MES-PSOL, realizado no último dia 19/09 em São Paulo

Global Sumud Flotilla: Por que tentamos chegar a Gaza

Importante mensagem de três integrantes brasileiros da Global Sumud Flotilla! Mariana Conti é vereadora de Campinas, uma das maiores cidades do Brasil. Gabi Tolotti é presidente do PSOL no estado brasileiro do Rio Grande do Sul e chefe de gabinete da deputada estadual Luciana Genro. E Nicolas Calabrese é professor de Educação Física e militante da Rede Emancipa. Estamos unindo esforços no mundo inteiro para abrir um corredor humanitário e furar o cerco a Gaza!

Contradições entre soberania nacional e arcabouço fiscal – Bianca Valoski no Programa 20 Minutos

A especialista em políticas públicas Bianca Valoski foi convidada por Breno Altman para discutir as profundas contradições entre a soberania nacional e o arcabouço fiscal. Confira!
Editorial
Israel Dutra | 17 out 2025

Trump, tire as mãos da Venezuela!

É o momento de unidade em defesa da soberania da Venezuela contra a ameaça imperialista
Trump, tire as mãos da Venezuela!
Publicações
Capa da última edição da Revista Movimento
A ascensão da extrema direita e o freio de emergência
Conheça o novo livro de Roberto Robaina!
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Conheça o novo livro de Roberto Robaina!

Autores