COP 30: a resignação ao colapso!
Em uma rendição à indústria dos combustíveis fósseis, a COP não estará concentrada em impedir a elevação da temperatura global, mas em manejar as consequências das alterações do clima na medida em que o calor aumenta
Quando nos aproximamos da 30ª Conferência das Partes do Acordo do Clima da ONU fica evidente que as negociações, encabeçadas pelo Brasil, abandonaram os objetivos firmados no Acordo de Paris, em 2015. Segundo seu presidente, André Correa do Lago, essa deve ser a COP da adaptação aos impactos das mudanças climáticas. Isso significa que o esforço principal não estará mais concentrado em impedir a elevação da temperatura, mas em manejar as consequências das alterações do clima para minimizar os danos que continuarão escalando na medida em que o calor aumenta. A adaptação é, evidentemente, uma dimensão importante das políticas ambientais, mas não deve ser feita em detrimento de se reduzir as emissões de carbono, causa da maior ameaça já enfrentada pela humanidade
Que a diplomacia brasileira esteja tacitamente promovendo o enterro do Acordo de Paris e a resignação à inevitabilidade do fossilismo é uma constatação dura, já que a realização da COP 30 em Belém, na Amazônia brasileira, sob o governo Lula, despertou enormes esperanças. O Acordo firmado em Paris, na COP 21, tinha como objetivo central manter o aumento da temperatura média do planeta em um nível bem abaixo de 2°C acima dos níveis pré-industriais, com esforços para limitar o aumento a 1,5°C. Para isso, negociaria a cada cinco anos planos nacionais de ação climática, as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) de emissões de carbono dos diferentes países. Agora completam-se as metas negociadas nos primeiros ciclos e negociam-se as metas até 2035. Para mantermo-nos nos objetivos do Acordo de Paris, seria necessário, segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), reduzir as emissões de gases do efeito estufa em pelo menos 57% até 2035.
Mas a presidência da COP 30 não só não dispunha de qualquer exemplaridade no combate às emissões – com o Brasil anunciando o início da prospecção de petróleo na Foz do Amazonas – como não trabalhou por qualquer meta geral ambiciosa. De fato, assolada por problemas de hospedagens, apenas em outubro conseguiu garantir o quorum mínimo para que a Conferência pudesse ter um caráter deliberativo. Objetivamente, a forma como o governo brasileiro organizou a Conferência impediu que o movimento global por justiça climática comparecesse massivamente em Belém como fez em COPs anteriores. O decisivo foi, porém, a condução política: o Brasil colocou desde o início como sua ambição central negociar um novo instrumento financeiro para captar recursos para os países detentores de florestas tropicais.
A comercialização das florestas tropicais
O Brasil estabeleceu uma aliança com a Indonésia, Colômbia, Congo, Gana e Malásia para lançar o Fundo das Florestas Tropicais para Sempre (TFFF em inglês). Como afirma uma declaração crítica impulsionada pela Assembleia Mundial pela Amazônia, “o TFFF considera, de forma equivocada e enganosa, que o desmatamento é uma falha de mercado que será resolvida atribuindo um preço aos serviços ecossistêmicos das florestas tropicais para atrair investimentos privados. O colapso ecológico provocado pelo capitalismo não será resolvido com mais capitalismo! O TFFF não reconhece as florestas como sistemas vivos que têm direito à vida, à preservação de seus ciclos vitais, à manutenção de sua capacidade de regeneração, a não serem contaminadas, a conservar sua integridade e a exigir reparação e restauração oportunas”.
O TFFF “não busca confrontar as verdadeiras causas estruturais da destruição das florestas; não propõe medidas eficazes para frear e reverter o extrativismo agrícola, minerador, hidrocarbonífero e a expansão de mega infraestruturas”.
O Manifesto da Via Campesina para a COP30 vai na mesma linha: “o tempo das falsas promessas e das soluções baseadas no mercado deve chegar ao fim. Denunciamos as corporações do agronegócio e os governos a seu serviço: eles criaram a crise climática e agora sequestram os processos intergovernamentais para mercantilizar a natureza, proteger seus lucros e roubar do povo a chance de mudar de rumo, nos conduzindo diretamente ao colapso. Em resposta, nosso movimento camponês afirma seu caminho: soluções reais que permitam reduzir massivamente as emissões de gases de efeito estufa, baseadas na Soberania Alimentar, na agroecologia, nos direitos camponeses e no respeito fundamental à Mãe Terra”.
A hipocrisia do petróleo
As três COPs anteriores foram sequestradas pelos interesses petrolíferos e organizadas para afastar as mobilizações de massa que o movimento global por justiça climática vinha organizando nas conferências do clima até Glasgow, em 2021. Esperaríamos que uma COP realizada no Brasil fosse diferente, mas não é o caso.
O anúncio da intenção do governo brasileiro de buscar petróleo na Margem Equatorial sinaliza um grande retrocesso para a transição energética no país, mostrando que o país segue prisioneiro do desenvolvimentismo fossilista mais tacanho – que, de fato, aprofunda a natureza neoextrativista da nossa economia. A meta do governo brasileiro é transformar o país de oitavo em quarto maior exportador mundial de petróleo até 2030! Isso reposiciona o Brasil diante da crise climática, afastando qualquer veleidade de liderança na transição energética global.
A queima do do petróleo que será explorado nesta região, que será basicamente exportado (e portanto nada tem a ver com argumentos de autossuficiência e soberania energética), pode liberar mais de 11 bilhões de toneladas de CO2, 5% do orçamento de carbono restante para limitar o aquecimento a 1,5°C. A iniciativa do governo brasileiro terá um impacto global e revela a hipocrisia do governo brasileiro no que diz respeito ao tema do petróleo.
O Brasil é o país que tem as melhores condições do mundo de geração de energia solar. O fato das energias solar e eólica terem se tornado as fontes de longe mais baratas, graças aos enormes ganhos de escala que os investimentos chineses no setor propiciaram, apenas ilumina o absurdo da decisão brasileira.
A COP da resignação: a caminho dos 3°C
As emissões de gases do efeito estufa jamais foram tão grandes. Passamos de 400 partes por milhão (ppm) de CO2 na atmosfera, em 2015, para 422,5 ppm em 2024 – ano que teve o maior aumento já registrado, um crescimento de 3,5 ppm, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM). 2023 registrou uma temperatura média global 1,48°C acima do nível pré-industrial e 2024, o ano mais quente já registrado, teve um temperatura média global foi 1,6°C acima do nível pré-industrial. Os dez últimos anos foram os mais quentes já registrados.
De fato, o que André Correa do Lago e o governo brasileiro propõem reproduz a reação de Bill Gates às declarações do Secretário Geral da ONU, António Guterres, que afirmou em uma entrevista ao site Sumaúma, que a meta do 1,5°C não será atingida. Para o fundador da Microsoft, a crise climática não causará a “extinção da humanidade” e o foco deve ser deslocado de combater o aumento da temperatura para “melhorar as vidas”. Gates tornou-se, no último período, o grande defensor da multiplicação das “pequenas usinas nucleares” para alimentar os datacenters necessários à difusão das novas inteligências artificiais! Não é surpresa que Trump imediatamente tenha declarado vitória, reafirmando que o aquecimento global é uma mentira.
O governo Trump retirou os EUA do Acordo de Paris e a União Europeia está recuando de seus planos climáticos, argumentando que tem que priorizar os gastos com sua indústria armamentista. O Relatório de Síntese das Contribuições Nacionalmente Determinadas de 2025, que será encaminhado para a COP 30, foi divulgado dia 28 de outubro. Projeta-se uma redução de 17% das emissões até 2035, apresentada como uma vitória, mas muito distante dos cerca de 60% necessários. É a ilusão do progresso incremental. Mesmo o cenário de 2°C, considerado o limite máximo de segurança pelo Acordo de Paris, exigiria reduções de pelo menos 27% no mesmo período, segundo o IPCC. O cenário que estas NDCs apontam é para temperaturas entre 2,5°C e 3°C na segunda metade desse século.
Como afirma Michael Lowy, “dar prioridade à ‘adaptação’ em vez da ‘prevenção’ é uma forma indireta de se resignar à inevitabilidade das mudanças climáticas”. Precisamos mudar o sistema, não o clima. Essa é a mensagem que, contra a COP 30, a Cúpula dos Povos de Belém deve transmitir ao mundo.