Por que Ibaneis insistiu tanto na compra do Banco Master?
Por que Ibaneis Rocha dedicou tanto esforço político, tanta urgência institucional e tantos recursos de governo para colocar o Banco Master dentro do BRB? Quem seriam os beneficiados diretos dessa operação bilionária? Quem arcaria com as perdas caso tudo desse errado?
A tentativa do governador Ibaneis Rocha de empurrar a compra do Banco Master para dentro do BRB nunca foi apenas um negócio bancário mal conduzido. Desde o início, ela exibiu todos os sinais de um movimento político calculado, opaco, apressado e alinhado a interesses privados que operam à sombra do poder público.
A pergunta que se impõe, portanto, não é técnica, mas política: por que Ibaneis trabalhou tanto para viabilizar uma operação bilionária que colocava o patrimônio público em risco?
Quando puxamos esse fio, o que surge não é um incidente isolado, mas um novelo cuidadosamente tecido entre gabinetes, fundos de investimento, escritórios de advocacia, o centrão e investigações da Polícia Federal. Um novelo onde todos os caminhos parecem convergir para um mesmo ponto: o Banco Master e seus negócios fraudulentos.
O início do novelo: o BRB capturado pelo centrão
O novelo começa no BRB. E começa, especificamente, no comando de Paulo Henrique Costa — presidente do banco desde o primeiro mandato de Ibaneis, hoje afastado pela Polícia Federal. Ele não chegou ali por acaso, nem por mérito técnico: sua indicação veio diretamente de Ciro Nogueira (PP), um dos articuladores mais influentes do centrão e padrinho político de Paulo Henrique desde os tempos de Caixa Econômica Federal.
Esse detalhe revela o que está em jogo. O principal banco público do Distrito Federal — que deveria operar com rigor, autonomia e critério técnico — ficou sob o controle de alguém cuja principal credencial era a utilidade política dentro de uma engrenagem nacional de poder. Não é irrelevante. Não é periférico. É estrutural.
E essa engrenagem não se limita ao BRB. Dela também fazem parte Antônio Rueda (União Brasil) e Daniel Vorcaro. Ambos próximos de Ciro, ambos orbitando o mesmo eixo político-financeiro — e ambos conectados ao Banco Master, que, “coincidentemente”, se tornou prioridade do BRB em uma operação bilionária que avançou a despeito de alertas e resistências técnicas.
Tratar essa confluência como acaso é ignorar o óbvio. O que se desenha não é um movimento espontâneo do mercado, mas um arranjo político-financeiro meticulosamente montado. E o BRB, nesse arranjo, não aparece como protagonista econômico — mas como peça de uma engrenagem de poder.
O veto do Banco Central e o “atalho” para salvar o negócio
Quando o Banco Central barrou a compra do Banco Master, aquele deveria ter sido o ponto final. Um governo minimamente prudente teria recuado, reavaliado e encerrado o assunto. Mas não foi isso que aconteceu.
O veto virou apenas um desvio no caminho — e o governo partiu em busca de um “atalho”.
Segundo a Folha, o BRB passou a mirar exclusivamente as carteiras de crédito consignado do Master. Não era uma escolha técnica; era uma manobra política. Isso porque essa operação, ao contrário da compra integral do banco (ou de grande parte dele), poderia ocorrer sem precisar de nova autorização do Banco Central.
Ou seja: se o BC fechou a porta da frente, o governo de Ibaneis tentou entrar pela lateral. Um pedaço do Master para salvar o negócio inteiro.
É justamente nesse ponto que o novelo engrossa. A Polícia Federal revelou hoje que o esquema criminoso ligado ao Master girava, justamente, em torno de consignados falsos — um rombo bilionário com possíveis impactos diretos no BRB.
Em outras palavras: o ativo que o governo se esforçava para comprar é o mesmo que hoje aparece como o núcleo da fraude investigada pela PF.
Coincidência? Quando a coincidência explica demais, ela deixa de ser coincidência e passa a ser padrão. E esse padrão precisa ser encarado de frente.
A engrenagem financeira: fundos que se movem como um bloco
Se a esfera política já levantava todas as suspeitas, o mercado tratou de completar o desenho (e completou com precisão cirúrgica). Entre o fim de 2024 e o primeiro semestre de 2025, seis fundos de investimento — Borneo, Verbier, Deneb, Delta, Asterope e Celeno — se comportaram em torno das ações do BRB como se fossem partes de uma mesma máquina, girando no mesmo ritmo e na mesma direção.
Os exemplos falam por si:
- Borneo e Verbier repetiram posições idênticas: os mesmos papéis, nos mesmos volumes, no mesmo período. Movimento espelhado assim não é oscilação; é sintonia fina.
- Deneb, ligado diretamente ao Master, colocou 100% do seu patrimônio no Verbier e, em seguida, transformou tudo em ações do BRB — e não em pequena escala, mas em volumes que ultrapassavam o limite regulatório.
- Já os fundos Delta, Asterope e Celeno, administrados pelo próprio grupo Master, seguiram uma lógica complementar: compraram ações de BRB, lucraram com a valorização depois anúncio da compra do Master pelo banco público e, depois, migraram os ganhos para títulos de dívida emitidos pelo próprio Master.
Esse padrão não cabe em nenhuma narrativa de “volatilidade do mercado”. Não é acaso. Não é coincidência. E muito menos é o suposto “funcionamento natural” das forças de mercado.
O nome disso é coordenação deliberada — fundos operando como engrenagens de um mesmo mecanismo, produzindo lucro e deslocando recursos para dentro do grupo privado que, ao mesmo tempo, o governo do DF tentava comprar com dinheiro público.
Aqui, o novelo deixa de ser apenas político. Ele se revela político-financeiro — e incrivelmente bem trançado.
A pressão institucional: Ibaneis empurra a lei sob medida
Depois de entender a engrenagem financeira e o comportamento dos fundos, é preciso voltar o olhar para dentro do próprio Distrito Federal, onde o governo tomou a decisão política que abriu caminho para todo o resto. Muito antes do lobby nacional, muito antes de Temer entrar em cena e muito antes de qualquer articulação de gabinete em Brasília, Ibaneis Rocha moveu a primeira peça dentro de casa: pressionou a Câmara Legislativa a aprovar, em regime de urgência, a lei que autorizava o BRB a comprar o Banco Master. Não se tratou de um debate técnico, nem de uma análise responsável sobre impacto fiscal ou risco institucional. Foi uma aprovação a toque de caixa — sem discussão pública, sem transparência, sem justificativa sólida e sem qualquer respeito ao tamanho da operação que estava sendo autorizada.
A base do governo atuou como carimbo automático. A lei passou sem respirar. E Ibaneis a sancionou quase imediatamente, como se uma transação bilionária envolvendo um banco privado com ativos questionáveis pudesse ser tratada como mera rotina administrativa. Esse movimento inicial é fundamental para entender o que vem depois: o GDF não estava “avaliando uma oportunidade de mercado”. Ele estava construindo, com pressa e silêncio, a base legal para empurrar o Master para dentro do BRB. Era o governo, e não o mercado, quem girava a engrenagem que permitiu que todo o resto se desenrolasse.
E é exatamente nesse momento — quando a máquina do governo acelera sem freios — que surge o único ponto de atrito dentro da própria CLDF. Enquanto a articulação governista corria solta, a bancada de oposição liderada por Fábio Félix (PSOL-DF) caminhava na direção oposta. Ele foi o primeiro parlamentar a tratar a operação com a seriedade que ela exigia. Acionou o Ministério Público de Contas ainda em março desse ano, pediu a suspensão da compra, pediu esclarecimentos ao Banco Central, cobrou transparência do governo e alertou que a operação poderia significar, na prática, usar dinheiro público para salvar um banco privado com ativos podres. Quando a lei chegou ao plenário, votou contra e deixou registrado — com todas as letras — que, se algo desse errado, “quem pagaria seria o contribuinte”.
Essa resistência não foi apenas um gesto político isolado; ela desmonta a versão do governo de que “ninguém sabia”, de que “faltavam informações”, ou de que tudo estava sendo conduzido de forma regular. A verdade é outra. Os alertas existiram — claros, oficiais, argumentados. Eles estavam diante do governo, mas foram ignorados. Fábio acendeu a luz; o governo escolheu trabalhar no escuro.
E essa contradição revela a natureza do novelo: enquanto a máquina política pressionava para aprovar a lei que viabilizava a operação, a oposição parlamentar que tentou colocar limites foi isolada e atropelada pela pressa do Executivo. A engrenagem só girou porque quem podia freá-la foi sistematicamente empurrado para fora do caminho. E isso mostra, de forma cristalina, que o problema nunca foi falta de informação — foi falta de responsabilidade política.
A operação nacional: quando a política local encontra o lobby de Brasília
Uma vez criada a base legal dentro do DF, e criada às pressas, sem transparência e sem debate, o movimento seguinte era quase inevitável: levar a operação para o plano nacional, onde decisões cruciais poderiam ser influenciadas longe dos olhos da sociedade. Segundo O Globo, Ibaneis Rocha se reuniu em Brasília com Michel Temer, Paulo Henrique Costa e Daniel Vorcaro logo após o Banco Central vetar a operação. A presença de Temer não foi acidental; foi estratégica. Contratado pelo próprio Vorcaro, o ex-presidente passou a acionar contatos no mercado e até o presidente do Banco Central na tentativa de ressuscitar a operação que o BC havia barrado.
Esse passo revela como funcionam certos projetos de poder: primeiro, cria-se o ambiente jurídico-político local que autoriza a operação; depois, ativa-se o lobby nacional para tentar dobrar ou contornar resistências técnicas; por fim, aciona-se a engenharia financeira que sustenta toda a narrativa. O Master estava exatamente no centro desse tripé — dependia do aval local, do convencimento nacional e de uma estratégia de mercado cuidadosamente montada.
Nada disso se parece com uma política pública legítima. É a coreografia típica de um alinhamento entre governo, interesses privados e operadores de bastidores. E quando um governo precisa acionar simultaneamente a base legislativa, um ex-presidente influente (golpista, diga-se de passagem) e articulações com o Banco Central para tentar impor uma transação rejeitada pelos técnicos, o que está em jogo deixa de ser “oportunidade de mercado” e passa a ser um projeto de poder que opera à margem da boa governança.
Amarrando o novelo: tudo converge para o mesmo ponto
Quando colocamos cada peça no lugar, o desenho deixa de ser fragmento e vira estrutura. O comando político do BRB nas mãos de um indicado do centrão não é um detalhe isolado; ele se articula diretamente com a relação de Ciro Nogueira e Antônio Rueda com Daniel Vorcaro, dono do Master. Essa mesma rede converge para a tentativa bilionária de empurrar o Master para dentro do BRB — tentativa que, barrada pelo Banco Central, foi imediatamente redirecionada para o “atalho” do consignado, justamente o produto que a Polícia Federal identificaria depois como núcleo de uma fraude de grandes proporções.
Ao mesmo tempo, no mercado, fundos ligados direta ou indiretamente ao Master se movimentavam em bloco, comprando e vendendo ações do BRB como se executassem um script comum, produzindo ganhos coordenados e redirecionando lucros para títulos emitidos pelo próprio grupo investigado. Isso não acontece por acaso; acontece quando há alinhamento de interesses e sincronização de movimentos.
E no plano político nacional, Michel Temer entrava em cena contratado por Vorcaro, acionando contatos de alto nível na tentativa de reverter o veto do Banco Central — ao mesmo tempo em que Ibaneis e Celina pressionavam a Câmara Legislativa a aprovar a lei que viabilizaria tudo, mesmo diante de alertas formais de risco. A única resistência real, liderada por Fábio Félix, foi ignorada com a mesma velocidade com que o governo aprovava a operação.
Nada disso se enreda sozinho. Esse novelo foi tecido, fio por fio, por atores que tinham poder político, influência financeira e interesse direto no resultado. É a convergência desses elementos — institucional, político, financeiro e policial — que mostra que não estamos diante de coincidências dispersas, mas de um padrão consistente. E padrões, quando aparecem repetidas vezes no mesmo eixo de poder, não pedem apenas interpretação; pedem investigação.
O que está em jogo — e por que não podemos normalizar
O caso Master–BRB ultrapassa em muito a fronteira de um “problema bancário”. Ele é, na verdade, um espelho incômodo do modo como o governo Ibaneis tem operado o Estado: com pouca transparência, com alianças firmadas não com o interesse público, mas com grupos privados de alto risco, e com uma facilidade inquietante para instrumentalizar instituições públicas como se fossem extensões de seus arranjos políticos. O que se vê não é um erro pontual, mas um padrão — uma forma de governar que aceita expor o patrimônio do Distrito Federal sempre que isso favorece atores específicos que orbitam o poder.
Normalizar isso seria um erro grave. Seria aceitar a ideia de que o Estado pode ser usado como moeda de troca, que o BRB pode ser manipulado como peça de um tabuleiro político, e que interesses privados podem se sobrepor sem resistência ao interesse público. O caso Master não denuncia apenas uma operação mal explicada; denuncia um projeto de poder que trata o DF não como patrimônio da sociedade, mas como terreno fértil para alianças opacas e operações arriscadas. E é exatamente por isso que esse episódio não pode ser tratado como mais um capítulo da “vida política” — ele precisa ser visto como um alerta sobre o tipo de governo que se forma quando o público é colocado a serviço do privado.
A pergunta final — que agora é impossível ignorar
Depois de atravessar todas as camadas desse novelo (da indicação política no BRB ao lobby nacional, das movimentações coordenadas dos fundos às fraudes reveladas pela PF) a pergunta central não apenas permanece: ela se torna inescapável. Por que Ibaneis Rocha dedicou tanto esforço político, tanta urgência institucional e tantos recursos de governo para colocar o Banco Master dentro do BRB? Quem seriam os beneficiados diretos dessa operação bilionária? Quem arcaria com as perdas caso tudo desse errado? E por que insistir tanto mesmo diante de alertas internos, negativas do Banco Central e sinais evidentes de irregularidades?
Essas perguntas não são meras provocações; são o eixo do debate público que o DF precisa enfrentar. Sem respostas claras, o risco é que a engrenagem político-financeira que aproximou Master e BRB continue funcionando por baixo dos panos, preservada pela falta de transparência e pelo silêncio institucional, enquanto o custo, como sempre, recai sobre a sociedade.
É justamente por isso que o próximo passo não é apenas desejável, mas indispensável: a instalação de uma CPI do Banco Master–BRB, proposta por Fábio Félix e apoiada pela oposição. Não se trata de revanche política; trata-se de garantir que esse novelo seja finalmente desenrolado à luz do dia. Uma CPI é o único instrumento capaz de obrigar o governo a abrir as informações, expor as articulações, esclarecer o papel de cada ator e, sobretudo, proteger o patrimônio público de uma operação que sempre caminhou na fronteira do inaceitável.
Se queremos respostas, e se queremos impedir que engrenagens como essa continuem girando nas sombras, a CPI não é apenas uma opção. É o caminho.