A nova cruzada da extrema direita para blindar Jair Bolsonaro
Pressão do PL e de aliados bolsonaristas revela obsessão em isentar o ex-presidente, preso no sábado
Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil
A prisão preventiva de Jair Bolsonaro, decretada no sábado (22) com base em risco de fuga, violação da tornozeleira eletrônica e articulações clandestinas para mobilizar apoiadores, reativou no campo bolsonarista uma velha estratégia: transformar o Congresso em trincheira permanente na tentativa de isentá-lo de responsabilidade pela tentativa de golpe de Estado. A ofensiva inclui pressão reiterada pela aprovação da Lei da Anistia, mobilizações internas no PL, ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e a defesa de projetos alternativos que, ainda que não apaguem crimes, reduziriam penas – como o chamado Projeto da Dosimetria.
Apesar da mobilização, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos–PB), mantém a proposta de anistia “na gaveta”. De acordo com a colunista Mônica Bergamo, Motta tem respaldo da maioria dos partidos para não pautar o texto, mesmo após o PL anunciar nova ofensiva. Nas palavras de parlamentares ouvidos por ele, mexer na anistia agora serviria apenas para insuflar o discurso radicalizado dos apoiadores de Bolsonaro e criar atrito desnecessário com o STF, que já sinalizou rejeição total à proposta.
Ainda assim, a extrema direita insiste. Na visão do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), “nosso foco é a anistia. Esse vai virar um assunto para 2026”. Ele afirma publicamente que a oposição não pretende obstruir votações e que deseja avançar com o Projeto da Dosimetria, mas deixa claro que “nosso compromisso não é com a dosimetria, é com a anistia”. A fala evidencia que a manobra é, sobretudo, política: manter mobilizada a base radicalizada e criar a narrativa de perseguição judicial contra o pai.
A prisão do ex-presidente, longe de provocar recuo, parece ter alimentado ainda mais teorias conspiratórias e ataques ao STF por parte dos aliados. Flávio Bolsonaro, por exemplo, atacou diretamente o ministro Alexandre de Moraes, afirmando que o magistrado teria “ignorado a ciência” ao não aceitar laudos médicos apresentados pela defesa, e disse que a vigília convocada na noite anterior não passava de um “ato religioso”. A versão contrasta frontalmente com investigações da Polícia Federal, que apontam uso sistemático de mobilizações religiosas como cortina para atos de instigação golpista.
No Congresso, o senador Rogério Marinho (PL-RN), também linha de frente da extrema direita, afirmou que há “amadurecimento” para votar a dosimetria. Trata-se, na prática, de um plano B: como a anistia seria barrada no Senado e, “em última instância, no Supremo Tribunal Federal”, como informou Bergamo, líderes bolsonaristas buscam outro caminho para reduzir a pena de Bolsonaro e dos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro. O deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), relator do projeto, é visto como peça-chave – ele mantém diálogo com ministros do STF, inclusive Alexandre de Moraes.
#Semanistia
Do outro lado do espectro político, parlamentares progressistas denunciam as manobras como mais uma etapa da guerra da extrema direita contra a democracia. A deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS) afirmou que Flávio Bolsonaro tentou “reeditar os acampamentos golpistas para, ao que tudo indica, encobrir a tentativa de fuga do líder da organização criminosa, seu pai”. Ela informou que acionou a Procuradoria-Geral da República (PGR) com notícia-crime, e reforçou: “Lugar de golpista é na cadeia”.
A retórica também ecoa entre juristas e entidades de defesa da democracia. De acordo com relatório do Observatório da Violência Política e Eleitoral (UFJF), as estratégias da extrema direita após o 8 de janeiro seguem um padrão internacional de negacionismo, obstrução institucional e pressão sobre órgãos de controle – semelhante ao comportamento de grupos que atacaram o Capitólio em 2021 nos EUA, onde também houve tentativas de “reinvenção do golpe” através da narrativa de perseguição política.
Mesmo com a insistência do PL, a realidade no Congresso aponta para isolamento crescente dos bolsonaristas. O PT não aceita negociar o projeto de dosimetria, para evitar que ele se transforme numa porta lateral para beneficiar Bolsonaro. Partidos de centro, por sua vez, avaliam que qualquer anistia é politicamente tóxica e juridicamente inviável. E no STF, ministros têm reiterado – pública e privadamente – que não há espaço para perdoar crimes contra a democracia.
Enquanto isso, a extrema direita aposta na escalada retórica e na mobilização de sua base – um esforço visível inclusive na presença de Michelle Bolsonaro em reuniões da bancada, onde relatou o “sofrimento” da família. O objetivo é claro: transformar Bolsonaro em mártir, reescrever o golpe como perseguição e pressionar o Congresso a agir contra a Constituição.
Ao que tudo indica, porém, a estratégia encontra resistência institucional robusta. Entre parlamentares do campo democrático, órgãos de fiscalização e a Justiça, prevalece o entendimento de que não cabe ao Legislativo absolver quem atentou contra o processo eleitoral e tentou subverter a ordem constitucional.
Bolsonaro, alvo de investigações que já o qualificam como líder de uma organização criminosa com fins golpistas, enfrenta seu pior momento político desde 2018. E por mais que a extrema direita tente, o cerco jurídico e político apertou – desta vez, sem sinais de que uma anistia vá salvá-lo.