Por que Trump se reuniu com Zohran?
O encontro entre o recém eleito prefeito de Nova York, Zohran Mamdani, e Donald Trump surpreendeu o mundo político
Estados Unidos Hoje da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco
A cena de Donald Trump e Zohran Mamdani no Salão Oval da Casa Branca concedendo uma entrevista à imprensa surpreendeu o mundo político. Quais fatores podem explicá-la? Por que dois políticos fortemente antagônicos apareceram lado a lado, pouco tempo depois de se atacarem? Lembre-se de que, durante a campanha, Trump chegou a insinuar que Mamdani deveria ser deportado. Já o ponto alto do discurso de vitória do prefeito eleito foi o momento em que ele enfrentou o presidente.
A primeira explicação é a mais simples: o prefeito e o presidente precisam mesmo se encontrar. Seria impossível evitar a situação. Acontece que esse truísmo não explica a marca do encontro, que foi a radical virada de humor de Trump, que apareceu em frente às câmeras à vontade e elogiando Mamdani. Mamdani, por sua vez, embora mantendo-se mais sóbrio e objetivo nas respostas, aceitou compor a cena.
É então que entram outras duas explicações. A primeira, mais circunstancial. A segunda, mais profunda e talvez incomum ao se tratar de Trump.
O fator circunstancial foi o oportunismo do presidente. Conforme já escrevemos antes, um conjunto de fatores recentes — entre eles as manifestações No Kings, o shutdown, a economia errática e o resultado das eleições de 4 de novembro — tem colocado Trump na defensiva. Pesquisas de popularidade mostram ele em seu pior momento. Em contrapartida, Mamdani está no auge do prestígio. Logo, sempre acostumado aos espetáculos televisivos, o presidente quis se aproveitar da popularidade do oponente, aproximando-se dele. Por esse viés, foi sobretudo Trump, e não Mamdani, quem recuou — gerando inclusive rachaduras dentro do movimento MAGA.
Já o fator estrutural é de outra ordem. Ao realizar o encontro em tom amigável e diplomático, Trump agiu como um político burguês tradicional buscando controlar um fenômeno político emergente: Mamdani. Não é novidade na democracia burguesa. Primeiro, nas eleições, a classe dominante joga todas as cartas para tentar evitar que uma expressão legítima da classe trabalhadora chegue ao poder. Ao não conseguir, abre-se o momento de reduzir danos e controlar a situação. Para operar isso, é preciso aceitar e impor as regras do regime político vigente. E Trump, que muitas vezes delas se afasta, dessa vez aceitou cumprir a função. Em busca de preservar interesses na cidade mais importante do país, ele agiu como um político republicano tradicional aberto a dialogar com seu par democrata. Mamdani, vestindo gravata azul, validou o encontro.
Alguns dizem que a cena improvável confirma que Trump não tem um projeto político claro. Entretanto, o encontro não desfez a essência do seu governo, orientado a perseguir imigrantes, favorecer bilionários, reorganizar a ordem mundial e fortalecer o neofascismo. Convém não ter ilusões nesse sentido, portanto.
Já do ponto de vista de quem acompanha a experiência de Mamdani, como reagir? Primeiramente, é cedo para atirar pedras. Embora seja legítimo discutir se o formato do evento foi bom ou ruim, é óbvio que a reunião com Trump iria acontecer mais cedo ou mais tarde. Além disso, na média, as respostas de Mamdani à imprensa foram fiéis ao seu programa e propósito. Mais importante do que se deter nas imagens improváveis do encontro é observar a formação do governo e as medidas concretas adotadas para aplicar seu programa.
Mas também é preciso manter os olhos abertos e ter duas definições básicas em mente. A primeira delas é que nenhuma palavra de Trump jamais será confiável. A segunda consiste no fato de que o programa eleitoral de Mamdani só pode ser aplicado por meio de um enfrentamento contra os interesses de classe que Trump representa. Não importa que o presidente tenha sinalizado colaboração. O cenário mais provável, para não dizer óbvio, continua sendo o de que seu governo atue para dificultar a prefeitura de Mamdani. Isso também vale para os pesos-pesados do regime político (incluindo políticos democratas) e do mercado financeiro. Congelar os aluguéis, instituir tarifa zero e universalizar o acesso gratuito às creches não são ações quaisquer.
Por fim, é necessário politizar a pauta econômica, como já ocorreu durante a campanha. Se Mamdani demonstrou que nenhuma política socialista pode ganhar força sem uma agenda econômica clara, agora é o momento de evidenciar que essa mesma agenda não pode ser realizada sem uma estratégia socialista mais ampla. Além disso, essa agenda não delimita o horizonte das lutas possíveis, já que a classe trabalhadora sempre pode reivindicar mais e é portadora de um projeto político que extrapola ganhos materiais pontuais. No curso desse projeto, enfrentar e denunciar o projeto trumpista é um princípio incontornável.
Em outras palavras, trata-se de governar mobilizando a sociedade, mantendo-se fiel a um horizonte de mudanças profundas e conectando cada medida concreta do governo aos interesses mais amplos da classe trabalhadora. Em outras palavras, governar para além dos limites que o próprio Partido Democrata vai querer colocar sobre o prefeito. Os movimentos e entidades de classe devem estar preparados para apoiar e cobrar Mandani nesse sentido.