Your Party fundado na Grã Bretanha!

Your Party fundado na Grã Bretanha!

Passo importante na reorganização da esquerda britânica, com repercussão internacional

Márcio Musse 5 dez 2025, 12:52

No final de semana dos dias 29 e 30 de novembro, ocorreu na cidade de Liverpool o Congresso de Fundação do Your Party (“Seu Partido”). O Partido, formado a partir da necessidade de uma ferramenta de organização partidária à esquerda do Labour (Partido Trabalhista) – que está no governo e aplica um programa de austeridade, cortes, ataques a liberdades democráticas e movimentos sociais e apoio ao genocídio do povo palestino  promovido por Israel. O Your Party nasce com 55 mil filiados, sendo o maior partido declaradamente socialista criado na Grã Bretanha desde os anos 1940, quando o PC deu um salto após a entrada da URSS na Segunda Guerra Mundial. O Congresso contou com 2.500 delegados, e foi marcado por polêmicas e disputas políticas – que na verdade vem desde seu processo de gestação. 

Julho de 2025 – os primeiros passos

Jeremy Corbyn é o último líder do Labour antes do atual (e Primeiro Ministro) Keir Starmer e, até então, principal figura que simbolizava uma oposição de esquerda ao giro à direita do Partido e sua expressão no governo. No início da legislatura, Corbyn e mais 5 parlamentares que se elegeram independentes (contra o Labour), com uma plataforma centrada na denúncia do genocídio em Gaza, formaram o Independent Alliance para atuação no Parlamento. No início de julho, em uma reunião deste Grupo com outros parlamentares que ainda estavam no Labour (entre eles Zarah Sultana, que estava sancionada pelo Partido pelos sucessivos votos contra o Governo no Parlamento), levantou-se a idéia de criação de um novo partido de esquerda, mas sem encaminhamentos concretos ou planejamento de datas. Essa era uma idéia muito inicial, que o Grupo queria encaminhar com uma perspectiva de longo prazo (visando as Eleições Gerais que, salvo antecipação, pode acontecer até 2029).

Sultana tinha outros planos: um partido para ser organizado o quanto antes, com um perfil de intervenção nas lutas sociais (e não meramente eleitoral) e mais anticapitalista / radical. Logo após a reunião, Zarah anuncia  sua ruptura com o Labour e, em seguida, a criação do novo Partido. Desde esse momento, Corbyn e seu Grupo demonstraram desconforto com a publicação e aceleração da iniciativa. Mas a receptividade da idéia no grande público era bastante positiva. No final daquele mês, Corbyn e Sultana lançaram um site de pré-fundação, com o nome provisório de Your Party (Seu Partido). Nas primeiras horas, o projeto de partido chegou a 100 mil adesões – e alguns dias depois passou de 800 mil.

Setembro de 2025 – lançamentos paralelos e quase a ruptura

Mesmo apesar da resposta positiva e do claro espaço político, tudo andava muito devagar. Fundamentalmente pela contradição entre o potencial de mobilização do projeto e a preocupação  por parte do grupo dirigente em manter o controle. No dia 13 de setembro, uma marcha de extrema direita liderada pelo racista Tommy Robinson levou 150 mil pessoas às ruas de Londres. Estava claro que a vacilação e a falta de dinâmica na criação do Partido estavam deixando o espaço de desilusão e oposição ao governo aberto para a extrema-direita.

Zarah Sultana reclamava que o grupo de Corbyn controlava todo o aparato – desde a lista de nomes, as finanças etc – e não permitia que nada avançasse. Menos de uma semana após o ato de Tommy Robinson, Sultana lança um site paralelo do Your Party, pedindo recadastramento, filiação formal e pagamento de cotas mensais, chegando a mais de 20 mil filiações. Corbyn responde com um email oficial do Your Party chamando a ignorar o email de Zarah, chamado de “fraude”. O projeto do novo Partido parecia ter ido por água abaixo.

Centenas de milhares de trabalhadores, jovens, imigrantes, ativistas e outros setores sociais em luta depositaram esperança nesse Projeto – que se fazia ainda mais urgente com o crescimento da extrema-direita no país. Não apenas a marcha de Robinson – mas o fato do partido de Nigel Farage (Reform UK) liderar todas as pesquisas de opinião e estar em franco crescimento. Houve muita pressão e críticas públicas a todos os envolvidos, Corbyn e Sultana se entenderam, unificaram os sites e os dados e marcaram o Congresso de Fundação para o final de novembro. Mas desde o início estão claros dois Blocos: de um lado o de Corbyn (e Independent Alliance), com uma política menos à esquerda em temas econômicos e sociais (a questão trans, por exemplo), e com um modelo de funcionamento menos plural, orgânico e democrático. E de outro o de Sultana (com a maioria das correntes de esquerda socialista) – defendendo nacionalizações e um programa econômico mais claramente anticapitalista, e um modelo partidário mais dinâmico, vivo e democrático.

Congresso de Liverpool: Polarizado e burocratizado. Com vitória da esquerda e lançamento do Partido

Para o Congresso de Liverpool, que definiria o estatuto, manifesto político e até o nome definitivo do Partido – foram definidos (teoricamente por “sorteio”) 2.500 delegados. Mas nas votações do Congresso, todos os membros (mesmo os que não estavam presentes) podiam votar, embora a grande maioria não estivesse registrada ou sequer soubesse disso.

Já na véspera do Congresso, delegados e integrantes do SWP (organização trotskista britânica) foram notificados de sua expulsão, com base em uma cláusula que não permite que um integrante do Your Party integrasse também outras tendências ou organizações. O detalhe é que tal norma só seria votada no domingo, e veio a ser derrotada por aproximadamente 70/30%. Além disso, na sistematização das propostas, sempre ficava a brecha para – em caso de vitória da proposta do bloco de esquerda – a direção ter a palavra final de alguma forma na hora de implementar. Até na votação do nome do Partido, a proposta colocada em várias plenárias pelo país de Left Party (Partido de Esquerda) não foi incluída entre as opções – por razões nada convincentes. 

O primeiro dia do Congresso foi muito tenso – e esteve colocada a possibilidade de ruptura. Zarah Sultana deixou o Congresso como sinal de boicote ainda no início do primeiro dia. Mas felizmente, no segundo dia o Congresso se recompôs e Zarah retornou. Fez um discurso poderosíssimo, chamando a unidade e reivindicando o papel de Corbyn, mas demarcando claramente suas diferenças na política e no modelo de funcionamento. Corbyn fechou o Congresso anunciando que nome oficial segue Your Party, e fez um discurso defendendo a unidade e com forte teor internacionalista, falando de Trump e de suas ameaças à Venezuela e Colômbia, a crise no Sudão e, obviamente, Palestina. Vale ressaltar a forte presença do tema internacional, com representantes do Die Linke alemão e France Insoumise – além de menção a temas internacionais em muitas das intervenções.

A esquerda venceu as principais votações do Congresso. Além da questão da “dupla filiação”, também foram votados, dentre outros temas, o modelo de liderança – onde a proposta de liderança colegiada ganhou do modelo tradicional (defendido com peso pela direção), por cerca de 52/48%. As definições de que o partido é “claramente socialista” e que “as alianças do partido são centradas na classe trabalhadora” (contra uma que propunha “frentes amplas”) foram aprovadas com cerca de 80% dos votos. 

Greens (Verdes) ocupam parte do espaço na reorganização

Também em setembro, o Green Party (Partido Verde) elegeu seu novo líder, Zack Polanski com um perfil bem à esquerda – o que mudou totalmente a cara desse partido e o tornou uma peça importante nesse quadro de reorganização da esquerda britânica. Polanski é um ativista ambiental (chegou a ser preso em 2019 durante ações do grupo de ação direta X Rebellion), tendo sido eleito “vereador” da região metropolitana de Londres e sempre com um perfil bem mais à esquerda que o conjunto de seu partido. Carismático, Polanski defende uma agenda de “taxação dos ricos” e fim das políticas de austeridade, e também na defesa de imigrantes e refugiados, combate à xenofobia e racismo, defende liberdades individuais e denúncia do genocídio em Gaza – sempre deixando clara sua condição de LGBTQIA+, judeu e ambientalista na defesa de suas posições. Controverso, sua trajetória tem elementos pitorescos, como a revelação de que vendia para mulheres serviços de “crescimento de seios por hipnose e poder da mente” – pelo que ele já pediu desculpas publicamente. 

Mas o fato é que os Greens, sob a liderança e perfil de Polanski, ocuparam parte do espaço que inicialmente havia sido ocupado pelo Your Party – especialmente na juventude e setores radicalizados anticapitalistas. Os Greens já tinham abrigado parte da geração que deixou o Labour após o giro à direita e a derrocada do Corbynismo, mas deram um salto qualitativo desde setembro – saltando de pouco mais de 50 mil membros na ocasião para 200 mil atualmente, já sendo maior que o Partido Conservador. Além disso, em todas as pesquisas, estão prestes a ultrapassar o Labour na segunda colocação de preferência nacional, atrás do Reform UK. Quando eu me despedia de meu filho de 13 anos para ir a Liverpool participar do Congresso, fui questionado por ele “por que não me filiava aos Greens, pois Zack Polanski é um cara bem legal” – o que mostra a penetração que eles atingiram nos mais amplos segmentos de juventude.

O fato é que, apesar de Polanski e dos setores honestos e lutadores que hoje estão nos Greens – esse não é um partido de esquerda socialista. Vários de seus parlamentares não são comprometidos com as pautas dos trabalhadores – principalmente seus representantes na Câmara dos Lordes. Governam uma cidade importante, Bristol, onde aplicam cortes e medidas de austeridade (colocando a culpa nas imposições do governo central – o que de fato existe, mas eles não se levantam contra estas).

Enfim, os Greens são também uma expressão do processo de reorganização na esquerda britânica. Como diz o velho ditado, “na política não existe espaço vazio” – os Greens aproveitaram a falta de dinâmica e confusões do YP e se localizaram. É preciso agora trabalhar com eles, sem sectarismo, dialogando com sua base que, para uma luta consequente é necessário um partido com mais vínculos com a classe trabalhadora e aos movimentos de luta social – para que possamos ocupá-lo novamente. 

Próximos passos: Levar o Your Party às ruas, lutas e eleições

A grande vitória daquele final de semana foi o lançamento do Partido. Agora há um grande partido de esquerda, da classe trabalhadora e socialista na Grã Bretanha. A tarefa agora é construir cada vez mais esse partido nas ruas, na juventude, nas lutas dos setores oprimidos e ambientais.

Dois dias após o Congresso foi lançada uma grande campanha contra a extrema-direita, chamada Together Alliance (Aliança Juntos). Essa iniciativa reúne dezenas de sindicatos, movimentos, personalidades – incluindo bandas e artistas famosos. Esta campanha está construindo um mega ato nacional contra a extrema-direita em março (2026), e a idéia é que seja qualitativamente maior que o ato racista de Tommy Robinson e da extrema-direita. O Your Party deve se jogar na construção desse ato, e intervir nele com uma grande coluna.

Além disso, estão previstas eleições locais em diversas municipalidades ao longo do país. Conforme definido, o YP lançará candidatos ou apoiará outros independentes ou de esquerda (a ser definido em cada local), se construindo como alternativa para combater o avanço da extrema-direita. Enquanto esse artigo era fechado, foi anunciada a maior “doação” individual a um partido da história britânica – um bilionário do “mercado de crypto” doou ao Reform UK a bagatela de 9 milhões de Libras – uma mostra que setores pesados da burguesia financeira são os grandes patrocinadores da extrema-direita internacional.

Esse partido tem contradições. Nesse sentido, guarda semelhanças com o PSOL brasileiro (e outras formações de esquerda dessa natureza) – têm setores com estratégia reformista, de conciliação de classe, que desejam a construção de um partido mais eleitoral e sem um claro perfil independente e anticapitalista. E tem problemas sérios na sua condução – remete à forma de funcionamento do Momentum durante a época de auge do Corbynismo, até porque parte da equipe é a mesma. Mas por outro lado, como ficou claro durante o Congresso, tem uma base combativa e que tem um projeto de construir um partido de atuação e lutas. Há espaço para disputar a condução do partido, e isso será feito na intervenção cotidiana nas lutas sociais. Essa é a forma de combater o crescimento da extrema-direita na Inglaterra, no Brasil ou em qualquer lugar: uma alternativa independente, anticapitalista, dos trabalhadores e do povo oprimido sem medo de mostrar sua cara. Intervindo nas lutas com seu perfil e programa – sem apostar na conciliação de classes e independente de governos que, mesmo sob uma bandeira de “esquerda”, apliquem cortes e políticas de austeridade que serão os combustíveis do neo fascimo e suas variantes. Que o Your Party esteja a altura dessas tarefas – não podemos e não iremos falhar!


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