A esquerda e o trotskismo em debate

Há um tempo a esquerda em geral, e o trotskismo em particular, são motivo de análise, artigos e diversas opiniões no campo do jornalismo político e da pesquisa.

Sergio García 16 fev 2018, 14:58

Os fatos de dezembro contra o ajuste macrista e a cumplicidade do Partido Justicialista (PJ), com a visibilidade notória na rua das forças trotskistas – entre elas nosso partido, o MST – motivaram uma nova modificação na preocupação do regime político imperante, entre seus executores, cúmplices e escribas. Nosso país tem uma rica história trotskista, da qual somos uma corrente fundadora1 e desde o Argentinazo de 2001 até hoje, o trotskismo em diversas vertentes seguiu avançando até colocar esta corrente na primeira linha das expressões da esquerda argentina. Neste contexto, distintos meios vêm escrevendo sobre a ação e o peso do trotskismo. E vale como exemplo do interesse e a preocupação que suscita o tema, a coluna de opinião publicada dias atrás no Clarín, de autoria de Marcos Novaro, sob o chamativo título “La izquierda, en problemas”. Artigo que reflete mais os problemas do governo – e seus meios para compreender a dinâmica do processo ascendente que podemos adquirir desde a esquerda – que os problemas reais existentes na esquerda, não abordados pelo autor e que devem ser enfrentado criticamente pela enorme militância que compomos as organizações da esquerda em geral e do trotskismo em particular.

Esquerda, trotskismo e PJ

Por um lado Novaro, corretamente, marca o antagonismo entre o PJ em crise e a velha direção sindical com o trotskismo, de quem o autor diz: “Quem, se não eles, podem conduzir o gremialismo alternativo, “democrático” e honesto, que hoje faz falta? Se sempre denunciaram as práticas opacas e a inconsequência da burocracia sindical, quem mais poderia se beneficiar de sua queda em desgraça?”. A vida real dentro de sindicatos e nas lutas em curso tanto operárias, como na juventude e no movimento de mulheres marca essa possibilidade; são milhares as e os trabalhadores e jovens que encontram no trotskismo uma via de organização política e de luta consequente. Até aqui, a hipótese e a análise têm um ângulo verdadeiro.

Mais ao mesmo tempo o autor se mete por um caminho equivocado, ao pretender aconselhar o trotskismo quando diz: “Uma pena, se depois de haver resistido ao menos em parte a cooptação K, que a esquerda argentina tenha sido deixada levar ainda mais extensamente a esta onda de antimacrismo virulento”. Trazendo à luz uma mescla de antikirchneirismo intempestivo, com certos desejos que não sejamos tão duros frente a Macri e seu governo.

Na realidade, a posição correta da esquerda e do trotskismo é convocar a mais ampla unidade na rua contra todas as políticas macristas. Não se trata de “ficar com os K” como crê Novaro, mas de convocar sem sectarismo a toda classe operária e ao povo em geral para construir um verdadeiro e unitário plano de luta que freie e derrote o ajuste macrista. E dentro desse chamado político, logicamente nos dirigimos também à base social que soube apoiar o projeto kirchnerista que nós não compartilhamos, mas que leva em seu seio honestas e honestos companheiros, militantes e eleitores que hoje veem com certa decepção o presente e o futuro dentro do PJ. Somos unitários na luta com essas bases e críticos de suas direçõs que não pensam romper com o pejotismo, preparando assim novas frustrações. E somos “virulentos antimacristas” porque é o que nos cabe frente um projeto de entrega, ajuste e repressão selvagem. Toda outra posição seria de cumplicidade, e para essa posição já há demasiados atores políticos e sindicais em nosso país.

Os reais problemas da esquerda

Está claro que na esquerda, e no trotskismo como principal corrente político-ideológico de nosso país, há problemas a resolver e desafios a superar. Aqueles que desde seu próprio seio não veem esta necessidade nem a assumem criticamente, crendo que tudo vai bem, estão fora da realidade. Mas esses problemas não são os que reflete o analista de Clarín nem outros de similar enfoque, e sim os problemas e atrasos para converter a esquerda em opção de poder político e social em nosso país. Novaro diz que os trotskistas somos “uma simpática curiosidade enquanto somos marginais”. E agrega em tom de pergunta: “Mas se tornassem mais relevantes, não passariam a ser mais prejudiciais à democracia?”.

Na pergunta que preocupa o autor, está o centro dos problemas que a esquerda tem que resolver. Porque tanto temor de um salto qualitativo na influência e no crescimento político do trotskismo, confirmam precisamente que é possível conseguir isso. Não há mandatos divinos que o impeçam. Trata-se então de ver como tentar fazer isso e com quem.

E aqui radica o essencial que pretendemos defender; na medida que não haja um salto na unidade na luta política e nas lutas sociais de grande parte da esquerda, é praticamente impossível dar um salto de qualidade. A negativa das forças da FIT de avançar a uma unidade maior com Izquierda al Frente (MST-Nuevo MAS) e com outras forças de esquerda, atua como um obstáculo ao próprio crescimento da esquerda. E mantém o FIT como cooperativa eleitoral, sem se propor a um papel verdadeiramente progressista que ajude a contornar todo esse regime e esse sistema antidemocrático e decadente.

Este problema central, nós do MST queremos ajudar a resolver. Para isso construímos nosso partido e Izquierda al Frente, e estamos abertos a ampliar essa unidade que viemos construindo. Para isso seguimos também, apesar das críticas que temos, propondo à FIT que reveja seu fechamento e abramos em comum um debate profundo e democráticos entre as duas frentes que há na esquerda argentina. Só a sua abertura causaria tal efeito político que, seguramente, novos analistas de meios hegemônicos, dedicariam artigos e páginas para tratar de entender o fenômeno. Se um caminho assim fosse transitado, seria também um canal de organização e motivação para milhares e milhares de simpatizantes e amigos da esquerda. E atrairia muito mais ainda, às e aos desencantados de velhas experiências do peronismo. À par que fortaleceria todo o processo de luta e de nova direção sindical. Parece incrível, mas há ainda na FIT uma tendência marcada para impedir este processo. A pergunta é: até quando? É necessário deixar de ser, ainda que inconscientemente, funcional ao regime atual obstaculizando a unidade da esquerda que faz falta. Os passos comuns em apoio às lutas em curso, a convocatória para encontros do sindicalismo classista junto com Posadas e outras iniciativas, bem pudessem ajudar a mudar essa tendência de divisão. Já veremos se é assim ou não.

Entretanto, seguimos convidando o ativismo e os milhares de simpatizantes da esquerda a ser parte deste debate e a somar-se, os que quiserem, a nosso projeto político. Lutemos juntos por uma perspectiva unitária anticapitalista, socialista e de classe. Vêm tempos de confrontação e a esquerda e o trotskismo estaremos à prova. O problema mais importante da esquerda e o trotskismo é mudar a cultura da divisão e animar-nos a forjar um grande movimento político unitário que impulsione a mobilização em todos os terrenos. Essa é nossa proposta.


Nota

1A corrente encabeçada por Nahuel Moreno, da qual provém o MST, é a corrente mais antiga e forjadora do trotskismo argentino e latino-americano.


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Camila Souza