Horas, noites, poemas
O que está em jogo é o que diz o poema de Brown: “é muito fácil fugir, mas eu não vou trair, quem eu fui, quem eu sou”.
Há um clima de apreensão no ar. Alguns sentem medo, outros angústia. Há os que estão perplexos. O ponto comum é a imprevisibilidade dos próximos dias.
Poucas noites nos separam do veredito do próximo domingo. O que temos são apenas horas. Não mais que isso. Assim que, se não há muito tempo, a necessidade é de acertar e acertar com força a linha política que ajude a consolidar a “tarefa” do momento. E a tarefa é construir a virada, ao menos no ambiente em que estamos atuando.
O lado de lá radicalizou o seu discurso. Abandonou os pruídos para transformar a indignação contra o sistema político difusa em apoio passivo a seu programa reacionário, antipovo e com perigosos traços fascistas. O que se viu na Paulista foi a tentativa de construir a amalgama que usa do mal-estar social para amedrontar e ameaçar liquidar o “outro”. Assim, o “clã” quer jogar para debaixo do tapete o escândalo colossal das fakenews e alinhando um programa de ódio contra seus opositores, a quem promete o exílio ou o cárcere, como mínimo. Esse programa de ódio, nostálgico da ditadura e dos torturadores, tem um limite de aceitação na sociedade. Nessas horas, esse limite parece estar sendo acionado.
O que está jogo, a partir das declarações da Paulista é a própria “condição militante”, da qual inúmeras vertentes de esquerda e movimentos sociais diversos, sedimentaram nossas conquistas, direitos, na mesmo precária – e restrita-democracia – que vivemos.
Do lado de cá se ampliou o discurso. São gestos de coragem que valem por muitas noites e poemas. O jornalista Juremir que pediu demissão de um programa, no ar, em protesto contra a censura que a Record impôs durante uma entrevista de rádio de Bolsonaro. A coragem do filho trans de Wilson Witzel, colocando- se numa belíssima entrevista como responsável por suas escolhas, sem querer ser usado. A coragem de Mano Brown, um dos maiores gênios da música e da poesia brasileira, dando a cara a tapa no ato com milhares na Lapa, alertando para a necessária crítica aos anos de governo do PT; crítica que deve ser encarada com modéstia e serenidade por todos que querem construir uma esquerda que aprenda com as lições do passado e do presente.
O lado de lá entra em desespero: Sartori baixa ao nível do esgoto da homofobia; Dória ataca para esconder sua hipocrisia como defensor da moral e dos “bons” costumes; Witzel apregoa o ódio contra toda sorte de “bandidos”. As pesquisas apontam uma queda do “mito” e daqueles que querem carona no seu reacionarismo.
O lado de cá celebra e aposta na luta. Hoje estive em panfletagens em dois corações da classe trabalhadora de Porto Alegre: na frente da garagem da Carris, de madrugada e do Hospital de Pronto Socorro, no começo da noite. Estive com os militantes e dirigentes do PSOL nas categorias, acompanhados pela deputada eleita, Fernanda Melchionna. Há preocupação na classe, mas também há politização e vontade de virar votos. Existem muitas reservas políticas no ambiente, base da defesa das nossas conquistas nas últimas décadas, em que pese a idiotização de uma parcela do povo e das esferas mais altas da classe média. Há uma juventude que não quer voltar para o armário e não quer sair das ruas. Há de tudo um pouco, num redemoinho de confusão, na ampla massa, que vem desde o primeiro turno.
Qual o resultado dessa equação? O que virá diante desse paralelogramo de forças? Difícil arriscar, impossível não engajar-se para intervir. A capital paulistana, onde Haddad tinha feito magros 17% no primeiro turno é uma cidadela exemplar: a pesquisa Ibope deu Haddad e Manuela na frente; entre mulheres a diferença está dentro da margem de erro:40/44, assim como entre a negritude: 42/45. O tempo dá virada está contado em dias, noites e horas. Depende da ação de centenas de milhares sobre milhões, em cada território.
O discurso deve ser direto: uma ampliação para além do PT, dos seus erros e seu programa. Fomos separados do PT, há quinze anos quando Luciana Genro,Babá, Heloisa e os radicais foram expulsos. Isso não nos faz menos presentes, nas atividades diárias, na luta para virar. Sabemos que essa luta é muito maior.
O que está em jogo é o que diz o poema de Brown, seguramente uma das maiores vozes das periferias do Brasil nos últimos 30 anos: “é muito fácil fugir, mas eu não vou trair, quem eu fui, quem eu sou”. Ditadura nunca mais.Ditadura nunca mais. Não podemos trair quem somos. Vamos por mais, pelo 13, com Haddad e Manuela.