Notas sobre a América Latina: o fim de uma etapa e o começo de outra

Um ciclo de governos se encerra na América Latina. Como compreendê-los e de que forma atuar em seu epílogo?

Pedro Fuentes 26 jul 2016, 11:36

Estamos no fim de uma era na América Latina e já entramos no início de outra, da qual podemos definir algumas características – em que pese a existência de muitas incertezas. Ao mesmo tempo, constatamos o fim de um ciclo de direções e de governos que surgiram neste período, do social- liberalismo petista ao bolivarianismo deformado no bonapartismo de Maduro.

Como toda nova etapa é desigual, também apresenta contradições. O novo que está surgindo carrega parte do velho, não liquidado automaticamente. De modo incrível, pela primeira vez nas últimas duas décadas (desde que o MAS da Argentina tornou-se o mais forte partido trotskista da América Latina e, talvez, do mundo naquele momento), a nossa corrente está no olho do furacão em vários lugares: intervindo em processos objetivos na Venezuela, Brasil, Argentina e, especialmente, no Peru. Ao contrário do MAS daquele período, agora fazemos parte de processos mais amplos, de coalizões que não têm todo o nosso programa, como a FA do Peru, o PSOL no Brasil, e mesmo o Marea Socialista.

Pensamos que isso não ocorreu por mero acaso, mas porque tivemos a compreensão de que se abria um novo período de reagrupamento e de processos mais amplos. Também não é por mera casualidade que aqueles que se agarraram ao esquema do MAS (corretíssimo nos anos 80) não têm agora grandes progressos, vegetam ou apresentam crises. Mas nada está resolvido e não possuímos uma “bola de cristal”. A atual realidade latino-americana tornou-se complexa. Nós estamos diante do grande desafio de tentar entendê-la com todas as suas características e de tentar nos prover da melhor política para seguir avançando.

No Peru, estamos numa nova situação qualitativa, porque a Frente Ampla e Veronika Mendoza surgiram como uma nova alternativa de massas, conosco na direção. De fato, trata-se de um terceiro campo na política peruana, a ponto de o apoio crítico de Veronika ter sido um fator decisivo na vitória de Kuczynski contra o campo de Keiko Fujimori.

No Brasil, idem: o PSOL tem grandes possibilidades de disputa em Belém com Edmilson Rodrigues, no Rio com Marcelo Freixo (que acaba de fazer um ato muito representativo com mais de 5.000 pessoas), em Porto Alegre com Luciana Genro. Há todo um simbolismo e um imenso fato político na possibilidade de ganhar em alguns desses lugares. Além disso, o PSOL concorre com chances de vencer em locais como Itaocara com Gelsimar Gonzaga (reeleição), Niterói com Flávio Serafini, Sorocaba com Raul Marcelo e avançar em São Paulo com Erundina. No caso de Porto Alegre, uma vitória significaria recuperar para a esquerda mundial um espaço construído pela mesma na década de 90.

Além disso, nossa política na Venezuela marca uma mudança qualitativa em relação à anterior, nos diferenciando do burocratismo-estalinista de Maduro e da direita, o que desembocou em ganhos e adesões para Marea Socialista em pelo menos 18 estados.

Nestes países, assim como na Argentina, já está dada, enquanto política geral para a nova situação, a construção um “terceiro campo” que seja uma alternativa à velha esquerda (o velho “progressismo”), à direita reacionária e às forças do imperialismo que estão voltando.

Entender esse processo, com suas contradições, suas desigualdades e combinações em desenvolvimento, é fundamental para nos colocar no novo momento. De maneira alguma, é uma tarefa fácil. O “fim” do velho petismo no Brasil, assim como a degeneração do bolivarianismo na Venezuela (dois modelos diferentes no vértice, mas com pontos de contato), leva também a crises pela ausência quase que total de um modelo alternativo. A crise se expressa também em setores que capitulam para a velha esquerda e, em parte, nos setores que reafirmam posições ultrassectárias. Ao mesmo tempo, como não poderia deixar de ser, há algumas confusões em novos setores da vanguarda.

Por que temos de especificar que significa um “fim” entre grandes aspas? “Fim” para aparelhos do governo, com peso em organizações de massa, o que não significa que a sua extrema debilidade os impeça de se reciclar, assim como de atingir seu peso anterior.

Apesar disso, entendemos que caso alcancemos uma posição clara e diferenciada na luta de classes e nas crises políticas dos regimes que ocorrem no continente, abriremos a possibilidade de criar novas alternativas para um terceiro campo, sem perder de vista as desigualdades entre os países. Por exemplo, não é a mesma situação na Venezuela do que a da Bolívia. O indigenismo boliviano dificilmente será liquidado, o que tem relação com o Peru, onde Veronika Mendonza varreu os votos no sul, região de resistência ao extrativismo. Mais do que nunca, é preciso saber intervir em processos amplos sem descuidar da nossa formação e organização marxista internacionalista.

Esta questão da nova fase e do novo ciclo deve ser o foco do debate da esquerda e da vanguarda. Entramos numa nova etapa latino-americana com as suas incertezas e, simultaneamente, com o aumento de sincronia com toda a situação mundial. Se o estágio anterior na América Latina foi marcado por uma ofensiva contra o imperialismo e, em certa medida, uma retirada de seus projetos mais audaciosos, esta etapa é uma tentativa de avanço do imperialismo e de seus agentes nacionais. Portanto, uma etapa de luta contra novos tipos de governos e resistência a eles. Mas isso ocorre também com um elemento de continuidade: as lutas nunca pararam desde 1998, quando começaram no Equador. Desde então, mesmo que agora elas tenham um signo mais relacionado com resistência, o movimento de massas não se entregou.

Do nosso ponto de vista, a política e o programa para construir ou fortalecer novas alternativas, bem como aprofundar a nossa inserção onde elas existem, são para todos e, por isso, sua forma atualmente é embrionária.

I – O estágio do processo bolivariano, as suas desigualdade e contradições em toda a América Latina e o “fim” de um ciclo de direções

Assim, temos trabalhado bastante sobre o ciclo ora findante. É importante ter a maior clareza possível no balanço, uma vez que ajuda a definir melhor o novo que está por vir.

Na fase que se fecha houve uma mudança na correlação de forças com o imperialismo

Na nossa corrente, sempre tomamos como referência para definir as diferentes etapas do continente a correlação de forças entre o imperialismo e os movimentos de massa junto com os governos que surgem a partir desta situação. Nessa fase, houve uma mudança geral na correlação de forças com o imperialismo que ocorreu, particularmente, na América Central e na América do Sul, uma vez que no México, apesar da rebelião zapatista, os EUA impuseram o NAFTA que levou o país a uma neocolonização e a uma grave crise de tipo global.

Podemos definir esta mudança como a falência da etapa dos anos 90, dos governos neoliberais genuínos da burguesia pró-imperialista, que surgiram como resultado da crise da dívida em meados dos anos 80. Em suma, eram governos das “democracias entreguistas”, conforme categorizou Nahuel Moreno. Desde a superação desses governos, embora o imperialismo tenha se enfraquecido, ele não perdeu todo o controle da situação ou o domínio econômico e politico e as desigualdades da situação lhe permitiram manter acordos bilaterais e ter certo reduto com o NAFTA.

Mas a maior expressão dessa mudança foi a derrota da ALCA, um plano de colonização neoimperial em que os EUA tentaram veementemente garantir seu quintal. Durante este período surgiu um modelo econômico alternativo, que foi o bolivarianismo com a sua alternativa continental da ALBA. Em seguida, veremos as razões desse projeto não poder ter se desenvolvido em escala sul-americana.

A mudança na correlação de forças foi desencadeada pelos processos insurrecionais iniciadas em 1998 no Equador

Na verdade, esse período foi aberto pelos tumultos, insurreições e semi-insurreições no Equador, Argentina, Bolívia, Venezuela e outros processos menores como as lutas no Paraguai, Honduras, entre outros. Eram verdadeiros processos revolucionários popular-democráticos, onde a classe trabalhadora não agiu como tal, mas fez parte da mobilização popular espontânea. O que tornava sem precedentes tais acontecimentos foi a queda sucessiva de governos eleitos pelos mecanismos da democracia burguesa. Na Venezuela, tudo foi mais profundo por conta do Caracazo, rebelião popular que teve muitas derivações até o triunfo de Chávez, e por conta também da derrota do golpe de Estado em 2002, protagonizada pela mobilização popular. A participação ativa e protagônica de amplas massas foi uma marca fundamental deste processo de semi-insurreições.

Nas eleições subsequentes, surgem novos tipos de governos nacionalistas pequeno-burgueses e países independentes

Essas mobilizações revolucionárias culminaram nas eleições que mudaram os regimes políticos na Venezuela, Bolívia e Equador, e abriram o processo do bolivarianismo.

A riqueza destes processos é que estes levaram à situação de poder, nos três países citados, nacionalismos radicais pequeno-burgueses em ruptura com a burguesia dominante nesses países. Isso abriu um novo problema teórico. Uma parte da esquerda (da tradição “troska”) caracterizou-os como burgueses, ou no máximo como frente-populistas. Tivemos caracterizações muito mais abertas. Nós dissemos que poderiam se tornar semelhantes aos governos dos trabalhadores camponeses da Terceira Internacional, o que nos fez defini-los como nacionalismos radicais (sem necessariamente ter caráter de classe claramente nítido), governos independentes (utilizando caracterização do morenismo) ou em alguns casos (por uma série de características que extrapolam o objetivo do texto) de bonapartismo bem sui generis.

Esta discussão não era inativa e nem será no futuro, porque existe a possibilidade de se repetirem tais fenômenos aqui e na Europa. O fato é que nós não havíamos esclarecido ou conceituado o tema, mas tínhamos, de fato, a posição correta de que a política em relação a esses governos foi a frente anti-imperialista e até foi aberta a possibilidade (dependendo dos tempos e situações) de nos juntar a esses processos para empurrá-los a um curso anti-imperialista, além de nos fortalecer como corrente, mantendo sempre a nossa posição de organização independente sob a forma tática que foi criada.

Tanto é que apoiamos Ronald Denis, quando este era ministro venezuelano do Desenvolvimento durante as paralisações e sabotagem do setor petroleiro, estávamos em mesas operacionais de Chávez em Miraflores desenvolvendo planos de contrainsurgência, apoiamos a participação de Luis Bonilla no governo, etc. Todo este debate está vinculado a outro argumento do que é governo e Estado, o qual faço questão de lembrar, mas em que não entrarei neste documento.

Nossa política em relação à Venezuela e ao bolivarianismo foi a adaptação da política da frente anti-imperialista da Terceira Internacional (Teses sobre o Leste) à situação dos nacionalismos radicais pequeno-burgueses e similar (mas não igual) à situação de Moreno nos anos 60/70, cuja política foi menos desenvolvida pelas pressões do mandelismo e SWP.

Por não haver setores burgueses no governo, não apenas fizemos parte do PSUV na Venezuela, como tínhamos companheiros que faziam parte do governo na fase progressista do mesmo. Esta política foi de apoiar todas as medidas progressistas do governo, as que iam contra os interesses do imperialismo e contra a burguesia, mantendo nossa própria posição independente como Lenin postulava na Terceira Internacional. A frente única se diferencia da unidade de ação, porque esta é um acordo sobre um ponto conjuntural. A frente única realmente significa um acordo sobre vários pontos, as leis que o permitem, etc.

ALBA como rascunho de um novo modelo político econômico continental e a sua incapacidade de ser realizado sem romper com a burguesia

Pela primeira vez na história moderna da América Latina, o bolivarianismo chavista formulou um modelo econômico e político continental, apoiado sobre a mudança na correlação de forças e pela situação econômica privilegiada dos preços do petróleo, principalmente, e das commodities em geral.

Esse modelo levantou a possibilidade de uma unidade latino-americana diferente, o que parcialmente existia nos países da ALBA, mas isso não foi conseguido numa escala continental e significou uma grande luta revolucionária, fato que era a lógica-chave para o processo não se estancar. A ALBA não se estendeu porque tinha oposição. Os governos neoliberais que continuaram e especialmente os governos sub-imperialistas do Brasil tentaram, por um lado, extrair mais-valia dos países da ALBA através de investimentos de suas “multilatinas”, como Odebrecth, Camargo Correa, etc., sem nunca, por outro lado, quebrar a ponte com os EUA, ainda que a tenham usado para transitar de uma maneira diferente em relação ao que fizeram os governos anteriores.

Grandes empresas “latino-americanas”, como o grupo de Carlos Slim do México, Odebrecht, Gerdau etc. do Brasil, Bunge do Brasil e Argentina, Techint da Argentina e a importante burguesia chilena, para citar alguns, são burguesias muito entrelaçadas na rede internacional de corporações, com investimentos até nos países imperialistas. Deste ponto de vista, a burguesias “latino-americanas” têm um caráter burguês específico, diferenciado, já que por seus próprios interesses econômicos nos países imperialistas, não está, para eles, em primeiro lugar a defesa de seu país de origem, mas da economia global como um todo, que claro, é dominada pelo imperialismo.

Assim, era impossível para a burguesia integrar um projeto de unidade continental, uma vez que a extensão da ALBA significava romper politicamente e economicamente com o imperialismo. O avanço da ALBA abriu um curso anticapitalista em escala continental. A extensão Sul-Centro americana da ALBA, em que o Banco do Sul foi um passo, poderia significar uma ruptura completa com o imperialismo e um caminho sem precedentes de independência, o que levaria a uma grande ruptura econômica com a burguesia e os monopólios imperialistas existentes na forma de ativos vinculados.

Nesse ponto central, podemos dizer que Chávez freou seu bolivarianismo quando estava no meio do caminho. Ele favoreceu a política de diplomacia com o governo brasileiro, que falou do Banco do Sul, mas não forneceu um real para o seu funcionamento. Chávez terminou cooptado, tendo que entrar no Mercosul, que foi um projeto inviável para a unidade latino-americana. Era correto manter relações diplomáticas com esses países, mas isso não significava subordinar a política à diplomacia.

Esta política e a não nacionalização dos bancos são, talvez, as maiores limitações chavistas, que também estão ligadas à facilidade com que progrediu à burocratização na Venezuela e, finalmente, à sua capitulação ao Brasil em troca da entrada no Mercosul, uma integração econômica que nunca existiu como tal, ao contrário da ALBA. A criação da “Quinta Internacional” foram palavras que o vento levou.

Havia condições para alavancar um processo continental? Nós não sabemos até onde ele poderia ir, mas o fato é que o processo não foi promovido e tampouco foi um eixo central da vanguarda revolucionária nesse período.

Esta foi a tarefa central levantada por Lenin depois da tomada do poder na Rússia. De alguma forma nós tentamos influenciar nessa política, mesmo com nossas próprias debilidades e nossa localização no PSOL (fizemos contato com a embaixada, trouxemos Chávez ao FSM em 2003, entre outras coisas). Mas Chávez preferiu dar prioridade à diplomacia com os governos (exceto por um período em relação à Colômbia, no qual ele apoiou as FARC, que, aliás, devo dizer, não foi uma boa maneira de extensão e, portanto, teve de recuar e entregar um militante). Não nos opúnhamos à diplomacia com os governos, mas era errado transformar isto em estratégia, a qual deveria ser na verdade o apoio à luta de classes, separando as relações na superestrutura da política continental, sem criar qualquer ilusão no lulismo e no kirchnerismo.

Mas a linha de fundo teria sido – e nós insistimos nisso a partir das relações que tivemos com o chavismo daqui do Brasil – a necessidade de apoio ao PSOL, do impulso às manifestações como as da Argentina, onde aliás Chávez dava suporte completo aos Kirchner.

Críticos chavistas (e talvez nós mesmos) dão e deram mais ênfase no que o socialismo não se aprofundou. Mas isso era uma parte. Não foi o central, que era a luta contra a burocracia e a política internacional para a América Latina.

De qualquer forma, a ALBA foi muito progressista, especialmente em relação a Cuba, já que rompeu o isolamento da ilha, deu um novo impulso à troca igualitária e reforçou a independência cubana. Não por acaso, neste período em que nós praticamos a política da frente única anti-imperialista, conseguimos uma relação privilegiada com Celia Hart, “a filha da revolução”, como foi chamada. Não é por acaso que a crise econômica e social venezuelana aprofundou a crise em Cuba, uma das razões que explica o acordo dos Castro com Obama, um elemento importante do novo ciclo aberto, assim como o acordo entre o governo Santos e as FARC, sobre o qual trataremos adiante.

Diferenças fundamentais entre o social-liberalismo petista e o bolivarianismo; e também pontos de contato

Durante este período, podemos definir três tipos de governos:

  1.  Os governos burgueses pró-imperialistas clássicos, como Uribe na Colômbia, México, Chile (país de que recebemos muito bons esclarecimentos a partir de documentos dos companheiros) e vários países da América Central, incluindo Guatemala;
  2.  O nacionalismo radical dos bolivarianos (Venezuela, Bolívia, Equador);
  3.  Os governos não tradicionais, porque neles deixou de governar a burguesia clássica tradicional, e passou a fazê-lo, no Brasil, o social-liberalismo petista, o kirchnerismo na Argentina, a Frente Ampla no Uruguai, Ortega na Nicarágua, El Salvador com a FMLN, Peru com Humala e Lugo do Paraguai.

Mas ambos os governos de tipos 2 e 3 tiveram o ponto em comum de que eles não eram burgueses clássicos. Representaram uma mudança importante, uma vez que se tratava de governos que não tinham gênese na burguesia. O PT de origem na classe trabalhadora e na esquerda católica, a Frente Ampla uruguaia com partidos operários e um general que incorporou setores pequeno-burgueses, Evo baseado no indigenismo e os Kirchner na Argentina (de origem pequeno-burguesa), da província historicamente com menos peso na política de seu país, o padre Lugo Tecoyoca na formação de pequenos intelectuais com burguesia urbana e camponeses no Paraguai, etc.

Esses governos de origem não burguesa não eram os mesmos, mas eram opostos em sua política em relação ao imperialismo

Esses novos governos são de dois tipos e com dois extremos: os bolivarianos e o social-liberalismo petista. É importante marcar essa diferença porque o neoestalinismo ou o chamado “progressismo” de Emir Sader ou Atilio Borón, e muitos outros intelectuais expoentes da esquerda, colocaram-nos todos no mesmo saco e os qualificaram como governos progressistas e independentes, ao contrário da posição assumida pelo PSOL, desde antes de sua fundação, já que seus dirigentes, desde o início do governo Lula, fizeram oposição de esquerda. O nacionalismo radical pequeno-burguês bolivariano era na prática uma ruptura política e, em menor grau, mas também, uma ruptura econômica com a burguesia, e neste caso através de grandes nacionalizações. No caso específico da Venezuela, houve a redistribuição dos rendimentos do petróleo e a política já mencionada de unidade continental contra o imperialismo. Seus governos tornaram esses países independentes.

Estes partidos têm governado sem que seus governos façam alianças com velhos partidos tradicionais, diferentemente do petismo que governou desde o início com o PMDB e o PP, os velhos partidos ligados ao coronelismo e à burguesia.

O chavismo rompeu o isolamento de Cuba e colocou para a América Latina um novo marco, um modelo de novas constituições e de redistribuição de renda. Como discutimos, o mais importante para o seu desenvolvimento foi a extensão do processo a outros países (até certo ponto, como Chávez entendia), quando colocou em pauta a Unasul e Banco do Sul, embora o tenha feito pressionando os governos e, particularmente, o PT, que finalmente acabou capitulando na política internacional. Ao contrário, Chávez parou na metade do caminho, essencialmente bloqueado pela política de diplomacia com o governo brasileiro, que foi totalmente oposto e manteve laços prioritários com os EUA e os BRICS.

No outro extremo, o expoente mais importante foi o petismo que qualificamos como social-liberalismo, continuando a política de FHC e promovendo o sub-imperialismo brasileiro. Governou para e com grandes expoentes da burguesia (Meirelles do Bank Boston, Furlan, acionista do maior complexo de alimentação, etc.), privilegiando a relação com os principais complexos de construção de infraestrutura (associados ao setor petroquímico, etc.), agronegócio, mineração e bancos.

Usou os recursos dos três principais bancos estatais para favorecer estes setores do país em sua expansão sub-imperialista no continente. Esta característica “sub” não é nada nova, pois o Brasil desde o pós-II Guerra Mundial era a ponte privilegiada dos EUA. Este aspecto de “sub” (que foi feito para a região e também para a África) foi facilitado pela retirada dos EUA e porque, em certa medida, souberam “representar”, desempenhando o papel de subpotência associada (“associação conflitiva”, tal como definido pelo marxista brasileiro Ruy Mauro Marini).

O Brasil foi um colchão para impedir que o processo bolivariano se continentalizasse, o que era a tarefa definida para tentar um desenvolvimento independente e também evitar o isolamento dos países mais avançados da Venezuela e da Bolívia.

A nossa política no Brasil foi, desde o início, de oposição frontal ao governo Lula, formando o Movimento por um Novo Partido. Em seguida, fundamos o PSOL. Agora insistimos na necessidade de ser contra Temer, mas também contra o “volta Dilma”, e a favor de eleições gerais.

Essa desigualdade e o freio de oposição do Brasil ao bolivarianismo não pôde ser resolvido no período, apesar do aumento da luta de classes que foi geral. A vitória de Humala em 2010 no Peru parecia a reativação do bolivarianismo, mas não foi. Foi engolido pela política brasileira.

Uma explicação objetiva é que desde 2007 não se repetiram as grandes insurreições anteriores, principalmente pelos tipos de governos que surgiram e que se acomodaram graças à situação econômica privilegiada de exportação de commodities para a China e o grande aumento dos preços do petróleo.

O surgimento e consolidação das burocracias estatais

Entre os diferentes processos do petismo e do bolivarianismo, houve, no entanto, um nexo de unidade que foi feito ao longo do tempo, cada vez mais forte: o aparelho do Estado em todos esses países. São 13/14 anos do PT, 18 de Venezuela, Bolívia e Equador 9. Não é pouca coisa e esse tempo longo deu origem a um aparelho de Estado e a um processo de surgimento de castas burocráticas. Na Venezuela, a casta tornou-se mais independente, de modo que trabalhou em seu próprio benefício e na criação da boliburguesia. No Brasil, a casta burocrática atuou como agentes da grande burguesia ou parte dela, com quem tinham relações orgânicas ou ganhavam somas astronômicas em valores bilionários.

O PT foi um agente orgânico de grandes setores burgueses. Na Venezuela, Chávez e o PSUV foram independentes. Mas, ao colocar suas mãos sobre o Estado (ou melhor dizendo, sobre a maior parte das suas instituições), levou ao surgimento de burocracias estatais com as suas regras de casta privilegiada, processo que também existe em sua melhor expressão de domínio estatal no capitalismo de Estado cubano.

Dispositivos de Estado como base para seus partidos (são processos lógicos para governar) criaram burocracias (exceto, talvez, no Uruguai) em todos os lugares (na Venezuela especialmente após a morte de Chávez). Seguindo a onda global, houve grandes elementos de lumpenização (corrupção, enriquecimento ilícito como mostra a Lava Jato), de uso discricionário do aparelho de Estado, o que também irritava a burguesia (também corrupta), porque lhes tirava – e no caso da Venezuela continua tirando – mais-valia ou rendimento.

Essa situação facilitou a campanha reacionária de setores da burguesia contra esses governos, bem como a rejeição popular por seus casos de corrupção que apareceram cada vez mais fortes, atraindo o ódio por parte da população a todos os políticos.

Na última parte desta etapa, e mesmo durante, continuaram lutas importantes

No Chile, a luta da juventude e as greves abriram uma rachadura no regime político neopinochetista, como assinalam nossos companheiros do BAM; na Argentina, onde nunca parou; no Peru, a luta popular contra o extrativismo e a mineração; no México, a greve dos trabalhadores da educação e dos eletricistas; no Brasil, as Jornadas de Junho de 2013, para lembrar algumas das mais importantes.

II – A nova etapa mais coerente com a situação mundial

Os elementos-chave que fecham esta fase são: a) a morte de Chávez; b) a entrada da crise econômica no continente; c) a derrocada do PT e o fim de seu ciclo com as Jornadas de Junho de 2013; d) o triunfo de Macri, o impeachment de Dilma e o madurismo em crise terminal na Venezuela.

Da mesma forma, fortalecem-se as políticas reacionárias das burguesias locais apoiadas pelo imperialismo. No entanto, deve ser notado que isso ocorre sem que houvesse uma derrota do movimento de massas, seja contrarrevolucionária ou reacionária – derrotas graves ou triunfos contrarrevolucionários como nos 80.

Há triunfos reacionários, que foram essencialmente derrotas causadas pela crise que apontávamos dos governos progressistas, que são mais superestruturais do que estruturais. Portanto, há uma relação dialética entre superestrutura e estrutura, uma vez que esses governos vêm para implementar planos de ajuste fortes, que no caso do Brasil Dilma já pretendia aplicar, mas não teve força para fazê-lo. Um fato negativo produz algum desânimo ou confusão no movimento de massas, o que é agravado pela crise econômica que afeta também a ausência de um modelo econômico alternativo. De qualquer forma, como insiste o companheiro Sergio García, do MST da Argentina, em seus escritos, não há possibilidade de um retorno ao que foram os anos de auge do neoliberalismo dos 90, ou seja, uma fase de entrega total e semicolonização do imperialismo. A correlação de forças global e latino-americana não permite, por ora, que isto ocorra.

Há uma luta movida contra os planos mais reacionários e veremos o resultado delas. São governos reacionários, perigosos, mas, ao mesmo tempo fracos ou débeis porque não são consequência ou resultado de uma derrota nem reacionária nem contrarrevolucionária sobre o movimento de massas; porque enfrentam uma enorme crise econômica; porque surgem de processos em que a burguesia como um todo está desacreditada pela crise política dos regimes latino-americanos e da própria crise econômica, e da crise política global.

Os desejos das burguesias e do imperialismo, de Macri, Temer e Serra, é voltar a favorecer a política com o imperialismo norte-americano (nunca rompida completamente no Brasil). Mas, contra o que pensa o chamado progressismo, não significam um retorno ao neoliberalismo puro, rígido e pró-imperial americano. E isso acontece porque, como dissemos, há condições totalmente diferentes no mundo e no continente desde os 90.

A América Latina sincroniza-se com a situação mundial

Esta é a realidade do nosso continente: a nova etapa significa que a América Latina está sincronizada com a situação mundial, de crise econômica, política, social, ecológica e até mesmo moral. A América Latina na etapa anterior seguiu em certa medida na contramão da situação do mundo. O continente foi favorecido pelos preços das commodities e do petróleo, graças ao dinamismo da economia chinesa, e no início da crise de 2008 manteve traços nacionalistas impostas pelos nacionalismos radicais.

Tudo isso mudou nos últimos dois anos. A crise global do capitalismo chegou plenamente. E este é um ponto essencial para compreender a nova situação que vai viver agora a América Latina. Entra mais recuada, e talvez assim e por isso que vai sofrer mais. Em síntese, é importante observar algumas características essenciais da situação mundial que explica muito do que está acontecendo em nosso continente.

A nova fase do capitalismo e o novo período da luta de classes mundial e suas expressões na América Latina

Assinalamos de passagem em pequenas minutas e documentos anteriores várias características da situação mundial e do imperialismo, que acreditamos ser preciso repetir sem se afastar muito do eixo do texto. Elas são essenciais para entender como a América Latina está sincronizando com o mundo.

Vivemos numa nova fase do imperialismo, da globalização ou mundialização do capital, em que se expressam de maneira muito mais exacerbada as características que definiram Hilferding e Lenin, acrescentadas a outras que marcam um período de declínio global: a crise econômica estrutural, a crise ecológica e moral, com suas expressões específicas na América.

Com a restauração do capitalismo na Rússia, Europa Oriental e na China, o capitalismo alcançou a mundialização do capital (expansão total, quebrando barreiras, e ao mesmo tempo maior concentração e inter-relação de capital e riqueza, com aumento acentuado das desigualdades sociais). Os dados do último livro de Dumenil e Levy publicados em uma recente entrevista ilustram bem esta situação. Nesse contexto, o aumento da desigualdade na América Latina está sendo e tende a ser cada vez mais agudo.

Trata-se de um capitalismo que desenvolve bem as forças produtivas e novas tecnologias. Enquanto isso, a crise recorre a novas formas destrutivas do ponto de vista da destruição ambiental, e da acumulação por espoliação, cujos pontos altos são os deslocamentos forçados nas cidades para a especulação rentista e o extrativismo predatório que está acontecendo no continente da África e da América Latina, com minas a céu-aberto nos Andes e outras regiões.

Seria difícil explicar a mundialização neoliberal se não houvessem ocorrido vários episódios políticos que modificaram a situação. O curso neoliberal de Thatcher e Reagan imposto nos 80, a queda do chamado socialismo real e a revolução tecnológica na informática, que provocou também uma revolução nas comunicações, tudo isso permitiu uma mudança qualitativa nas fusões internacionais do capital. Possibilitou também que as grandes corporações criassem uma cadeia de produção mundial, a produção das multinacionais e, como consequência disso, o surgimento de um novo problema para o proletariado: a existência de um exército de reserva mundial. As multi-latinas das quais falamos são parte deste processo. O fato de que a produção em cadeia de alguma maneira fragiliza a classe trabalhadora, já que a internacionalização da luta dos trabalhadores fica muito desigual com a internacionalização e produção em rede das corporações.

Houve também uma modificação importante na estrutura do Estado. Desapareceu cada vez mais o Estado de bem-estar e o mesmo se transformou em instrumento a serviço (ou cooptado também pode-se dizer) das grandes corporações que dominam a economia mundial. Dizer, hoje em dia, que o capital não intervém no Estado é uma irrealidade, pois o faz de maneira muito mais direta e a seu serviço. O Brasil, à sua maneira, não deixa de ser parte deste fenômeno já que o Estado serve sobretudo às grandes empresas. Mas, a bem da verdade, durante a etapa anterior e graças ao vento a favor que teve para converter-se em exportador, o Estado pôde repartir uma pequena porção do bolo para os trabalhadores em países como Argentina e Brasil. Esta situação agora se encerra. Começa, como se passou no México, o desmonte do Estado com consequências muito mais graves que no mundo capitalista desenvolvido.

Ocorreu uma deformação dos regimes da democracia burguesa, que explica seu estado de crise na social-democracia ou no PT no Brasil. As grandes corporações converteram os partidos em seus agentes. A crise econômica mundial, que levou a uma contrarrevolução permanente, provocou uma forte crise dos regimes do clássico bipartidarismo que se vê em todos os lados. Como inisistentemente abordaram os companheiros do Podemos, existe uma “casta” política que tem seus próprios interesses e relações orgânicas com estas corporações e este Estado.

As crises econômica e política se prolongam no tempo (pela incapacidade do capitalismo em resolvê-las), com uma desigualdade ou contradição que é difícil de resolver para os socialistas, mas que tem dado origem a fenômenos intermediários que é fundamental a esquerda revolucionária compreender. Não há, hoje por hoje, um modelo alternativo socialista ao capitalismo e tal ausência impacta profundamente.

Desde o Vietnã, não há nenhuma expropriação da burguesia e isso tem sido mais difícil pelo grande e amplo domínio da economia mundial pelas grandes corporações, que dificultam a existência de modelos autárquicos e mesmo o aprofundamento do socialismo ou a transição ao socialismo em um só país. E isso se dificulta ainda mais pela falta de um modelo alternativo, questão que está relacionada à crise ideológica provocada pelo fracasso do único modelo que as massas conheceram: o “socialismo real” ou o falso socialismo.

A crise dos regimes do bipartidarismo e a debilidade de alternativas junto à existência dos grandes fluxos migratórios (os maiores desde a II Guerra Mundial), provocam o surgimento das direitas proto-fascistas de Le Pen na França, de Trump nos Estados Unidos, o triunfo do Brexit na Grã-Bretanha e regressão à barbárie no Oriente Médio (o Estado Islâmico é um caso particular e mais agudo deles). O Brexit, se por um lado desarticula ainda mais a UE, por outro tem esse componente anti-imigrantes e de islamofobia, por isso seria errado apoiá-lo. Não há elementos progressivos, a não ser a mudança para melhor da independência escocesa, mas do ponto de vista democrático e para a classe trabalhadora, é um retrocesso. E, já que estamos no processo no qual a unidade da classe trabalhadora europeia e seus processos progressivos são um ponto essencial para derrotar a política da Troika, temos que compreender o “Plano B para Europa” encabeçado por Varoufakis.

III – A luta de classes continua e surgem novos processos políticos

Mas a luta de classes segue. Surgiram os “indignados”, as grandes greves de resistência dos trabalhadores, as mobilizações democráticas e isso culmina expressando-se também no terreno político. Pelas contradições que apontamos, não surgiram alternativas “puras”, mas novas alternativas (que temos denominado de “processos intermediários”, democráticos reais) por fora do velho esquema do regime democrático-burguês clássico bipartidarista de alternância entre direita conservadora e social-democracia (decadente e corrupta), que são processos diferentes nesse sentido: Syriza na Grécia apesar de sua capitulação; Corbyn na Inglaterra; Sanders nos EUA; a votação do Bloco de Esquerda em Portugal, aos quais devem ser adicionados processos que não são ruptura, mas que encontram espaço nessa situação, como é o triunfo depois de um longo período de tempo da esquerda liberal no Canadá.

IV – A política dos EUA para América Latina

Temos dúvidas de que América Latina seja o ponto privilegiado da política do imperialismo ianque para recuperar parte da hegemonia mundial perdida em meio do caos que percorre o mundo, em especial, no grande Oriente Médio e na Europa agora agudizado pelo Brexit. Isto não quer dizer que não haja condições para retomar alguma ofensiva e, de fato, esta é a tentativa.

Mas o processo mundial é muito complexo e os EUA tem como prioridades responder à grande conflitividade comercial e também armamentista agudizada agora pela política da Rússia, primeiro na Ucrânia e agora na Síria, ao que se somam os acordos globais entre China e Rússia. Estes protoimperialismos ou imperialismos desfiam a debilitada hegemonia americana no marco de uma situação conflitiva que também tem elementos de associação em especial entre os EUA e a China, que precisa desse grande mercado interno para suas exportações. A competição econômica é dura e acirrada pela tentativa chinesa sobre sua área de influência regional, que tem sido até agora dominada pelos EUA.

A política exterior dos EUA está por enquanto indefinida até as próximas eleições. Trump encarna a direita protofascista. Alguns setores anti-imperialistas pensam que como essa direita mundial é mais chauvinista ou nacionalista traria menos perigos para América Latina. Eles erram como Stalin e muitos stalinistas erraram com Hitler. Atrás desse discurso está o pior racismo apoiado na classe branca mais reacionária que descarrega o ódio contra imigrantes e seus países, ou seja, contra a América Latina. Como o sionismo israelense faz na Palestina, Trump quer construir um muro com o México.

Já o clã Clinton é representante do grande capital e corporações que conduziram os EUA à crise. No entanto, o Partido Democrata, à diferença de Trump, tem que se adaptar a uma realidade nova: Sanders, Waren e outros dentro do partido expressam os trabalhadores e as perdas de conquistas, além das questões colocadas pelo movimento negro, mulheres e imigrantes.

O establishment democrata traça uma política diferente com pontos similares à da cenoura e o garrote. O acordo de restabelecimento das relações com a Cuba significa uma mudança em relação à ilha. De um lado, é preciso reivindicar a independência cubana e seu atual governo burocrático quebrando neste sentido a política da “larva” da Flórida. Por outro lado, é uma arma para a entrada de novos capitais e investimentos que Cuba precisa, mas que a levarão a uma situação de dependência e maior desigualdade, do tipo com a China, mas com piores características.

Por outro lado, os EUA aceitaram o acordo de paz com as FARC que é um certo triunfo do povo colombiano depois de 50 anos de guerra e remoções forçadas. Uma paz problemática como diz o artigo do Portal de la Izquierda, mas que libera as massas colombianas de uma situação de guerra.

O capitalismo de Estado cubano impõe de fato duas economias: a estatal e a capitalista de pequenos empreendedores, de usufruto por parte do imperialismo do turismo cubano e de algumas matérias-primas e metais importantes que possui a ilha. Isso gera uma desigualdade muito grande na população. Mas definitivamente a parte que não é dos pequenos empreendedores burgueses não é socialismo, porque no fundo o que tem em Cuba é um capitalismo de Estado que se beneficiará dos acordos com o imperialismo como dos pequenos proprietários.

A política exterior mais importante, senão ao menos parcialmente, dos EUA é o TTP, ainda que tentem novamente utilizar o Brasil como sua ponte principal na América Latina, o que está nas suas prioridades, entre outras coisas, pela crise política que viveu o pais e suas incertezas. O eixo dos EUA é Ásia e a competição com a China e nisso privilegia o TTP que abrange o Chile, Peru, Colômbia, no qual entram estes países, mas principalmente Vietnã, Coréia do Sul e outros países asiáticos, que são ferramentas com as quais combate a maior presença chinesa.

De todas as formas, os EUA não abandonam a América Latina. Sua estratégia imperialista se baseia também em elementos preventivos de coerção. Por isso, um fato a destacar é a presença militar crescente no Peru, como parte de uma estratégia global diante do perigo de uma maior entrada da China, que hoje já tem uma importante presença.

V – Um desafio para os anti-imperialistas latino-americanos: empalmar a luta anti-imperialista com a luta de classes do país do Norte

Como escreveu a autora colombiana Laura Restrepo em Hot Sur, os latino-americanos empobrecidos tomam o país do norte por assalto: a onda migratória não para e não vai parar na medida em que se aprofunda a crise econômica. É essa situação, mais a pobreza crescente, a luta dos negros que são uma grande parte também da população do sul o que estabelece também um nexo estrutural mais estreito com os EUA e que determina também parte da política do império para a América Latina.

Os teóricos e políticos do chamado campismo explicam que a crise que atravessam os governos do sul se deve e é provocada pela política ianque (por exemplo, Maduro cobre a crise toda que em grande medida é obra da sua burocracia e corrupção dizendo isso). Uma meia verdade. Ao fazer a essência da luta o enfrentamento entre países, manipulam os trabalhadores e povos. Também há luta de classes no país do norte. Lembremos como Chávez, à sua maneira, que tinha política enviando petróleo barato a determinadas zonas pobres dos EUA.

Uma questão é a política internacional do império, e outra é a relação entre as massas latino-americanas e americanas. Precisamente o obscurantismo campista vê o país como um todo e é incapaz de separar as classes sociais que o integram e as superestruturas contraditórias que as representam. Isto pode mudar na medida em que ocorreu o grande fenômeno Sanders, que deu à luz nos EUA a uma forte polarização, resultado das desigualdades crescentes, da luta por novos direitos sociais, e das lutas dos trabalhadores entre elas pelo salário de 15 dólares por hora.

Sem ter isso em conta, é impossível uma política contra o imperialismo que não consiste somente na denúncia e a queima de bandeiras ianques nas manifestações, nas quais a esta altura da situação aparecem como equivocadas. É necessário se explorar um processo novo e mais estrutural que vinculam os EUA com a América Latina (em especial o México e a América Central), de maneira mais dialética em suas relações. É evidente que os EUA, apesar da sua leve recuperação, não saíram da crise. E é evidente que existe um agravamento da pobreza em especial dos vindos da América Latina e do continente africano. Eles fazeem parte de um novo estágio na luta de classes que por óbvio existe no país e que tem efeitos bastante diretos sobre América Latina. São efeitos que se interligam.

Isso se combina com uma mudança política importante no país do norte que foi expressa por Sanders, que não sabemos como, mas temos certeza que continuará, pelo qual a relação das massas e os movimentos e partidos da América Latina com esse setor que surge nos EUA é decisivo.

Mas, como dizíamos, a interação dos movimentos de massas de norte e sul é possível a partir do fato de que a pobreza e a crise econômica avançam em todos lados. E uma demonstração das dificuldades que encontra a classe dominante americana é por exemplo a oposição da maioria dos sindicatos ao acordo TPP, que significaria a perda de trabalho para milhões.

As lutas continuam. Mesmo existindo um curso reacionário nos governos, não tem triunfado uma contrarrevolução em nenhum país; neste ponto, há uma polêmica com a velha esquerda

Discordamos da velha esquerda que diante do iminente colapso venezuelano e outros (como o triunfo do Macri e o impeachment de Dilma), afirma ser tudo produto de golpes do imperialismo. Seria uma atitude de néscios negar a ação e o aproveitamento que o imperialismo está fazendo e vai fazer dessa situação, mas as causas fundamentais do fim de ciclo são uma combinação de elementos nos quais como já vimos entra o papel que jogam e jogaram essas direções.

O imperialismo por ora joga o papel de garrote e cenoura, e mais cenoura que garrote. Tenta impor sua política mais por meio da sua supremacia econômica que pelo garrote político. Provas disso são o acordo bilateral com Raúl Castro sobre Cuba e a paz lograda com a guerrilha das FARC na Colômbia.

Diante da “ofensiva golpista imperialista”, a velha esquerda deduz que se deve continuar apoiando a frente única crítica a estes governos, porque segundo eles o inimigo principal é o imperialismo que estes governos enfrentam. Esta postura arrasta no Brasil, o mesmo em Venezuela e em outros países, alguns setores da vanguarda e inclusive organizações trotskistas como o PO (Partido Obrero) e o PTS (Partido de los Trabajadores Socialistas) da Argentina e suas organizações-irmãs brasileiras e lamentavelmente setores do PSOL, inclusive a Insurgência, que têm participado de atos hegemonizados pelo PT e suas organizações sociais. Tais atos acabam sendo invariavelmente de apoio a Dilma.

Para nós, toda confusão com estes setores nos enfraquece. Como já mencionamos no começo, nosso eixo político é a construção de um terceiro campo.

O que é verdade: a crise provoca o surgimento das direitas super-reacionárias. No Brasil temos setores proto-fascistas como Bolsonaro e um setor social que polariza à direita vai existir, mas é muito improvável na América Latina a volta de regimes autoritários fortes bonapartistas ou ditatoriais. As massas, em primeiro lugar na Argentina, têm feito a experiência com isto, e além disso não existem as ondas de migrações que chegam na Europa e os EUA.

As novas lutas de resistência aos planos destes governos

Há um elemento novo que é a incorporação de novos atores da juventude, mulheres, a luta antiextrativista, democrática, popular. Mas não devemos esquecer que a contrarrevolução econômica afeta o coração da classe trabalhadora com as tentativas de terceirização (já rechaçados pela juventude peruana) e as demissões, e é ali onde vai ser decidido em grande parte o futuro da derrota destes governos. Até que ponto a classe que não conta com novas organizações, senão com os sindicatos (onde devemos estar), mas também tem um proletariado mais jovem que se movimenta também por fora das estruturas de disputa tradicional da classe.

Há importantes processos na luta de classes, como Junho de 2013 do Brasil, a mobilização chilena, argentina, as lutas populares contra as mineradoras no Peru, a greve agrária na Colômbia, a greve no Panamá.

A grave crise econômica estrutural impede um desenvolvimento capitalista (o que não quer dizer crescimento do PIB)

A crise econômica combina-se com a crise política nos lugares-chave do Brasil e Venezuela, onde ambas se retroalimentam. De maneira ainda desigual afetam a todos os países e a saída não será nada fácil para a burguesia. Num sentido podemos dizer que na América Latina a crise vai ser mais grave da que vemos nos países avançados já que leva a todos os governos (sem exceção) a uma política de ajustes ao estilo europeu, com a aparição por isso de uma crise social e de aumento da pobreza que será exponencial.

Os governos tem que aplicar fortes planos de ajuste ao estilo da Troika no sul da Europa e haverá resistência. Os planos de ajuste, como no Velho Mundo, serão recessivos, e por isso não vemos que isto provoque uma onda de investimentos produtivos.

Os investimentos que esperam estes governos dos grandes capitalistas que dominam a economia mundial para reativar as economias não terão apenas um elemento que permita uma etapa de desenvolvimento capitalista das burguesias locais senão um aumento da dependência depredadora. Serão investimentos que agravarão a crise social e ecológica e que no essencial não vão mudar a crise econômica, que se tornou estrutural (Macri até agora não recebeu um centavo). No caso do Brasil, pode ser um pouco mais, mas o que se espera é ilusório, porque não se pode isolar a situação econômica da própria crise política dos países que se retroalimentam. Vão entrar pelas altas taxas de juros – se a situação econômica se estabiliza – os capitais especulativos.

Porém, o que mais deseja o imperialismo na América Latina não são os investimentos produtivos, ainda que pode haver em países industrializados se conseguem aumentar a taxa de exploração e de produtividade como no Brasil, Argentina, Colômbia, Chile, México. O que mais tentarão aprofundar (e já estão fazendo), é o que Harvey chama acumulação por apropriação, a espoliação, o extrativismo selvagem como agora está proposto no Arco Minero do Orinoco, os empreendimentos no Peru, na Argentina (a cordilheira toda, inclusive na América Central, na República Dominicana, em Honduras, etc.), além da intensificação do controle da produção agrícola com o uso de sementes e os agrotóxicos de corporações como a Monsanto, etc.

O resultado desses planos, que nós chamamos de contrarrevolução econômica permanente, é uma maior pauperização do povo pobre, mais crise social e desemprego. Em resumo, um aumento das desigualdades sociais. A Venezuela é o caso extremo, mas o Brasil já vive um crescimento muito veloz da pobreza (depois do período do consumismo, que também se deu em vários países da América Latina e que teve seu ponto mais alto no Chile, como muito bem explicam os companheiros deste país).

Ao mesmo tempo haverá mais medidas repressivas contra o movimento de massas e seletivas à esquerda, e por isso ao mesmo tempo são perigosas do ponto de vista que vão tentar por todos os meios enfrentar o movimento de massas. As medidas antidemocráticas e repressivas extremas se dão inclusive por dentro dos regimes democrático-burgueses e não podemos depreciar sua importância. É preparada uma repressão ou cerceamento seletivo sobre a esquerda, para evitar por vias legais o surgimento de novas alternativas de massas.

A crise dos regimes políticos e a fraqueza nas alternativas burguesas de dominação

Essa etapa se dá com um desprestígio das castas políticas (também herança da etapa anterior), produto de sua lumpenização (corrupção), o que enfraquece qualquer governo que emerja. No caso do Brasil e no Chile de Bachelet isso está bastante nítido. Macri na Argentina está na corda bamba, Peña Nieto no México mais ainda. Ou seja, estes governos são fracos por si mesmos além da resistência da luta de classes.

O fenômeno da corrupção é uma questão orgânica do capitalismo acentuada nesta etapa de crise na qual a burguesia cada vez mais procura o lucro rápido. De conjunto, existe uma lumpenização das classes dominantes, fenômeno que gira ao redor da especulação financeira, do narcotráfico, da ocultação dos patrimônios em paraísos fiscais (como revelado, por exemplo, nos Panama papers). Para isso, tem seus agentes que governam: as castas políticas corruptas em ligação orgânica ou quase orgânica com estes setores. Negamo-nos a dizer que a corrupção está apenas no que chamamos de castas políticas. Começa na grande burguesia, como demonstrou no Brasil a Lava Jato, e, por isso, lutar contra a corrupção tem também uma dimensão anticapitalista.

VI – O fim do ciclo das direções que hegemonizaram o período anterior

Referimo-nos ao petismo com o Foro de São Paulo de um lado, e no outro extremo ao bolivarianismo. Estas direções hegemonizaram a etapa anterior e ambas entraram em crise, por distintas razões, mas que tem ponto em comum como mencionamos antes. A maior responsabilidade é do petismo, porque não quis estender o processo bolivariano por seus acordos com a burguesia brasileira e o imperialismo. E porque, diferentemente de Chávez, o PT governou para a grande burguesia.

O fim de ciclo (que a velha esquerda pró-estalinista chama de “progressismo”) coloca a busca de novas alternativas e dos terceiros campos, diferentes das velhas direções e dos novos governos burgueses. Como já colocamos, estão em processo de elaboração sem que possamos ver ainda (exceto no Peru com a Frente Ampla) novas alternativas que tenham influência de massas.

Diante dessa situação, é hora da disputa para criar novos processos e direções. O que não é fácil porque setores da vanguarda (sobretudo os mais velhos, mas também os jovens) são confundidos pela sua política agora “opositora” das velhas direções que fracassaram. Se no movimento de massas prima o rechaço às velhas direções do progressismo, na vanguarda é mais confuso. A construção de um terceiro campo, independente do velho estalinismo e da ultraesquerda é fundamental. Não se trata de fazer uma diferenciação dos “progressismos” como diz Olmedo Beluche, que ficou colado a eles. Trata-se de ter uma política para as massas, de disputa nos marcos do ceticismo e descrédito dessas direções. Mas parece que esse novo vai surgir por todos os lados. Temos que entender que o Peru não será uma exceção. No Brasil, com as eleições municipais, em particular em Porto Alegre e outras como Rio e Belém.

Em relação à tática sobre estas velhas direções – o PT e sua Frente Brasil Popular, o PSUV e Maduro na Venezuela, o kirchnerismo na Argentina – que embora estejam em crise não estão mortas e seguem atuando, nossa corrente tem que se separar com clareza das mesmas. Só participamos em unidade de ação nas lutas de resistência reais que estão e vão se colocar.

Há uma mudança de qualidade em nossa política para a América Latina, que se expressa na mudança de política na Venezuela. Somos chavistas críticos, e isso significa também ruptura com a cúpula bolivariana e sua política. Esta política tem que ser em nível continental. Estamos contra a ingerência estrangeira na Venezuela, mas como muito bem levantam os companheiros, não estamos contra o referendo e defendemos as liberdades democráticas que Maduro ataca. Diferenciamo-nos da direita e de Maduro e apoiamos as ações independentes populares contra a miséria.

Temos que nos diferenciar de duas posições:

  1.  as posições simplistas-campistas que consideram que na América Latina tudo se explica pela política ofensiva do imperialismo ianque. Para este setor, a política seria defender os governos da Venezuela e do Brasil contra o imperialismo. O eixo continental deles é o apoio a Maduro e Dilma, (Olmedo e o Polo Ciudadano, estão fazendo no Panamá um ato contra o golpe no Brasil e de apoio a Dilma), deixando de lado toda a responsabilidade que estes governos têm nas políticas e no descrédito ante o movimento de massas como consequência da corrupção e a miséria que existe nestes países. Tudo se oculta atrás de uma “obra do imperialismo”; e
  2.  a ultraesquerda que desde sempre vem dizendo que todos estes governos foram iguais e nunca enfrentaram o imperialismo e por isso se enfraquecem. E sempre se negaram a qualquer frente anti-imperialista (paradoxalmente agora alguns, como PTS e PO da Argentina, dizem que no Brasil há golpe).

VII – Sobre programa, política e palavras de ordem

Sobre a questão de modelo e a relação com os explorados dos EUA

Esta é a discussão mais afastada da realidade, mas que tem sua atualidade já que faz parte da estratégia. Nesse sentido, há uma série de palavras de ordem latino-americanistas que não podem ser a mera independência em abstrato. Devemos retomar a política bolivariana em uma escala (mesmo sendo propagandística superior)? Combater a direita venezuelana que fala para o movimento de massas que Chávez dilapidava fortunas, ajudando Cuba e outros países, passa por dizer que nós estamos a favor da integração da América no seu conjunto, também com o norte, mas que isso só é possível com uma unidade continental que enfrente as grandes multinacionais deste país e os capitais financeiros, maiores responsáveis por nossa espoliação. E afirmar que essa possibilidade não é tão abstrata, porque há grandes setores dos EUA que têm passado a defender os imigrantes, os trabalhadores e os pobres.

É uma política arriscada porque pode parecer uma capitulação aos EUA, mas tem a ver com as mudanças que estão acontecendo neste país, e que significa um novo tipo de defesa da solidariedade internacional (do internacionalismo) adaptado ao que estamos vivendo.

Ali reside a importância (mais do que com a Europa) de estreitar relações da nossa corrente com o país do norte e com os novos setores que têm surgido ao redor de Sanders.

Isto não nega que é fundamental a luta contra o imperialismo, que se expressa na luta contra as privatizações, contra o extrativismo minerador, contra o papel destrutivo de Monsanto, o monopólio das sementes e agrotóxicos, contra a dívida, pelas auditorias e suspensão do pagamento, contra as bases militares instaladas em territórios de países latino-americanos a pretexto da luta contra o narcotráfico, de solidariedade contra o intervencionismo militar em Iraque, Afeganistão.

Uma palavra de ordem anti-imperialista importante (tanto ou mais do que as nacionalizações) é o controle dos capitais especulativos, por fortes impostos aos bancos e monopólios e contra as remessas de lucro, que inclusive são maiores do que os investimentos feitos.

Pela revolução democrática nos regimes políticos: revolução política

As palavras de ordem democráticas ganham um peso especial frente à crise de representação dos partidos políticos convertidos em castas políticas, igual à luta contra os regimes políticos em crise na maioria dos países. Isto é bem eloquente no Chile como defendem os companheiros, no México, Peru, e de forma mais propagandística no Brasil. Mas as fissuras nos regimes estão em todos lados, e isto se combina com o fato de que nesta etapa não vão existir melhoras afirmativas para estudantes negros, pobres, etc., como em alguma medida se deram com o PT no Brasil ou as mais progressivas mudanças constitucionais nos países bolivarianos.

Vamos assistir a mais ataques às liberdades democráticas por parte dos governos, mais medidas repressivas como já estamos vendo, por exemplo, com a lei antiterrorista promulgada por Dilma no Brasil ou a mesmo a repressão dos Kirchner na Argentina e agora aprofundada por Macri.

Entretanto, como já falamos, não se trata apenas de uma defesa de liberdades democráticas (que deve ser feita), senão que é preciso aproveitar as brechas para nos separar claramente dos mesmos e lutar por outros regimes políticos de democracia real, de participação cidadã, o que significa a destruição dos que agora estão, uma revolução política.

Isso coloca o tema das novas Assembleias Constituintes, com novas formas de representação e com um caráter soberano para decidir sobre tudo. Assim já está colocado como tarefa concreta no Peru, Chile, e em escala mais propagandística no Brasil.

A luta contra a corrupção, intrínseca do capitalismo em geral e mais ainda na atual fase de decadência e decomposição

Em Imperialismo, fase superior do capitalismo, Lenin falava de “parasitismo e decomposição” como elementos que explicavam a monopolização da produção e a decadência intrínseca do sistema no período da I Grande Guerra.

Não há perspectivas de guerra mundial, mas as características apontadas por Lenin têm atualidade. Ao “parasitismo e decomposição” se somam outros elementos que reforçam este caráter. Entre eles, a ação destrutiva da natureza, o extrativismo e a acumulação por despossessão de que fala Harvey. É muito difícil que exista uma nova guerra mundial, que seria muito mais que decomposição, mas concretamente vivemos um período de financeirização, especulação financeira em prol do lucro rápido (diferente do modelo Henry Ford), corrupção, do ocultamento das rendas, da compra indiscriminada de políticos, dos cartéis transformados em máfias, como foi o caso da corrupção das empreiteiras no Brasil.

Diferentemente da época na qual Marx escreveu, esta fase, que se caracteriza pelas crises de superprodução e portanto pela não realização da mais-valia, consequência da falta de investimentos produtivos, tem desdobrado este aspecto de forma crônica, cada vez mais intrínseca da forma de acumulação.

No Brasil, um ponto que toca as castas políticas é precisamente que nós levantamos a defesa da Lava Jato. Esta investigação, embora tenha sido usada pela burguesia contra o governo, tem se voltado contra a própria burguesia e os partidos políticos da ordem, tem ganhado independência e é parte da fissura criada no regime a partir das Jornadas de Junho

A defesa do meio-ambiente

Desenvolver como tema de enorme importância, aqui precisa entrar também a reforma urbana e o direito às cidades, as consultas populares, etc., temas desenvolvidos nas campanhas presidenciais de Alejandro Bodart e Luciana Genro na Argentina e no Brasil.

Os direitos das minorias LGBTs, negros, indígenas

Apesar de toda opressão ainda presente, nos últimos anos, a América Latina vem passando por um processo de avanços afirmativos desses setores sociais. Evidentemente, ainda não é suficiente. Mas, há um avanço no nível de consciência de amplas camadas da população e de organização de parte da vanguarda da comunidade LGBT, do movimento negro e dos povos originários. Esse rico processo ganha cada vez mais força a partir do acúmulo da resistência histórica das chamadas “minorias oprimidas”, somando-se à ampliação da luta em defesa dos direitos humanos e da necessidade da defesa dos direitos democráticos e das liberdades individuais. Essa é uma pauta democrática fundamental que se colide com o conservadorismo burguês e que nosso programa deve expressar com força. Por isso, somos parte da luta pelos direitos civis e defendemos o fim de toda e qualquer violência, opressão e preconceito contra a orientação sexual dos LGBTs; o reconhecimento da união patrimonial de pessoas do mesmo sexo e suas decorrências legais; o combate sem tréguas ao racismo, a toda e qualquer discriminação e repressão. A defesa das terras e da cultura indígena também deve ser uma bandeira permanente, bandeira esta que também é impulsionada por parte das nações e povos indígenas em toda a América Latina e que faz parte fundamental da luta pela autodeterminação nacional.

O papel da vanguarda na mobilização que tem adquirido as mulheres

As mobilizações das mulheres crescem no mundo todo. Trata-se de uma nova onda na luta feminista intimamente vinculada à crise econômica social e moral, a qual afeta a sociedade e que tem como ponto mais alto a barbárie do ISIS e Boko Haram na África. É muito importante ter política para estas mobilizações. Na Argentina e no Brasil estamos na linha de frente. Neste último país, teve destaque a mobilização contra a cultura do estupro e contra Cunha, que foi protagonizada pelo Juntas!. Por outro lado, estamos no “Ni Una Menos” em Buenos Aires e trabalhamos pela consolidação de figuras feministas de massas como Verónika Mendoza, Luciana Genro, Vilma Ripoll, Luciana Echevarría. As crises de representação e das instituições têm efeito sobretudo sobre as mulheres jovens, fato que impulsiona a busca por figuras que falem sobre temas até agora ausentes e proibidos nos debates públicos (o que no caso brasileiro será uma oportunidade para nossas candidatas nas eleições de outubro). Podemos denunciar e elaborar um programa (tarefa que corresponde a nossas companheiras) da falta de mulheres na política e nos espaços de direção (inclusive na nossa corrente), a denúncia e a luta contra a violência, a desigualdade no mercado de trabalho.

É um papel de nossa corrente valorizar os espaços de organização das mulheres como já ocorre no Juntas! do Brasil e Argentina, formar quadros feministas e defender uma postura anticapitalista e internacionalista (um bom exemplo é o das relações estabelecidas com as mulheres curdas), e nos desvencilharmos das visões ultraesquerdistas e estreitas.

A luta contra os planos de ajuste e as lutas da classe trabalhadora: por novas direções sindicais não burocráticas

O setor central decisivo da luta da resistência aos novos planos reacionários é e será o movimento operário. A contrarrevolução econômica tem nos seus planos reforma das leis trabalhistas e das aposentadorias, a seguridade social e a flexibilização e terceirização laboral, uma peça fundamental para aumentar a produtividade do trabalho e a mais-valia relativa.

Não é uma casualidade que estas leis já tenham sido discutidas com passos graduais na Argentina e tentem ser colocadas na agenda no Brasil dos últimos dias de Dilma até agora. Parece-nos que também acontecerá o mesmo (ou está acontecendo) na Venezuela.

Aqui se concentra uma batalha decisiva que vai mostrar até onde irão a classe operária e também as direções burocráticas. Destas não podemos esperar muito, atuam pressionando com mobilizações para depois negociar e com esta política obrigam aos governos a ter que manter suas grandes concessões aos seus aparatos, o que em certa medida, impede esses governos de ir até o final.

Temos que responder à seguinte pergunta: voltará neste período a classe operária a cumprir um papel de vanguarda como foi nos anos 70? Com certeza, não como naquela época. Muitos outros setores entram na luta, mas o papel da classe operária é decisivo. Os educadores da CNTN mexicana têm dado mostras de sua capacidade de luta impressionante em Chiapas, com a ocupação de todos os prédios públicos e em Oaxaca. Dos empregados públicos, não há dúvidas sobre o seu papel. Mas algo que terá que ser visto também: até onde vai o proletariado industrial nesta nova etapa, onde o que estará colocado é sua renovação e o surgimento de direções, no que talvez seja o processo mais atrasado do período anterior.

Por novas alternativas para enfrentar as burguesias reacionárias e a decadência do “progressismo”

A construção de novas alternativas por fora dos regimes e a favor da revolução política deles, que lutem contra a austeridade, o extrativismo e o imperialismo (ou seja, que sejam definidamente anticapitalistas ou intermediários) é um novo processo que já começou e que nós devemos fazer parte, sem se dissolver nele, como uma estratégia do momento.

Trata-se, como dizíamos na introdução, de nos aprofundarmos em dois processos que se combinam. De um lado, a construção de um movimento político-social, ou social e político, que agrupe setores dispostos a enfrentar os novos ou velhos governos e a política das direções que já foram chamadas de “progressista”s, como as do Foro de São Paulo.

Devemos ter uma tática especial em relação aos setores sociais do kirchnerismo, lulismo e também o madurismo (talvez seja um pouco diferente no caso de Evo Morales), já que pode haver, no movimento social, elementos de unidade de ação conjunta, mas nossa relação se dará essencialmente por meio da disputa, por conta de sua dinâmica de aparatos capituladores que vão se acomodar à nova situação.

Todo nosso esforço é para formar um terceiro campo social-político e uma alternativa de poder, que são processos que estão intimamente ligados. Sabemos que o social é insuficiente e a política pelo governo/poder só pode ser dada por uma organização política ampla e que levante um programar similar ao que tem a Frente Ampla peruana – sua política tem que se definir também por sua localização nos processos. Além disso, sua posição, para unir o social ao político, deve ser de estar presente em todas as lutas sociais e também nas batalhas eleitorais.

Acreditamos que já temos uma base política para desenvolvê-los, como exemplos concretos da política de nossa corrente:

No Peru, como já comentamos, há o processo mais avançado pela existência da Frente Ampla e de Verónica Mendoza como uma figura de massas, além do nosso papel na coordenação desse processo.

Nosso ponto mais frágil é a debilidade de quadros, quer dizer, de uma estrutura orgânica bem formada por nossa corrente, o que é uma grande tarefa que se apresenta para os companheiros.

No Brasil, onde existe o PSOL – que é essencialmente um processo que vem ganhado um grande espaço nas eleições municipais, mas que contraditoriamente não tem conseguido fazer, e vem sido difícil criar, uma política por meio das lutas sociais. Dentro do partido, o MES vem se esforçado para empalmarmos essa forma de construção, contribuindo com muita força, no movimento de juventude e de mulheres. O PSOL tem vivido uma luta política para se separar do velho, por conta da existência de personalidades e setores que vem agido de forma mais relutante.

De qualquer forma, as eleições municipais arrastam o PSOL, em seu conjunto, a importantes disputas (Rio com Freixo, São Paulo com Erundina e Porto Alegre com Luciana), nessa perspectiva.

Na Venezuela com o Marea Socialista, que é uma nova organização que conseguiu se formar em uma extensão nacional e criar aptos dirigentes, além de desenvolver processos no interior do país muito inseridos em sua política. Este é um processo que inevitavelmente vai se ampliar junto a outros setores descontentes com o chavismo. A Venezuela tem como particularidade uma forte e corajosa vanguarda surgida do processo bolivariano e um grande setor dela não está acomodada com o aparato, como foi o caso do kirchnerismo e do PT, além de também estar muito mais localizado à esquerda. Assim, o processo que nossos companheiros vêm conduzindo pacientemente há um ano tem possibilidades muito importantes de se concretizar, isto é, se o bonapartismo de Maduro não nos reprime até sermos desfeitos. Ao mesmo tempo, também se avança nas unidades de ação no país, como é o caso contra o extrativismo do Arco Mineiro.

Na Argentina, onde é a política do MST que teria as melhores condições objetivas, por meio das grandes lutas da classe trabalhadora e das mulheres, mas que conta com uma dificuldade contraditória que nossa organização (que possui um grande número de militantes organizados), sofre com as políticas sectárias da FIT, de um lado, e dos setores do kirchnerismo por outro. Mas, pelo que sabemos, está se avançando com um setor do CTA e também, na política eleitoral, estamos avançando com nossas figuras, frente à FIT.

Ali, onde existem nossas organizações (Paraguai, Chile e Panamá), nos arriscarmos a dizer que têm de ter esta política e que devem entrar em processos desse tipo. Não podemos inventar esses processos, eles têm de ser parte da realidade. Não podemos nos relacionar com eles de forma sectária e pedir que adotem todo nosso programa. Mas não é em todos os lugares que essa política pode ser aplicada nem ao menos inventada.

O trabalho na juventude e no movimento feminista

A juventude, já escrevemos muitas vezes, é um setor privilegiado de nosso trabalho. É o setor de classe e dos trabalhadores em geral que mais sofre por conta da crise capitalista e do desemprego, além da falta de perspectivas e repressão aos seus direitos.

A juventude se formou, junto às mulheres, como o setor mais dinâmico nas mobilizações – foi assim no Chile, no Peru contra a lei Pulpin, na Argentina, no Brasil em Junho de 2013 e é assim novamente com as ocupações nas escolas do Paraguai e do Brasil.

Não se trata de falar muito da Europa, mas a aparição agora na França da Nuit Debout (“Noites em Pé”) é um feito que indica tratar-se de um fenômeno mundial, assim como o peso que a juventude teve na campanha de Bernie Sanders.

Nossa corrente deu um passo importante ao ganhar corpo como juventude quando fez o Acampamento Internacional, que infelizmente, pelo acúmulo de tarefas e por conta da questão financeira, ainda não repetimos, mas temos que fazê-lo.

Nossas juventudes precisam ter seus próprios nomes, independentes de nossas organizações, que sejam em sua estrutura de quadros uma colateral delas. O bom é que não conhecem o passado, por isso “passam” do discurso do progressismo para estar abertos a nossa política e ao marxismo.

Que alternativas existem e como se construíram

As alternativas não se constroem com um programa acabado. Não é assim o caso do Podemos, nem o de Sanders, Corbyn ou da Frente Ampla Peruana. Devemos nos perguntar, então: “porque falamos de fenômenos intermediários?”. Isso tem a ver com atual correlação de forças que há entre as classes: porque há uma ausência de um modelo alternativo e isso se refere não só ao fim do chamado “socialismo real”, mas também as falências que terminaram sendo o madurismo, assim como o petismo.

Parece-nos que é mais importante sua localização em frente ao regime, sua política antirregime (que significa, também, anticorrupção), que seu programa definido exatamente em termos anticapitalistas, por essas ausências que assinalamos.

Nesse sentido temos que ser pacientes. A luta contra o extrativismo, contra o regime, contra as profundas reformas trabalhistas, levam objetivamente a um programa anticapitalista que ainda não está formulado. Como da mesma maneira a luta contra os dois tipos de direções e a demarcação delas levam, objetivamente, a ruptura com as mesmas.

VIII – A importância do internacionalismo

Nosso dever: crescer na América Latina

A crise de um polo mundial não pode ser superada por uma só organização. Hoje não há quem possa cumprir essa tarefa sozinho. Para avançar nesses objetivos, o mais importante de nossa parte é ampliar em todos os países possíveis as experiências que estamos fazendo e estabelecer uma relação com as vanguardas que existem nos EUA.

O feito de termos começado a fazer boas experiências na América Latina tem que ser visto como muito importante pela CEI da IV Internacional, já que assim como acontece na Ásia, podemos estender da mesma maneira o processo na América Latina, com a tradição e experiência que ela traz para fortalecer o processo mundial.

Daí que toma muita importância a relação com todos os processos que ocorrem. Relacionar-nos não é só uma forma de conhecer outras experiências, senão também de avançar na elaboração coletiva à qual podemos contribuir colocando o Portal de Izquierda ao serviço dela e participando como observadores no Secretariado Unificado da IV. Sabemos que temos lacunas importantes de informação, mas ainda mais de elaboração e estas são ferramentas fundamentais para supri-las.


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Pedro Micussi