As eleições de 2016 no Peru e os desafios da esquerda peruana
Os resultados da última eleição peruana e as perspectivas para a construção da esquerda num país onde a história de luta e organização do povo é fortíssima.
Entre junho e julho de 2016 se encerrou mais uma transição de governo nacional no Peru. Depois de uma eleição com resultados bastante apertados e surpreendentes do início da campanha até o final da apuração do 2º turno, o candidato Pedro Pablo Kuczinsky (PPK), do partido “Peruanos por El Kambio”, assumiu a presidência até o ano de 2021. O processo eleitoral foi recheado de acontecimentos marcantes. Os mandatos presidenciais no Peru são de cinco anos sem reeleição, o que tem um efeito interessante sobre a dinâmica política e partidária do país.
Para entender o cenário eleitoral, é útil retomar o contexto da política peruana em 2016. Neste ano terminou o mandato do presidente Ollanta Humala, do Partido Nacionalista Peruano (PNP). Humala e sua esposa, Nadine Heredia, foram os principais fundadores e organizadores do PNP, que surgiu para as eleições nacionais em 2006, no bojo de uma reorganização da esquerda peruana, e acabou sendo um desaguadouro de diversas correntes e militantes que não faziam parte da chamada “velha esquerda” (ou seja, não compunham as diferentes vertentes do partido comunista peruano nem o partido socialista) e que se encontravam desarticulados desde a tragédia da ditadura Fujimori. O “movimento nacionalista” ou simplesmente “nacionalismo” se tornou em pouco tempo uma significativa força política, tendo elegido as maiores bancadas de congressistas tanto em 2006 quanto em 2011, por meio de alianças eleitorais com outros partidos de esquerda.
O período Fujimori
Importante mencionar o período marcado por Alberto Fujimori. Eleito presidente em 1990, por um partido fraco e com pouca representatividade no congresso, instaurou uma ditadura no Peru a partir do que foi chamado de “autogolpe”. Há indícios de que desde que tomou posse, Fujimori, junto ao seu principal cabeça de governo – Vladimir Montesinos – já planejava o golpe realizado em 1992: através de um anúncio televisivo Fujimori dissolveu o congresso, com a justificativa de que este estava bloqueando suas propostas; desautorizou todo o Poder Judiciário; ordenou às Forças Armadas que prendessem parlamentares e interviessem nos meios de comunicação, impedindo-os de modificar sua programação regular para noticiar as medidas do golpe em tempo real. Os oficiais que se insubordinavam de alguma forma eram afastados e o Serviço de Inteligência do Exército vigiava a todos. Em 1993 elaborou uma nova constituição (vigente até hoje) apelidada pelos movimentos sociais e de esquerda de “fujimontesinista”, que concede, por exemplo, autorização formal para o presidente em exercício dissolver o congresso caso este, por duas vezes consecutivas, vete medidas propostas pelo Executivo.
Vladimir Montesinos foi o principal dirigente colocado no Serviço de Inteligência a serviço da ditadura. Dirigiu a formação e atuação de um destacamento dentro do próprio Exército, chamado Colina, que nada mais foi do que um grupo de extermínio dos inimigos políticos do regime. Dentre vários, destacam-se dois massacres que são atribuídos a esse grupo: os assassinatos de quinze moradores de uma zona chamada Barrios Altos, e os assassinatos de um professor e nove estudantes da Universidade La Cantuta, conhecida por formar quadros da esquerda. A justificativa para toda a violência residia na política de combate ao terrorismo, isto é, aos grupos de guerrilha que se formaram no Peru desde a década de 60. O mais forte e duradouro deles foi o Sendero Luminoso, que chegou a dominar o centro e o sul do Peru, com forte presença na periferia de Lima. Outro movimento adepto da tática de guerrilha perseguido pelo governo Fujimori foi o Movimento Revolucionário Tupac Amaru, que ficou conhecido pela ocupação da embaixada japonesa no Peru em 1996. Esse episódio acabou com a morte dos catorze integrantes do grupo presentes na ação pela polícia de Fujimori.
A tática adotada por esses grupos gerou consequências nefastas para a organização sindical e popular no Peru, sentidas até hoje. A palavra “esquerda” ainda é bastante associada ao terrorismo pelos peruanos, e resquícios significativos de sectarismo são presentes principalmente no movimento estudantil das universidades nacionais mais tradicionais.
Nesse cenário, o fato da ditadura Fujimori ter inviabilizado a existência desses movimentos com o assassinato ou a captura de seus líderes – o professor Abimael Guzman, cabeça do Sendero Luminoso, encontra-se preso e condenado à prisão perpétua desde 1992 – em que pese que esse desmonte tenha acontecido por meio de perseguição, sequestros, torturas e assassinatos, gerou a narrativa que até hoje tem bastante eco, principalmente nos setores mais populares, de que Fujimori “acabou com o terrorismo” no Peru. Porém, dezenas de milhares de mortes foram registradas como decorrência dessa “guerra ao terror”, a maioria de civis camponeses e indígenas. Há também opiniões contrárias a essa versão, que dizem que a ditadura Fujimori atribui a si a derrota dos movimentos de guerrilha quando, na verdade, isso só realmente se deu no momento em que as Forças Armadas peruanas se uniram à resistência organizada autonomamente por comunidades camponesas que se rebelavam contra as políticas de Sendero, chamadas de Comitês de Defesa Civil Antisubversivos[2].
Uma medida bastante particular e de extrema violência de gênero da ditadura Fujimori foi a esterilização forçada de mais de 300 mil mulheres, por meio de um suposto programa de planejamento familiar, segundo investigação realizada por uma comissão do congresso peruano. A maioria era camponesa pobre do interior do Peru. O Comitê Latino-Americano e Caribenho dos Direitos da Mulher e a Anistia Internacional apontam que apenas cerca de 10% das mulheres que passaram pelo procedimento consentiram voluntariamente[3].
A ditadura Fujimori foi um período marcado por uma combinação de atrocidades, privatizações e esquemas absurdos de corrupção. Estimativas apontam que ele desviou 600 milhões de dólares durante os dez anos que esteve no poder. A ditadura começou a ruir quando vazaram vídeos escandalosos mostrando seu assessor Montesinos subornando parlamentares e empresários, evidentemente com dinheiro do Estado. Fujimori aproveitou-se de um evento em Brunei, sudeste asiático, ao qual deveria ir como presidente, e assim de lá fugir para o Japão – por sua cidadania japonesa, conseguiu se refugiar e enviou sua carta de renúncia à Presidência via FAX. Em 2005 viajou ao Chile, onde acabou sendo preso e extraditado para o Peru em 2007. Em 2009 finalmente se deu seu julgamento, em que foi culpado de violações aos direitos humanos e condenado por crimes de lesa-humanidade. Está condenado a 25 anos de prisão, porém, há toda uma discussão que permanece sobre a possibilidade de um indulto a ele. Sua condenação foi um marco na história da América Latina por ter sido o 1º líder eleito democraticamente que foi condenado por crimes contra os direitos humanos.
Depois da fuga e renúncia de Fujimori foram convocadas novas eleições e desde então os presidentes eleitos terminam sempre com baixa popularidade. Em 2001 foi eleito Alejandro Toledo, que liderava a oposição contra Fujimori. Em 2006 foi eleito Alan García. Ambos os governos foram permeados por crescimento econômico a partir de tratados de livre comércio, os chamados TLCs (principalmente com os EUA), privatizações de empresas nacionais e abertura para exploração dos recursos naturais por parte de empresas estrangeiras, ou seja, seguiram os marcos gerais da política neoliberal implementada por Fujimori. Somando graves denúncias de corrupção, foram governos que conviveram com intensos protestos, greves e mobilizações. Este cenário cada vez mais indicava que os movimentos sociais e dos trabalhadores estavam se reorganizando e começavam a enfrentar a política institucional.
Ollanta Humala, o movimento nacionalista e a “hoja de ruta”
Foi neste bojo que Ollanta Humala forjou o PNP, concorrendo às eleições de 2006, chegando ao 2º turno, mas perdendo para Alan García. Contudo, desde então se criou a marca de uma força em torno dos movimentos sociais, principalmente do sul peruano, historicamente marcado por tensões socioambientais.
Em 2011 Humala se lançou novamente, chegando ao 2º turno dessa vez já contra Keiko Fujimori, e conseguiu vencer, muito apoiado pela maioria dos setores da esquerda, incluindo intelectuais, celebridades da literatura e artes, e, sobretudo, pelos movimentos sociais e dos trabalhadores. O programa do nacionalismo era representado pelo que foi chamado “Programa da Grande Transformação”.
Entretanto, já nos primeiros meses de seu governo, o que foi dito na campanha sobre combate ao modelo de desenvolvimento neoliberal como, por exemplo, a partir da revisão do Tratado de Livre Comércio com os EUA como proposta prioritária, e a realização de amplas reformas sociais, foi engavetado. Há uma narrativa por parte de setores da esquerda de que já durante o 2º turno Humala demonstrara vacilação perante as pressões políticas. O discurso quase unânime dos setores progressistas e da esquerda sobre Humala é que ele cometeu uma traição ao transformar o Programa da Grande Transformação em uma “hoja de ruta”, ou seja, um abandono de um programa de mudança de modelo econômico por um plano de metas para um governo. De início, Humala se alinhava com Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa, isto é, colocava o Peru em uma possibilidade de rota comum à Venezuela, Bolívia e Equador, o que seria fundamental para o desenvolvimento de uma alternativa de bloco de esquerda na América Latina naqueles anos. Porém, muito rapidamente Humala opta por tomar como referência o modelo de social-liberalismo adotado por Lula e o governo do PT no Brasil.
Assim, já no 1º ano de governo, Humala viu sua popularidade despencar de 50 para 30%. Muito disso se deveu a sua atuação nos conflitos socioambientais que ainda se desenrolam e envolveram a tentativa fracassada de implementação do projeto Conga, de autoria de uma mineradora norte-americana, e do projeto Tía Maria, de uma mineradora mexicana. O projeto Conga previa a administração por essa mineradora norte-americana da 2ª maior mina de ouro do mundo, que fica em Cajamarca, norte do Peru. A população local é majoritariamente contra o projeto, pelos danos ambientais que pode causar, ameaçando o fornecimento de água e a atividade agropecuária da região. Humala lidou com a questão política como assunto militar, reprimindo fortemente as manifestações, inclusive com uso de aparato militar. O limite foi a morte de dezoito pessoas em uma manifestação com repressão. Paralelo aos confrontos, Humala substituiu vários ministros de seu governo e distribuiu cargos dando acesso a pessoas ligadas à ala fujimorista do congresso, militares e empresários do setor da mineração.
Para os jovens e na educação, o governo Humala empreendeu duas leis bastante polêmicas: uma reforma universitária que prevê a ampliação do setor privado na educação, não aumenta o financiamento do setor e admite falhas na gratuidade do ensino público, permitindo a cobrança de taxas sobre a assistência estudantil, por exemplo; e uma lei acerca do trabalho da juventude, que gerou protestos de milhares de jovens entre 2014 e 2015, apelidada de “Lei Pulpín”, que visava flexibilizar o trabalho dos jovens, permitindo menores salários e menos direitos trabalhistas. Esta lei foi revogada pelo congresso depois de protestos massivos que colocaram toda a opinião pública a favor da retirada da lei.
Mais recentemente, denúncias no tema corrupção têm vindo à tona, contribuindo para baixar ainda mais a aprovação do governo Humala. Foi divulgado o seu possível envolvimento em esquemas de propinas e favorecimentos de obras às empreiteiras brasileiras Odebrecht e OAS, pela operação Lava Jato. A investigação tem demonstrado que várias obras foram realizadas no Peru pelas empreiteiras, muitas inclusive financiadas pelo governo brasileiro – obras de rodovia e gasoduto entre Peru e Brasil e hidrelétricas construídas no Peru. Durante o governo Lula, o investimento brasileiro no Peru aumentou de 50 para 900 milhões de dólares. E durante o governo Humala a principal competidora da Odebrecht foi eliminada das licitações públicas. Outra situação envolve uma investigação em andamento sobre a primeira-dama Nadine Heredia, a partir da divulgação de supostas agendas pessoais em que constam detalhes das finanças do PNP, apontando recebimento de somas significativas de doações de campanha ilegais, tanto em 2006 quanto em 2011.
Os primeiros anos do governo Humala foram polêmicos na esquerda, uma vez que havia setores que, apesar de todas as demonstrações de traição já no primeiro ano, não se opuseram de maneira veemente ao autoritarismo da cúpula partidária que atuava abafando a imensa crise interna do nacionalismo. Esses setores justificavam a não oposição aberta a Humala alegando que haveria um giro à esquerda pela pressão das bases. Importante ressaltar que a posição assumida por esses setores não foi ocasional na história da esquerda peruana, senão reflexo de uma prática derivada de uma política. Assim que não se trata de falta de unidade da esquerda, e sim de diferenças táticas e estratégicas. Aceitar compor projetos com rebaixamento do programa político inicial sob a condição de estar em um governo é uma prática que alguns setores de centro-esquerda peruana sempre tiveram e seguem tendo.
Nesse contexto, a disputa por dentro do PNP foi tornando-se cada vez mais inviável, gerando as condições para que, no decorrer dos anos seguintes, muitos setores fossem rompendo com o nacionalismo. Alguns parlamentares eleitos pelo PNP passaram a ser oposição ao governo de modo independente, com destaque para Jorge Rimarachin, congressista por Cajamarca, e Veronika Mendoza, por Cusco.
A construção de uma alternativa: Frente Ampla – por Justiça, Vida e Liberdade
O primeiro momento da Frente Ampla se deu em 2012, a partir de uma composição de forças diferente da que apresenta hoje. Como perspectiva eleitoral nacional se conformou no início do ano de 2015, a partir do acordo entre os agrupamentos Tierra y Libertad – já parte da Frente – Movimiento Por la Gran Transformación (MPGT) e Sembrar, como principais forças, abrindo o chamado a outras organizações, movimentos e ativistas. Assim, a Frente Ampla passa a organizar diversas correntes políticas de esquerda, de mais de uma orientação teórica, movimentos ambientalistas e populares.
Em julho de 2015 foi realizado o primeiro congresso da Frente, onde foram votadas: as linhas políticas; uma plataforma programática – base do plano de governo da campanha de 2016; as normas organizativas; e os organismos de direção – um conselho nacional (federativo) e um comitê permanente (executivo). O programa inicial da Frente abarcava: a luta por uma nova constituição, combate radical à corrupção, fortalecimento dos mecanismos de controle social e participação, soberania nacional sobre os recursos energéticos e naturais, combate ao neoliberalismo, defesa da água e da natureza, defesa de todos os direitos básicos e dos plenos direitos nas questões morais e de comportamento. Daí ao início da campanha, a principal preocupação da Frente era passar o coeficiente eleitoral para garantir seu reconhecimento legal no período seguinte – a legislação eleitoral peruana prevê que os partidos ou frentes eleitorais obtenham uma porcentagem mínima de votos para poder manter sua inscrição oficial, geralmente em torno de 5%, e o partido ou coligação que não alcança o coeficiente perde a legalidade, sendo necessário refazer o processo de coleta de assinaturas para recuperar o direito de se postular a eleições.
O congresso peruano é formado por 130 parlamentares, sendo que cada estado tem o número de vagas de acordo com sua população. Para cada eleição, cada partido deve apresentar listas fechadas e ordenadas de acordo com o número limite de cadeiras por estado. Por exemplo, a região de Lima Metropolitana é a que mais elege congressistas – são 36 vagas – logo, a lista de cada partido para essa região deve conter 36 candidatos, respeitando a proporcionalidade e a alternância de gênero.
A escolha dos candidatos da Frente Ampla foi feita de maneira inédita e única nessas eleições: através de primárias internas abertas. A Frente aproveitou seus espaços partidários gratuitos na TV para divulgar o processo e os pré-candidatos internos à presidência, e, no início de outubro de 2015, por meio de urnas organizadas em todo o país, qualquer cidadão peruano possuidor do documento de identidade podia votar em seus candidatos ao congresso e no candidato de sua preferência para a presidência. Assim foi eleita Veronika Mendoza e foram estabelecidas as listas de congressistas de cada estado.
A eleição de 2016
No início do ano apresentavam-se como principais candidaturas: Keiko Fujimori (Força Popular) com 30% das intenções de voto, Julio Guzmán (Todos pelo Peru) com 18%, Pedro Pablo Kuczinsky (Peruanos pela mudança) com 9%, Cesar Acuña (Aliança para o Progresso) com 6%, Alan García (Aliança Popular) com 5%, Verónika Mendoza (Frente Ampla) com 4%, Alfredo Barnechea (Ação Popular) com 4%, e Alejandro Toledo (Peru Possível) com 2%. Outros candidatos, como Gregório Santos (Democracia Direta) – uma das lideranças da luta contra a mineradora Conga no estado de Cajamarca – e Daniel Urresti (Partido Nacionalista) – o candidato da continuidade de Ollanta Humala – não alcançavam 1% das intenções de voto[4].
A candidatura de Keiko Fujimori
Keiko Fujimori, filha de Alberto Fujimori, despertou bastante polêmica desde que foi postulada como candidata. Aos 18 anos, Keiko foi primeira-dama do governo Fujimori depois da separação de seus pais, após episódio em que sua mãe denunciou o envolvimento de membros da família Fujimori em negócios ilegais. Há registros de que Susana Fujimori foi presa e torturada na época a mando de seu próprio ex-marido. Durante toda a campanha, Keiko foi questionada sobre a herança política de seu sobrenome, do qual, afinal, nunca se desvinculou completamente, ainda que tenha figurativamente assinado um compromisso de respeito aos direitos humanos em um dos debates de TV. Seu modo de fazer política nos últimos dez anos não fugiu do escopo tradicional fujimorista: assistencialista e clientelista, com prática de compra de votos e favorecimentos pessoais, e suspeita de ligações fortes com o narcotráfico. Durante a campanha, diversos vídeos flagraram agentes de seu partido Força Popular organizando filas para distribuir brindes dos mais diversos, cestas básicas e coletar assinaturas de comprometimento das pessoas com o voto em Keiko e sua chapa.
Uma das principais polêmicas em torno de um possível governo seu era a possibilidade de indulto a Alberto Fujimori. Além disso, apresentou um discurso sempre dúbio em relação às esterilizações forçadas praticadas na ditadura Fujimori – nunca admitiu que tenha sido prática institucional do governo de seu pai, de início se colocando inclusive com uma postura aparentemente favorável à discussão do aborto legal e do direito ao próprio corpo pela mulher. Ao final, contudo, somou-se ao discurso dos setores religiosos conservadores, chegando a manifestar-se contra o aborto mesmo em casos de estupro.
Todo este cenário alimentou o sentimento anti-Keiko já existente em uma expressiva parte da população. Coletivos de jovens sob as consignas “Keiko No Va” e “Fujimori Nunca Más” somados a organizações em defesa dos direitos humanos, como associações de familiares de desaparecidos políticos, protagonizaram um forte movimento contra Keiko Fujimori, que atuou tanto no campo institucional, buscando algum modo de impugnar sua candidatura, quanto no campo das mobilizações de rua, convocando marchas em todo o país que se tornaram multitudinárias. As duas principais marchas aconteceram nas semanas anteriores às eleições: 5 de abril – dia em que se relembra o autogolpe de Fujimori – e 31 de maio. Ambas reuniram centenas de milhares de pessoas em todas as regiões do país, principalmente na capital Lima, onde a primeira marcha reuniu cem mil pessoas de acordo com jornais locais[5].
Giro no cenário eleitoral: crescem a Frente Ampla e Verónika Mendoza
Uma decisão do Jurado Nacional Eleitoral já em março, apenas um mês antes das eleições, acaba por retirar a candidatura de Guzmán e Acuña: o primeiro por problemas na formação da chapa e o segundo por tentativa de compra de votos. Essa decisão alterou bastante o cenário eleitoral. Keiko Fujimori, embora se mantivesse constante, não pontuava o suficiente para garantir uma vitória em 1º turno, e assim se confirmou. Apesar de um crescimento nas intenções de voto até o final da campanha, ela terminou com 39% dos votos e uma das vagas do 2º turno consolidada. Com a saída de Guzmán e Acuña, PPK se distanciou das demais candidaturas e subiu para o 2º lugar, enquanto Verónika Mendoza e Frente Ampla estavam mais distantes, disputando o 3º lugar com a Ação Popular de Alfredo Barnechea.
Porém, o decorrer da campanha, o desempenho de cada candidato, as campanhas dos partidos e o tom que foi sendo dado pelos diversos atores da opinião pública, especialmente conforme Keiko Fujimori ia se consolidando como primeira colocada, fez com que Frente Ampla e Verónika fossem se consolidando em 3º lugar, e mais, que passasse a ser uma realidade a disputa pela 2ª vaga para o 2º turno. De 2% das intenções de voto que tinha em janeiro, Verónika foi a 15% das intenções de voto ao final de março.
A possibilidade de um 2º turno entre mulheres foi bastante discutida também. Nesse sentido, dois fatos são importantes de se ressaltar: 1) nas pesquisas eleitorais, as simulações de um 2º turno entre Keiko e PPK demonstravam mais possibilidades de vitória para PPK, enquanto nas simulações entre Keiko e Verónika, as chances de vitória de Verónika eram muito menores. Isso provavelmente teve influência sobre os eleitores indecisos cujo voto tinha como critério ser um voto anti-Keiko; 2) o pior cenário para a burguesia tradicional peruana seria um 2º turno entre Keiko e Verónika, por ambas serem possibilidades de governos “instáveis” para a economia neoliberal – Keiko, por ser representante do fujimorismo socialmente combatido por quase metade da população, e historicamente parte de uma ala da burguesia mais autônoma à burguesia tradicional; Verónika, por ser representante da aglutinação de uma nova esquerda no país.
Nesse cenário, a burguesia de conjunto orquestrou uma intensa “guerra suja” contra Verónika. Durante toda a campanha ela foi atacada pela grande imprensa e por setores da Igreja Católica principalmente por não vacilar ao ser indagada sobre os temas da legalização do aborto e da união civil entre casais do mesmo sexo. A grande mídia também incidiu contra Verónika difundindo notícias que tentavam ligá-la ao terrorismo ou à situação atual da Venezuela, aos esquemas de corrupção envolvendo o PNP e a primeira-dama Nadine Heredia. Embora todas as acusações tenham sido levianas, esses ataques contribuíram para afetar a confiança de alguns setores na figura de Verónika e na campanha da Frente Ampla, devido à ferida histórica que envolve a esquerda no Peru, favorecendo PPK.
Quem é Pedro Pablo Kuczinsky, o PPK?
Às vésperas do 1º turno estavam consolidadas como principais candidaturas Keiko Fujimori, já garantida no 2º turno, e a briga voto a voto entre PPK e Verónika. Kuczinsky é economista, empresário, ex-ministro em governos anteriores, com histórico de privilegiar empresas estrangeiras na exploração dos recursos naturais peruanos, de privatização de setores estratégicos como o energético e de uso indevido de sua influência institucional, sendo citado no Panamá Papers por isso; realizou uma campanha milionária aparentemente bancada por grandes empresas estrangeiras, não tendo declarado de modo transparente seus financiadores. Filho de um alemão com uma suíça, viveu mais de trinta anos fora do Peru, o que o fez ter sotaque estrangeiro e ser apelidado de “gringo” por parte dos críticos e da população peruana. Sua campanha defendeu o livre mercado, a redução de impostos e a criação de empregos por meio de investimentos públicos e privados. Foi candidato em 2011, ficando em 3º lugar, e no 2º turno apoiou Keiko Fujimori contra Ollanta Humala, o que denota bem sua localização no cenário político peruano.
PPK trabalhou no Banco Central do Peru e no Banco Mundial nos EUA, e também em diversas empresas estrangeiras. Foi ministro de Economia e Finanças no governo de Alejandro Toledo (2001-06), período marcado por relevante crescimento econômico. Tudo isso faz com que parte da opinião pública o veja como uma boa escolha para este momento de desaceleração econômica em que está entrando o país.
Um país dividido no segundo turno
O resultado do 1º turno em 10 de abril foi Keiko com 39%, PPK com 21% e Verónika com 18,8%. Dos 26 estados, Keiko venceu em 17. Verónika venceu em sete estados (Tacna, Moquegua, Puno, Cusco, Apurímac, Ayacucho e Huancavelica). Gregorio Santos venceu em Cajamarca. E PPK venceu apenas no estado de Arequipa. No congresso nacional as três principais candidaturas elegeram: 73 parlamentares por Força Popular (Keiko), 20 por Frente Ampla (Veronika) e 18 por Peruanos pela mudança (PPK).
Com a consolidação do 2º turno entre Keiko e PPK, imediatamente iniciou-se a pressão sobre o posicionamento da Frente Ampla e Verónika Mendoza nesse cenário. Seguindo o sentimento da base ratificado em um conselho nacional da Frente realizado 15 dias depois do 1º turno, a decisão foi de que a Frente seria absolutamente contrária à candidatura de Keiko Fujimori e também não iria apoiar a PPK, por representar o mesmo modelo de desenvolvimento para o Peru que Verónika durante a campanha rechaçou e combateu. Toda a campanha durante o 2º turno foi muito acirrada, com Keiko à frente por uma margem bastante oscilante e que não passava 1%. Nos últimos 15 dias, as pesquisas indicaram um pequeno aumento da porcentagem de Keiko sobre PPK, o que acirrou os ânimos de toda população e aumentou a pressão para os eleitores indecisos entre o voto nulo/branco e o voto em PPK.
De modo geral o movimento Keiko No Va se posicionou publicamente pelo voto em PPK, bem como algumas organizações como centrais sindicais e associações de categorias. Na semana anterior ao 2º turno, Verónika Mendoza e alguns parlamentares eleitos pela Frente Ampla, de modo pessoal, acabaram por chamar voto em PPK como um anti-voto a Keiko, contra o retorno do fujimorismo na política peruana. Foi uma decisão que repercutiu polemicamente, pois a pressão para o voto nulo/branco foi a maior das últimas eleições, justamente pela experiência acumulada com a eleição e o governo rechaçado de Ollanta Humala.
Existiu um eco entre os diversos setores da população de que a opção por apoiar PPK no último momento já indicaria uma capitulação de Verónika Mendoza e, consequentemente, da Frente Ampla. Entretanto, o que o resultado eleitoral do 2º turno mostrou foi uma combinação de fatores entre a influência decisiva da posição assumida por Verónika às vésperas da votação, a repercussão das mobilizações anti-Keiko e a ação midiática do setor da burguesia mais comprometido com a cartilha tradicional do neoliberalismo. De fato, a vitória de PPK correspondeu ao enorme sentimento anti-Fujimori da parte de diversos setores sociais, por motivos distintos. Esse resultado confirmou análises realizadas durante o período eleitoral de que qualquer candidato que chegasse ao 2º turno teria uma chance significativa de vencer Keiko, já que seu índice de rejeição sempre se manteve muito alto – de 40 a 50%.
O resultado do 2º turno coroa a divisão bastante contraditória que vai gerir o país nos próximos cinco anos: PPK venceu com 50,1% contra 49,9% de Keiko. Lembrando, porém, que o fujimorismo conquistou a maior bancada do congresso, isto é, o novo poder executivo se encontra sob o desafio de governar com um congresso de maioria como oposição. Além do cenário econômico, quando já há sinais de desaquecimento no crescimento e se começa a sentir os efeitos da crise do modelo neoliberal presente no mundo todo.
Por que Frente Ampla cresce?
Uma combinação de fatores pode ajudar a explicar o crescimento de Verónika Mendoza e Frente Ampla. Verónika foi uma jovem congressista pelo estado de Cusco, sul do Peru. A região sul é historicamente marcada no país pelas lutas socioambientais, pelo que Verónika se elegeu para o congresso nacional em 2011. Ou seja, é uma região que tradicionalmente impulsiona figuras progressistas e de esquerda, devido às fortes lutas sociais. O programa apresentado por Frente Ampla abarcava as reivindicações desses movimentos, inclusive por meio da participação mesmo em sua composição de diversos atores sociais dessas lutas, bem como de outros movimentos de outros temas.
Uma parte do destaque que teve Frente Ampla também pode ser atribuída ao processo de primárias abertas, chamadas de eleições cidadãs abertas, que mostrou a Frente como uma organização disposta a processos novos e radicalmente democráticos, e chamando a participação do povo já na escolha dos candidatos, antes mesmo das eleições em si. Isto é, estimulando um modo de participação e envolvimento que não se limita ao voto oficial, podendo abarcar o processo de construção de uma alternativa política desde seu início.
Por fim, um fator determinante foi a própria figura de Verónika Mendoza. Em um cenário mundial que tem debatido e trazido à tona, de modo muito contundente, o protagonismo feminino na política, Verónika, também a partir de suas qualidades marcantes como militante e figura pública, foi se consolidando como liderança inquestionável da Frente. Um vídeo bastante difundido nas redes sociais mostra um programa de TV em que o apresentador, tradicionalmente conhecido por sua postura incisiva contra a esquerda, dirige-se à Verónika perguntando em francês, com a intenção de pôr em dúvida sua principal nacionalidade como peruana, por sua mãe ser francesa e por ela ter realizado sua graduação e pós-graduação na França. Verónika, por sua vez, responde em perfeito quechua, neutralizando completamente a ironia do apresentador. Esse episódio foi fundamental na consolidação de Verónika como uma candidata nata da identidade histórica peruana, e todos esses fatores somados a postularam como a principal figura de oposição aos partidos e campanhas tradicionais.
O crescimento de Verónika impressionou e pautou toda a campanha eleitoral. Sua campanha era a única que falava de resgatar as bandeiras abandonadas por Ollanta Humala, que reivindicava o rompimento com o nacionalismo e a persistência na defesa do projeto que elegeu o último presidente. Os principais eixos foram: a defesa de uma assembleia constituinte, abandonando a constituição fujimontesinista de 1993; a defesa da soberania nacional sobre os recursos naturais – contra os megaprojetos mineradores de Conga e Tía Maria e contra a privatização da administração e fornecimento de água; e a defesa de um estado plurinacional e pluricultural que respeite a diversidade dos diferentes povos que vivem no Peru e os direitos da juventude, das mulheres e das LGBT. Ou seja, a campanha da Frente e de Verónika conseguiu vocalizar parte da esperança e da expectativa de transformação radical contida no povo peruano, manifestada no histórico e na atualidade das lutas, que sofreu um duro golpe com a traição de Humala. Sua campanha representou as mobilizações contra os projetos mineiros transnacionais, contra a precarização da educação e do trabalho da juventude e também o forte sentimento anti-Keiko. Um dos motes da campanha era “por uma mudança real, Frente Ampla e Verónika Mendoza!” e se falou muito em mudança profunda de modelo de desenvolvimento, com inversão de prioridades, colocando o povo e suas necessidades no centro das prioridades. Seu crescimento foi notável entre os jovens, as mulheres, no interior do Peru e entre os setores mais pobres da população.
Vitórias e desafios da Frente Ampla no Peru
Para a esquerda, uma vitória do processo eleitoral de 2016 foi a derrota da figura de Ollanta Humala e do PNP. Humala terminou seu mandato com um rechaço de 83% de acordo com pesquisas de opinião. Ao se somar o resultado de Verónika com o de Gregorio Santos chega-se a 23%. Esse resultado e o rechaço a Humala são uma demonstração de que o projeto do nacionalismo que desviou de rota foi derrotado, porém, sem a destruição total de perspectivas para a esquerda. Apesar do esforço da direita e da grande mídia em ligar as propostas defendidas por Verónika e Gregorio à ideia de um novo nacionalismo, de uma repaginação da campanha de Humala, ou seja, mais uma vez a história de promessas de mudanças radicais que terminam em traição, foi massiva a resposta positiva a esse cenário, mais de 20% da população segue acreditando e disposta a confiar e construir um projeto de enfrentamento ao modelo neoliberal de desenvolvimento.
Agora a Frente Ampla enfrenta a grande tarefa de coordenar a 2ª bancada de congressistas nacionais nos próximos cinco anos e postular-se para liderar a real oposição ao governo Kuczinsky, uma vez que a bancada fujimorista defende o mesmo modelo econômico que PPK – ainda que até agora esteja colocando-se como oposição para demarcar a derrota para o executivo por uma margem muito pequena versus o tamanho de sua bancada no congresso.
Uma expressão bastante interessante e relevante da consolidação da Frente Ampla como projeto são os espaços de base. O contingente social que se organizou desde o início das primárias abertas até este período pós-eleitoral segue em crescimento acelerado. Setores de jovens e mulheres que somaram seus movimentos independentes à campanha de Verónika e da Frente passam a compor setoriais que seguem ativas. Comitês de campanha de bairros têm se transformado em núcleos, que por sua vez têm pleiteado que se oficializem conjuntos de núcleos como uma espécie de diretórios distritais. Sem dúvida, uma ampla parte dos setores mais dinâmicos da luta social atualmente no Peru está se organizando pela Frente Ampla, ou a tem como principal parceira, sejam os setores tradicionais, sejam os recém-formados.
Desde o fim do 1º turno, a Frente Ampla tem priorizado sua organização e coesão interna, realizando reuniões de balanço e perspectivas desde os organismos de base. Em setembro deste ano ocorreu o 2º congresso nacional da Frente Ampla, que debateu e deliberou sobre: o balanço eleitoral de 2016, a declaração de princípios da Frente, o plano de ação política a curto prazo e os princípios e comitê de ética da Frente. A principal polêmica presente neste 2º congresso foi o tema da institucionalização da Frente Ampla, ou seja, o debate em torno de seguir como frente eleitoral, com cada organização interna podendo ter sua inscrição legal como partido, realizando suas filiações, ou se a Frente Ampla passaria a ser um partido único, conformado por correntes internas centralizadas em uma só inscrição legal, com filiações para a própria Frente. Neste debate estão pontos-chave que transcendem as questões organizativas formais da justiça eleitoral, isto é, a Frente ser um partido legal ou não é, sobretudo, uma discussão política de fundo, que atravessa o debate de tática e estratégia aos quais se dispõe cada organização e a Frente em si.
A composição e as disputas no interior da Frente Ampla
Dentro da Frente, diversas correntes políticas e alguns partidos legalmente inscritos têm convivido. Porém, todo este período pós-eleitoral e o processo de balanço e perspectivas vieram demonstrando diferenças importantes no debate interno da Frente. Há diferenças de análise e caracterização sobre o que significou o resultado eleitoral de 2016, o que faz surgirem propostas de políticas diferentes para a Frente Ampla para o próximo período.
As divergências da Frente na realidade têm refletido processos de divergências internos de algumas correntes e partidos que a compõem. A legalidade da Frente hoje é garantida pela corrente Tierra y Libertad, corrente liderada pelo congressista Marco Arana, que também foi candidato a primeiro vice-presidente pela Frente nas eleições deste ano. Era o maior setor componente da Frente, pois já conta com seis anos de existência como partido político. Porém, tem atravessado um processo de rupturas justamente por diferenças na análise, caracterização e política para a Frente Ampla e para a esquerda peruana. Desde o final das eleições a crise dessa organização tem trazido bastantes questões no interior da Frente, principalmente o debate sobre a abertura da Frente às novas filiações das centenas de ativistas que se somaram ao longo da campanha e no pós-eleitoral.
Nesse sentido, uma parte das correntes políticas componentes da Frente, acompanhada de Verónika Mendoza, decidiram por dar um passo mais concreto rumo à maior institucionalização da Frente Ampla, ao buscar uma nova inscrição legal na Justiça Eleitoral peruana. Ou seja, está se conformando um bloco de grupos políticos e independentes que buscarão mais uma inscrição legal para a Frente, o que possibilitará incorporar a militância que já participa da Frente desde o início deste ano mais todos os que se somaram durante a campanha e o período pós-eleitoral sob a mesma organização, com os mesmos direitos e deveres. Este bloco tem se organizado a nível nacional seguindo o mesmo modelo organizativo da Frente Ampla, com os organismos de base e de direção baseados no que já têm a Frente. Nesse próximo mês de dezembro realizarão o evento de lançamento oficial do bloco que se chama Movimiento Nuevo Perú. Protagonizando este bloco dentro da Frente Ampla estão as correntes: Movimiento Por la Gran Transformación, Partido Socialista, um setor de ruptura com Tierra y Libertad chamado Democracia y Libertad, um setor de ruptura com Sembrar, Pueblo Unido, Patria Ciudadana y Dignidad y Democracia, bem como alguns pequenos grupos regionais. A principal justificativa que colocam essas organizações e Verónika Mendoza para conformar este bloco é democratizar essa nova fase da Frente Ampla, permitindo uma abertura consciente e construída ao crescimento advindo do resultado eleitoral de 2016, tendo em vista a defesa que a Frente Ampla não seja apenas uma ferramenta eleitoral, e sim um projeto de alternativa política, social e de governo para o país.
A atuação da Frente Ampla e a reação da direita
Há apenas poucos meses desse novo governo já se nota o prognóstico colocado pela Frente desde o fim do 2º turno de que a real oposição ao governo PPK será feita pela Frente Ampla. Tanto o fujimorismo quanto a bancada de PPK, ao fim e ao cabo, ainda que eventualmente sob alguma disputa de liderança, convergem na mesma política capitalista neoliberal. Por exemplo, tanto o fujimorismo quanto o governo de PPK são favoráveis a medidas como o TPP – sigla em inglês para Tratado Transpacífico, um acordo comercial protagonizado pelos EUA que sob um discurso de aproximação dos mercados dos países do Pacífico nivelará por cima o preço dos medicamentos, favorecerá o controle dos EUA sobre o acesso à informação nos demais países e proporcionará uma série de facilidades para o investimento estrangeiro e a apropriação das propriedades intelectuais dos países da América Latina. No tema da luta contra a corrupção há denúncias acumuladas contra figuras do fujimorismo. No lado da atual presidência, recentemente um dos assessores políticos de PPK foi denunciado por praticar fraudes escandalosas para beneficiamento particular através do sistema público de saúde.
Nestes aspectos a atuação da bancada de congressistas da Frente Ampla tem sido contundente. Bem como nos já conhecidos conflitos socioambientais decorrentes da expansão do investimento estrangeiro na exploração dos recursos naturais do país.
Pesquisas recentes mostram que Verónika Mendoza tem se consolidado como uma das principais figuras da política peruana, atrás apenas de Keiko Fujimori. É evidente que a Frente e Verónika se consolidaram como alternativa eleitoral para as próximas eleições nacionais. O fujimorismo, já com vistas a impedir o crescimento de uma alternativa política no cenário peruano, tem formulado projetos de lei para dificultar o caminho para a Frente Ampla e Verónika Mendoza. Está em elaboração uma lei que colocará a exigência de um mínimo de três anos de existência para que um partido possa se postular à presidência – medida para pressionar o projeto que Verónika protagoniza com o bloco Nuevo Perú, que busca uma nova inscrição para a Frente Ampla; tanto é que esse projeto de lei internamente no congresso tem o apelido de “Verónika no va” e “No a Verónika 2021”, tamanho é o receio da direita com o espaço que a Frente e Verónika vêm conquistando.
Perspectivas para a Frente Ampla e para a esquerda peruana
Contudo, no meio do caminho para 2021 estão as eleições municipais de 2018. Como então se colocará a Frente Ampla? Um dos desafios colocados desde já inclui a construção de um programa de governo e atuação política nos níveis abaixo da escala nacional, em que se realizou essa primeira experiência eleitoral da Frente. E também a constituição e formação de lideranças locais capazes de expressar esse programa.
Ficam algumas questões pendentes importantes a serem debatidas no período que se segue. Que abertura terá a Frente Ampla para setores que se mantiveram por fora da Frente até agora, como Gregório Santos e o movimento que encabeça – e que teve o resultado expressivo de 4% dos votos, apesar da candidatura quase clandestina? Ou como os partidos da chamada “velha esquerda”?
Para além das perspectivas eleitorais, há todo um cenário em aberto. Em que os indícios são de que a crise econômica mundial seguirá se agravando, o que por sua vez tem como uma de suas expressões o aumento da pressão para que iniciativas de exploração de recursos naturais e humanos em países como o Peru e semelhantes na América Latina se intensifiquem, ou seja, agravando os conflitos socioambientais; cada vez mais esse modelo de institucionalidade em decadência, sendo questionado pelo fortalecimento de novos movimentos sociais autônomos, com democracia direta e transparência como princípios, face aos escândalos de corrupção que não param de surgir (vide como a operação Lava Jato do Brasil consegue chegar em outros países, como o Peru); em que os jovens vêm demonstrando que não irão ficar por fora da política e não vão deixar que levem seus direitos, como se levantaram contra a reforma universitária em 2013 e derrubaram a Lei Pulpín de 2015; em que as mulheres e as LGBT vêm cada vez mais fortalecendo sua auto-organização e a luta por seus direitos; em que os camponeses e povos originários permanecem resistindo fortemente às tentativas de exploração e destruição desenfreada de seus territórios.
Atualmente, a esquerda latino-americana tem debatido bastante a tese do fim da etapa dos chamados “governos progressistas” e o avanço de uma onda conservadora na região. É fato que temos visto um novo crescimento da organização dos setores mais reacionários e conservadores da política em diversos países pelo mundo, não só em nossa região. Mas há também a ideia de que este crescimento é consequência da polarização que a crise da institucionalidade que temos vivido tem provocado, ou seja, a crise da velha política abre espaço para o surgimento de novas formas de organização, novas formas de manifestação, e para nada a direção deste espaço está garantida para um lado ou para outro, está em aberta disputa de rumos.
Os desafios colocados para a Frente Ampla são muitos, e o desenrolar de sua história, junto aos movimentos sociais e à classe trabalhadora no Peru, especialmente neste momento da conjuntura latino-americana, certamente será fundamental para uma nova etapa da esquerda no mundo.