Eleições 2016: primeira leitura de balanço e perspectivas

Documento publicado em 14 de Outubro de 2016 pelo Movimento da Esquerda Socialista.

Secretariado Nacional do MES 14 out 2016, 20:41

Esse é um primeiro balanço de um intenso processo eleitoral, onde participamos ativamente, nos jogando para defender o PSOL como uma alternativa real para milhões de brasileiros. Tampouco podemos ter definições cerradas ou categóricas ao extremo. Nesse momento, se disputam importantes eleições no segundo turno, onde o PSOL tem presença em três delas: Belém (PA), Sorocaba(SP) e Rio de Janeiro. Nesta última, se decide muito do signo para os embates que virão, onde Marcelo Freixo expressa um amplo setor democrático radical que pode servir como um polo de esperança para as batalhas que virão.

Assim, consideramos inicialmente o resultado de uma eleição que foi determinada pelo que chamamos de “fim de ciclo”. Este é o marco fundamental para nossas elaborações. As eleições municipais de 2016 tiveram como resultado mais importante a vitória eleitoral da direita, em particular do PSDB, com o aparecimento inédito de forma organizada – ainda que bastante minoritária – de forças da extrema-direita nas Câmaras Municipais e na vida política das cidades. Este crescimento foi de responsabilidade do PT, que durante 13 anos governou em colaboração com a burguesia e frustrou as expectativas de milhões, sobretudo por sua degeneração moral, que veio na esteira de sua capitulação política.

Depois de governar 13 anos com um pacto de classes a serviço dos grandes capitalistas e banqueiros, o PT foi desalojado do poder através de um golpe palaciano. Seu principal sócio, o PMDB, abandonou seu acordo com a Dilma e se passou para as trincheiras da oposição, protagonizando o processo de impeachment da presidente. Desgastada por ter um programa de ajuste contra os trabalhadores, Dilma não foi defendida pelo povo. Nem o PT foi defendido pela população, acossado por enormes escândalos de corrupção, descobertos na megaoperação chamada de Lava-Jato. A associação com os grandes empreiteiros e a casta política levaram à prisão os donos das principais construtoras do país como a Odebrecht e a OAS, bem como dirigentes importantes do PT como José Dirceu, Antônio Palocci e tesoureiro João Vaccari.

Neste quadro de apatia e desencanto, a economia não consegue progredir, com uma queda no poder aquisitivo das famílias trabalhadoras, um aumento no desemprego, com vários postos na indústria e no comércio sendo fechados. O novo governo, ilegítimo, de Michel Temer também está diretamente envolvido na corrupção revelada na Lava-Jato e aponta uma agenda de retirada de direitos, como o congelamento do orçamento para saúde e educação, a reforma trabalhista, que amplia o número de horas semanais trabalhadas, e a reforma da Previdência, que amplia a idade mínima para a aposentadoria.

Assim, o resultado desta eleição fortalece a agenda conservadora do governo Temer e o domínio burguês, ainda que esteja longe de estabilizar este domínio, como prova a retumbante quantidade de votos nulos, brancos e abstenções, que em muitas capitais superaram os que venceram o primeiro turno. E mais ainda esta estabilidade fica distante quando se sabe que o governo segue sem apoio popular e não terá nada de bom para entregar ao povo. Ao contrário, promoverá ataques aos interesses populares e o povo, embora enfrentando terríveis dificuldades, não está derrotado.

O que refletiu as urnas foi o sentimento de apatia, com o crescimento da direita e uma débâcle do PT. E a débacle do PT atingiu a esquerda enquanto um todo ao desacreditar a possibilidade de uma alternativa ao regime do capital e à política tradicional.

Apesar desta dificuldade o PSOL cresceu, em particular nas capitais. Não cresceu, é certo, em todas, mas se tornou um fato nacional ao ir para o segundo turno na disputa do Rio de Janeiro. Tal fato não é suficiente para que o partido se torne uma alternativa de poder, nem ainda para que se afirme como capaz de superar as restrições antidemocráticas que estão sendo preparadas no Congresso Nacional. Mas, no caso de vitória, pode se converter no lugar privilegiado de recomeço da chamada esquerda brasileira.

O reverso da vitória do PSOL no Rio de Janeiro foi o resultado do PMDB carioca, que sofreu um revés importante em uma capital que era um de seus centros de poder. O PMDB também perdeu em Belo Horizonte e em São Paulo.

A militância do MES se jogou apostando numa hipótese, especialmente na batalha que demos em Porto Alegre: de que seria possível superar as dificuldades para colocar em pé uma alternativa de esquerda, renovada e contemporânea, com capacidade de disputa do poder local. Essa hipótese esteve colocada em Porto Alegre e corretamente apostamos todas as fichas no desenvolvimento dessa luta. Nos orgulhamos de ter apresentado Luciana Genro, cujo destaque programático ficou evidente e cujo resultado nos capacita para disputar influência de massas na capital gaúcha.

Mas a “brecha” para a conquista da prefeitura não pôde ser atravessada. A hipótese de vitória, ida ao segundo turno, que seria capaz de mudar a correlação de forças e construir uma ponte de continuidade com as demandas de Junho, não se deu em 2016. Se a brecha aberta tivesse se confirmado até o final poderíamos ter uma saída positiva e pela esquerda para a indignação, abrindo uma etapa como foi a de 1988, quando o PT expressou politicamente o ascenso e a busca por novos modelos políticos. E, mais recentemente, verificamos isso na vitória das prefeituras pela mudança por toda a Espanha, como parte do ciclo dos indignados, da conformação do Podemos e das “Confluências” nos municípios. Esta batalha ainda segue aberta no Rio de Janeiro, mesmo que com outra direção e sem os vínculos internacionalistas.

Ao não se confirmar a travessia da brecha, o que não se viabilizou foi a chance de surgir uma esquerda em curto prazo com peso de massas, que arrastasse as massas populares pelo exemplo prático de governo plebeu. Sabíamos que seriam eleições difíceis, já marcadas pela Lei Cunha, primeira expressão eleitoral das mudanças reacionárias do regime. Mas mesmo assim víamos também uma chance que nos abriria uma oportunidade histórica, a chance de uma excepcionalidade que poderia não impedir que o giro à direita fosse o que primasse no terreno eleitoral do país, mas que pelo menos se pudesse a disputar o signo deste balanço com contrapontos capazes de mostrar força para apresentar outra alternativa de poder.

A burguesia brasileira não poderia deixar a esquerda socialista galvanizar o descontentamento e desbordar pela esquerda a crise do regime; tendo leitura do processo ocorrido na Europa, buscou interditar a hipótese de um novo 1988. Sua luta foi pouco percebida por parte da esquerda, através da Lei Cunha, uma reforma eleitoral proscritiva que nos sacou quase que todo o tempo de televisão. Nossa corrente esteve na vanguarda deste combate desde o inicio. Mas perdemos a batalha e o PSOL enquanto um todo demorou para sair a campo nesta luta.

Eduardo Cunha cumpriu o papel reacionário de garantir o fechamento dessa janela, através de sua lei que foi sancionada por Dilma e apoiada pelos principais grupos de poder no país. Cunha, posteriormente cassado, foi um “fusível” útil que a burguesia mais lúcida queimou para remover o PT do núcleo do poder e ao mesmo tempo evitar o surgimento de um movimento eleitoral “a la Podemos”.

Isso explica por que nossos resultados foram mais modestos do que apareciam ser na primeira etapa da campanha, onde ainda não tinha se sentido o peso da TV. Tal fenômeno se demonstrou em várias cidades importantes, onde o PSOL já tinha logrado votações altas, como Fortaleza e Natal, e se deu de forma definitiva em São Paulo, onde Erundina, mesmo tendo sido prefeita e com uma grande simpatia por ter se perfilado contra Cunha, não conseguiu manter a votação inicial, terminando ultrapassada por Fernando Haddad – que tinha não apenas o tempo do PT, como o de Chalita, do PR e alguns outros partidos fisiológicos.

Também cumpriu um papel de dique de contenção a força que um setor do PT distanciado do núcleo lulista ainda conservou, multiplicado pela sua própria máquina e o tempo de TV. Foi o que ocorreu em Porto Alegre, São Paulo, Natal, Fortaleza e Recife, para citar as principais cidades. Isso ficou claro em comparação com o Rio de Janeiro, onde o PT já não disputa o movimento real em muito tempo, desde a intervenção contra Vladimir Palmeira, no longínquo ano de 1998. O PT, aliás, era até então o principal aliado do PMDB no Rio de Janeiro, com Adilson Pires na vice-prefeitura de Paes. Sem falar na amizade que Lula nutria por Paes, revelada de forma grotesca no diálogo sobre a condenação de Lula. Nesse caminho, foi o PSOL que já em 2012 se anunciou como esquerda real e que agora ganhou os votos de oposição, deixando Jandira e Molon nos últimos lugares da disputa. Assim, onde o PT já não existia, o PSOL capitalizou e pôde se apresentar como alternativa.

A “mancha” na bandeira da esquerda causada pelo PT, CUT e seus satélites custou caro para o conjunto das forças democráticas radicais nessa eleição. Assim, o resultado fortalece a agenda conservadora do governo Temer e o domínio burguês, ainda que esteja longe de estabilizar este domínio, como prova a retumbante quantidade de votos nulos, brancos e abstenções, que em muitas capitais superaram os que venceram o primeiro turno.

Apatia, indignação e desencanto

O sintoma mais evidente da crise do regime se verificou durante todo o período eleitoral: a apatia que cruzou o conjunto do processo. Não houve nenhuma comoção, as campanhas foram todas muito apáticas, e o que marcou foi a rejeição ao conjunto dos “políticos”.

Somada à indignação, o clima morno da campanha gerou um fenômeno abstencionista expressivo na votação. Cerca de 17% do eleitorado total do país sequer compareceu as urnas. Contudo, a soma de votos nulos, brancos e abstenções chegou a ser majoritária nas principais cidades do Brasil, um dado incrível. Tal soma ganhou em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Cuiabá, Curitiba, Porto Velho, Campo Grande, Belém, para citar as capitais.

Analisando São Paulo, onde Doria venceu já no primeiro turno, com 3.085.187 votos, a soma dos votos nulos, brancos e abstenções superou essa marca, obtendo 3.096.304 eleitores. O peso expressivo do “não voto” é a tradução do desgaste do regime, aparecendo uma grande bronca com os “políticos”, todos eles envoltos na casta e nos grandes esquemas de corrupção, além dos inúmeros estelionatos eleitorais cometidos tanto pela “esquerda”, no caso o PT, quanto pelos partidos da “direita”.

Há que se agregar o dado que a pesquisa de opinião que saiu na semana seguinte ao pleito demonstrou: que Michel Temer segue sendo repudiado pela maioria da população, onde quase dois terços desaprovam sua gestão.

Ao mesmo tempo, os votos nulos, brancos e abstenções, mostram a dificuldade das massas encontrarem um canal positivo de descontentamento. O fracasso do PSTU, talvez definitivo, é também expressão de que a mera denúncia do regime não foi capaz de fazer esta ponte entre a indignação e a construção de outra política.

Vitória eleitoral do PSDB e da direita

O PT foi castigado de uma maneira sem precedentes pelo eleitorado. Perdeu 60% das suas prefeituras, ganhou apenas a capital do Acre e só disputa o segundo turno em Recife. Pela primeira vez, o partido não atinge sequer 1 milhão de votos para a prefeitura de São Paulo, não vencendo em nenhuma das 57 zonas eleitorais da cidade. No ABC, berço industrial do lulismo, é muitíssimo provável que o PT não eleja nenhum prefeito.

Tal situação beneficiou principalmente o PSDB, o partido “titular” da direita brasileira. O burguês João Doria, aposta arriscada de Geraldo Alckmin, venceu em São Paulo, já no primeiro turno. O triunfo tucano se repetiu em outros 14 municípios brasileiros com eleitorado acima de 200 mil pessoas. Os tucanos disputam ainda o segundo turno em 19 outras cidades importantes, como Belo Horizonte, Manaus, Belém, Porto Alegre, Maceió, Porto Velho, Campo Grande e Cuiabá. O PSDB atingiu seus maiores índices históricos, com 17,6 milhões de votos, sendo consagrado o maior vencedor das eleições.

No segundo turno, a se confirmar o prognóstico de vitória em Porto Alegre e Belo Horizonte, governarão três das quatro cidades mais importantes do Brasil.

Também no eixo mais reacionário podemos citar a vitória do DEM em Salvador, com ACM Neto chegando a 74% dos votos; a vitória tucana em cidades grandes de São Paulo, como São José dos Campos, Santos, com boas chances de ganhar no segundo turno em Santo André, São Bernardo e Ribeirão Preto, também celebrando a vitória do PSB como sua linha auxiliar em Campinas. Em Curitiba, Greca também é um polo reacionário que se reforçou no primeiro turno, numa disputa com o também conservador Ney Leprevost.

A explicação para esse giro à direita na superestrutura política do país remonta à combinação do avanço das forças conservadoras nas ruas e na sociedade, sua expressão mais viva foi a marcha do dia 15 de março de 2015 na Paulista [que conceituamos como “simulacro” em resposta às manifestações de Junho de 2013], com o desprestígio causado pelo governo do PT à ideia geral de “esquerda”. Após governar por 13 anos sem resolver os gargalos estruturais desse país, a condução burocrática do lulismo gerou uma enorme confusão no movimento de massas, com algumas de suas principais lideranças enriquecendo às custas de grandes negócios com os maiores capitalistas do país sendo presos em escândalos de corrupção.

A direita capitalizou o desgaste do regime, ainda que com um discurso hipócrita. Doria, por exemplo, se apresentou como um homem de sucesso fora da vida política, criticando os excessos dos “políticos”. O milionário que se tornou conhecido pelo programa televisivo “O Aprendiz” buscou se constituir como antítese da rotina política. Mas uma antítese bem-vestida de burguesa, o que não permite identificar seu voto com qualquer negação crítica ao regime burguês de turno.

Outros também fizerem este discurso nas disputas locais. Marchezan em Porto Alegre, também do PSDB, igualmente buscou se apresentar como novidade. Mas sua biografia de filho de um dos dirigentes civis da ditadura, por mais que não seja conhecida pelas massas, impede aceitar como minimamente crítico qualquer voto que tenha sido nele depositado.

A vitória da direita é, portanto, real e irrefutável. Tal vitória condiciona e reforça as piores agendas restritivas na vida nacional e nos parlamentos locais. Como fruto direto dessa nova conjuntura, já foram aprovadas a nova lei do Pré-Sal e, mesmo com certa folga, a PEC 241 – em primeiro turno -, também conhecida como “PEC do fim do mundo” pelo congelamento dos gastos essenciais em saúde, educação, etc.

Há um salto na organização de novas expressões dos setores mais direitistas. Nota-se um crescimento da presença de setores da chamada “bancada fundamentalista”, atuando como elemento de despolitização, sobretudo nos bairros e periferias dos grandes centros urbanos. Com seu discurso contrastando com os avanços no terreno da luta pelos direitos civis, se organizaram mais e melhor a partir de setores das maiores igrejas evangélicas.

A Igreja Universal disputou para valer nas duas principais cidades do país. O Bispo Crivella tem chances reais de vencer a disputa contra Freixo no segundo turno. Seu discurso foi adaptado para uma versão mais “laica” e de um fundamentalismo “moderado”. Mas é parte do mesmo fenômeno de ocupação de espaços em meio à crise social e de referência dos setores evangélicos nas camadas mais pobres da classe trabalhadora brasileira. Quando essa disputa é levada a quente, setores mais radicais de direita crescem, como pastores que defendem a luta contra os direitos humanos e que multiplicaram sua presença nas câmaras municipais.

De outra parte, houve uma organização da direita ideológica e da própria extrema-direita, com a eleição de jovens vinculados ao MBL, com o posicionamento mais claro dos Bolsonaro no Rio de Janeiro – tanto na boa votação de Flávio à prefeitura quanto na proporcional, onde Carlos foi o mais votado do Rio. Vão existir, de forma articulada, bancadas da direita e da extrema-direita em todo o Brasil.

A disputa pela direção política do bloco conservador no país está longe de se decidir. Alckmin, Serra e Aécio vão seguir enfrentados dentro do ninho tucano. E setores de direita vão marcar distância de Temer, exigindo desse uma posição cada vez mais subordinada.

PT: Uma derrota de caráter histórico

Entre analistas burgueses, articulistas da mídia e mesmo entre a esquerda há um grande consenso no balanço eleitoral: o PT sofreu uma derrota de caráter histórico.

Perdeu mais de 10 milhões de votos, caindo de terceiro para décimo partido na preferência do eleitorado brasileiro. Dos 17,2 milhões de votos que obteve em 2012, caiu para apenas 6,8 milhões, saindo de 632 prefeituras eleitas naquele ano para 256 nesse pleito.

Como parte do próprio clima que ajudou a criar, reprimindo as manifestações de 2013 e sancionando a Lei Cunha, Dilma e o PT foram castigados em seus principais recintos. Sua derrota mais sentida foi a de São Paulo, com Haddad, mas o PT também perdeu prefeituras como Guarulhos, Osasco e São Bernardo do Campo. Mesmo onde governa, como no Ceará e na Bahia, o PT saiu derrotado. Sua única vitória numa capital foi em Rio Branco. No segundo turno, disputa em condições adversas em Recife.

Nas outras cidades, o PT não tinha condições de vencer, mas acabou atuando para interditar o desenvolvimento de uma ultrapassagem à sua esquerda.

Tal derrota desautoriza o PT como alternativa para amplas massas. Mesmo que tenha buscado reunir alguns setores de uma vanguarda ampliada sob a narrativa do “Fora Temer”, o resultado eleitoral atingiu em cheio ao partido, que agora vive uma intensa luta interna sobre seus rumos, com muitos setores descontentes como Olívio Dutra, que clama pela renúncia da atual direção e a convocação de um congresso extraordinário.

A inconsistência do discurso “Fica Dilma” se notou no número de alianças com o PMDB, chanceladas pela Direção Nacional do PT. Foram mais de 1000 cidades em todo o país. E se materializou na vitória do dirigente do PT Edinho Silva, em Araraquara (SP), aliado ao PP.

Ainda no âmbito desse campo político, algumas variáveis buscam disputar o espaço. A Rede saiu muito fragilizada das urnas. Não conseguiu expressar a visão do “novo”, com Marina consolidando seu perfil menos relacionado à esquerda, Molon fracassando no Rio, perdendo uma das suas principais referências para o PSOL via Raiz/Erundina, e Clécio aliado ao PSDB e DEM na disputa por sua reeleição em Macapá.

O PCdoB experimentou um crescimento contraditório: ampliou sua presença institucional no Maranhão, onde Dino agora cumpre um papel ainda maior na direção desse partido, e perdeu nas principais cidades, à exceção por enquanto de Aracaju, onde disputa o segundo turno. Ficou sem presença legislativa em Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo, onde também perdeu a cadeira de vice-prefeita; perdeu sua ‘prefeitura/símbolo’ em Olinda, onda a referência nacional do PCdoB sequer foi ao segundo turno.

A primavera das mulheres nas Câmaras Municipais

A “novidade” nas eleições não se verificou apenas por novos setores da direita; também houve um fenômeno muito progressivo que merece ser destacado. A vitória política que significou a eleição de feministas para as câmaras de vereadores em todo país.

Como ecos de Junho, a Primavera das Mulheres se expressou no processo eleitoral. Nas principais cidades do país, a votação das mulheres foi destacada: Fernanda Melchionna como mais votada de Porto Alegre; Áurea Carolina a mais votada da história de Belo Horizonte; Sâmia Bomfim como ativista sendo eleita a primeira vereadora do PSOL na maior cidade do país; Marielle Franco no Rio de Janeiro, com um grande votação; Talíria Petrone em Niterói; Fernanda Miranda em Pelotas; Mariana Conti em Campinas; Marinor Brito em Belem; Fernanda Garcia em Sorocaba e também Cida Falabella em Belo Horizonte. Assim se completa a nova bancada feminista Brasil afora. E uma bancada feminista com a presença de três mulheres negras aponta uma dinâmica ainda mais contundente.

As grandes manifestações denunciando a violência contra mulher, em defesa da pílula e pela renúncia de Cunha marcaram o país nos últimos dois anos, na esteira do ambiente político aberto em Junho de 2013.

Nossa corrente, com setores independentes, impulsionou as lutas através das Juntas!, que de Norte a Sul do país lutaram para conquistar uma representação política da nova onda feminista em todo o Brasil. A campanha de Luciana Genro em 2014 já foi um salto na organização e na defesa de um programa para as mulheres.

O triunfo e a conquista desses mandatos representa um patamar superior da luta feminista na história do país. O fato de o PSOL ser o partido que abriga tais mandatos enriquece e dá muitas responsabilidades. Serão trincheiras decisivas em tempos de maior polarização.

PSOL se fortalece como alternativa para a esquerda socialista e democrática

Lutando contra a corrente, por conta da reforma feita por Cunha e o também afetados pelo estrago que o PT fez ao conjunto da esquerda, consideramos os resultados do PSOL como vitoriosos.

Estamos no segundo turno, como já citado, na disputa mais importante do país, o Rio de Janeiro, na cidade estratégica da região Amazônica, Belém, e num importante polo industrial paulista que é Sorocaba. No caso de Belém é necessário assinalar que fomos aliados ao PDT, o que não nos condenou a sofrer os efeitos da lei Cunha.

O PSOL avançou como uma alternativa de esquerda, para além do PT. Fomos o Partido que mais lançou candidaturas nas capitais, superando a marca de 10% em cinco capitais: Belém, Rio de Janeiro, Florianópolis, Porto Alegre e Cuiabá. Faltou muito pouco para vencermos a disputa em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, com o deputado Glauber Braga.

No Rio Grande do Norte, além de mantermos a bancada na capital Natal, conseguimos ganhar duas prefeituras: Jaçanã, onde se elegeu nosso primeiro prefeito LGBT, e Janduís.

Elegemos 53 vereadores, dobrando a bancada em SP, aumentando em 50% no Rio de Janeiro e em Porto Alegre, triplicando em Florianópolis, além de manter representação institucional em Belém, Salvador, Recife, Natal, Nova Friburgo, Campinas, Niterói, Viamão, entre outras cidades importantes.

Na comparação com o PT, nas dez maiores cidades do país, o PSOL tem 18 vereadores e o PT apenas 27, um sinal de que nossa curva ascendente também se verificou na votação dos maiores e mais avançados centros urbanos.

Reivindicamos e achamos importante o teor da primeira avaliação da Executiva Nacional do PSOL, sobretudo nos itens citados abaixo:

“7. Diante da crise vivida pelo PT, outros partidos buscaram ocupar o espaço à esquerda. Entre essas legendas, coube ao PSOL, lançando candidaturas em quase todas as capitais, se apresentar como o mais dinâmico polo aglutinador do voto de esquerda que deseja mudanças e acredita numa nova etapa da luta pela democracia e justiça social no Brasil. E os resultados do primeiro turno mostram um bom começo nesta tarefa.

8. As candidaturas do partido em várias capitais conseguiram romper o isolamento imposto pela legislação eleitoral. Foi assim que Luciana conquistou 12% dos votos e liderou as pesquisas durante boa parte da disputa. O mesmo ocorreu com Elson Pereira, alcançou 20% em Florianópolis, e com o Procurador Mauro, que obteve 24% dos votos em Cuiabá. Em duas capitais importantes estamos no segundo turno: Rio de Janeiro, com Marcelo Freixo (18%) e em Belém, com Edmilson Rodrigues (29,5%). Além deles, conseguimos emplacar o deputado estadual Raul Marcelo no segundo turno em Sorocaba (SP). Em outras cidades também tivemos boas votações, exemplo de Nova Friburgo, com Glauber Braga, e Niterói, com Flávio Serafini.

9. Além disso, destacamos a ampliação de nossa bancada de vereadores em todo o país, especialmente em importantes capitais, e a eleição de dois novos prefeitos, nas cidades de Janduís e Jaçanã, ambas no Rio Grande do Norte. Em todos os casos as candidaturas do PSOL conseguiram cativar os votos progressistas. Mesmo onde o discurso do voto útil nos afetou, como no caso de São Paulo, Luiza Erundina encarnou a disposição do PSOL de impulsionar o processo de reorganização da esquerda brasileira”.

A definição do segundo turno do Rio de Janeiro, onde se condensam os projetos nacionais em disputa vai ser a chave para pensar o tabuleiro político do Brasil que sai das urnas. Nesse quesito, o esforço concentrado do PSOL para potencializar essa vitória pode vir a definir o signo do real. Uma vitória abriria mais condições para dar o salto na representação do PSOL como alternativa de poder no Brasil.

Nossa batalha em Porto Alegre

Colocamos nossa força para a disputa de Porto Alegre. Apesar das dificuldades provocadas pela Lei Cunha, o PSOL cresceu e nos apresentamos e conquistamos o lugar da principal força de esquerda da capital. Embora não tenhamos vencido do PT em termos eleitorais, aparecemos como força de igual para igual, sendo a nossa uma força jovem e em dinâmica de crescimento, e a petista estagnada e envelhecida.

A título de comparação, Erundina não pôde evitar o voto útil em Haddad, terminando com 3% contra 16% do PT, enquanto em Porto Alegre PSOL e PT disputaram até o final, sem que a distância entre ambos fosse significativa: 16% contra 12%.

Nossas melhores expectativas, entretanto, não se confirmaram. A chance de fazer de Porto Alegre um polo nacional para construir uma alternativa de massas para o recomeço da esquerda não se viabilizou. Fizemos o máximo para tanto, mas as condições objetivas foram superiores as nossas forças subjetivas. E sem se preparar para tentar ganhar seria impossível cumprir o objetivo estratégico e decisivo de nos converter na principal força de esquerda da cidade. Este objetivo foi alcançado. Um objetivo também difícil, já que tratamos da cidade e do Estado do Brasil em que o PT é o mais enraizado de todos, com seus líderes mais à esquerda e com experiência administrativa de 16 anos.

Nossa aposta foi necessária porque não se pode disputar a direção sem jogar tudo para conquistar o extraordinário. A vitória eleitoral que seria conquistar o governo e mesmo de ir ao segundo turno – que era a hipótese mais real, menos excepcional – ficou longe, mas a postulação do partido como o mais importante da esquerda da capital do estado é real e pode ser feita. Nossa tese é que o PSOL em Porto Alegre saiu vitorioso neste que era seu principal objetivo estratégico. Mas para isso tivemos que mirar o “céu” e afirmar que a tomada do Paço Municipal era viável e nos preparar para isso.

E de fato trabalhamos praticamente durante um ano. Construímos o melhor programa, com um método extremamente democrático de participação, baseado na experiência mundial mais avançada atualmente, de Madrid e Barcelona. Nossa candidatura de Luciana Genro mostrou um enorme preparo e qualidade, dominando as questões programáticas de uma construção que ela mesma acompanhou e dirigiu pessoalmente.

A não participação do PSOL, resultado da nova regra, antes uma obrigação legal, era uma ameaça brutal contra a campanha. As posições nas pesquisas no início da campanha, as articulações políticas, inclusive os apelos democráticos à mídia e aos partidos, a força eleitoral dos nomes de Luciana e Marcelo Freixo, permitiram que a lei fosse flexibilizada pelo STF. Não mudou da mesma forma o tempo de TV escasso. A liberdade para as grandes emissoras nos garantiu estar nos debates em algumas cidades, mas na maioria o partido não foi convidado.

Iniciada a campanha a desigualdade no tempo de TV começou a se impor.

Acertamos em lutar para vencer

O quinto lugar deixou um gosto amargo na boca, mas o resultado da nossa disputa pela prefeitura de Porto Alegre foi uma vitória do PSOL.

Quando iniciamos o debate sobre a possibilidade de vencer as eleições, afirmamos que isso só seria possível se houvesse um movimento da cidadania, de baixo para cima, que tivesse capacidade para superar a força das máquinas, da desigualdade na TV e até uma possível ausência da nossa candidatura nos debates.

Iniciamos a campanha em primeiro lugar nas pesquisas, o que nos garantiu a presença nos debates. Mas, com o início do horário eleitoral e o funcionamento das máquinas do governo e dos partidos, era muito difícil não cair. Além de só termos míseros 12 segundos no horário eleitoral, Marchezan, Melo , Raul e Maurício tinham dezenas de inserções diárias durante a programação de TV, enquanto nós tínhamos apenas duas! A televisão mostrou que ainda tem muita força para formar opinião e influenciar as eleições. Mesmo sendo a campeã das redes sociais, nossa candidatura não conseguiu chegar com suas propostas a uma parcela grande do povo que apenas se informa pela televisão.

As expectativas de votos eram maiores. Mas, nas circunstâncias, 86 mil e 12% foi um resultado de massas.

A desigualdade da TV pesou mais do que imaginávamos. E a campanha de calúnias para tirar Luciana da liderança foi ainda mais pesada: começou com Maduro (essa não deu certo) e em seguida sobre os presos que seriam defendidos por Luciana e que todos seriam obrigados a defendê-los (a calúnia do “passe o Natal com um preso”).

Com o peso do atraso religioso em relação a temas como LGBTS e aborto, a campanha das Igrejas foi aberta e neste caso não era calúnia, o que lhe deu mais força. E também sofremos as calúnias do PT, mas estas apenas para evitar o movimento pró-Luciana e segurar as bases de Raul.

Como balanço é importante ainda que se diga duas coisas sobre Porto Alegre: como no país, os votos nulos, brancos e abstenções venceram do primeiro colocado. Nosso legado foi o voto de quase 90 mil pessoas de forma consistente.

Na nossa eleição proporcional, outro salto. Fernanda Melchionna, depois de oito anos de mandato, foi a mais votada da cidade com 14.630 votos, representando a onda das mulheres e o peso do mandato articulado com as lutas da cidade. Roberto Robaina entrou, com 8.354 votos, figurando entre os dez mais votados, colocando noutra qualidade a bancada do PSOL por sua experiência como dirigente nacional e fundador do PSOL. E tivemos ainda a reeleição nutrida do Professor Alex Fraga com 3.710 votos. Nossos dois suplentes expressaram a renovação: Karen, jovem feminista e negra, com perfil lutador, e Marcelo, expressão da saúde e dos bairros, com campanhas militantes. Saímos de 2 para 3 vereadores, apesar da nossa ainda baixa capilaridade e inserção nos bairros, realidade que estamos começando a superar, tomando como exemplo o que ocorre com o partido no bairro da Restinga. Ficamos muito próximos da quarta vaga, que seria possível caso o PSTU não tivesse rompido de última hora a aliança com o PSOL, que tinha sido autorizada no seu Congresso Nacional.

Acumulamos muito para seguir. O posicionamento de Luciana Genro nas eleições foi capaz de produzir vários deslocamentos, como a ruptura de um grupo nacional de dirigentes da Rede, como Luiz Eduardo Soares, Mirian Krezinger, Marcos Rolim, entre vários, e a entrada de dirigentes da Juventude Socialista do PDT/RS no PSOL.

Nossa acumulação no movimento popular foi nítida, entre rodoviários, saúde, municipários, bairros proletários como Restinga, Rubem Berta, Sarandi, Ocupações de moradia na Zona Norte, no movimento LGBT, na luta das mulheres feministas, entre diversas categorias e setores da cultura e da intelectualidade.

O crescimento do MES: maiores responsabilidades para reorganização da esquerda

O balanço de nossa corrente é muito positivo. Pela primeira vez, podemos falar em um salto nacional real nas cidades. Marcamos já o bom resultado em Porto Alegre, ampliado com os números do Rio Grande do Sul de conjunto, onde Jurandir Silva ultrapassou o PT e fez 12% dos votos em Pelotas, ajudando a eleger a primeira vereadora da cidade, Fernanda Miranda, e bons resultados na Região Metropolitana, sobretudo em Viamão, onde o partido, encabeçado por Romer Guex, teve mais de 10% dos votos e elegeu Guto como novo vereador do PSOL.

Sandro Pimentel foi reeleito vereador em Natal, quase triplicando sua votação. Seu mandato foi exemplar. Ainda em Natal, infelizmente não se reelegeu a vereadora Amanda Gurgel, do MAIS, por conta do sectarismo do PSTU, que numa aliança poderia ter garantido três vagas.

No Rio de Janeiro, elegemos David Miranda, coordenador da Casa de Juventude, com mais de 7.000 votos. A nossa juventude e apoios internacionais como Edward Snowden, Noam Chomsky e Naomi Klein, colocaram na Câmara carioca o seu primeiro vereador assumidamente LGBT.

Nossas vitórias foram tantas e múltiplas. Talvez a que fez a maior diferença tenha sido a entrada da primeira vereadora feminista da Câmara de São Paulo, Sâmia Bomfim, trabalhadora da USP e dirigente da Juntas! Uma verdadeira revolução para o MES e para o PSOL paulistano.

No Pará, há que se ressaltar também o bom desempenho da candidatura do companheiro Márcio Pinto (7,2% dos votos para prefeito) em Santarém, terceira maior cidade do estado. Márcio, aliás, assumirá um mandato de deputado federal, caso Edmilson – em ligeira vantagem na pesquisa IBOPE recém divulgada – retorne à prefeitura de Belém.

Dezenas de quadros e militantes do MES travaram o bom combate no terreno eleitoral, representando e lutando por nossas bandeiras nas cidades, entre elas São Gonçalo, Salvador, Belém, Marabá, Recife, Cascavel, Manaus, Itapevi, São Carlos, Rio Claro, Ribeirão Preto, São José dos Campos, etc.

Avançar na batalha do segundo turno, com Freixo, Raul e Edmilson

A grande tarefa imediata é construir as condições e o apoio às campanhas do PSOL no segundo turno.

A batalha decisiva do Rio de Janeiro vai dizer muito dos rumos políticos pós eleição. Estamos jogados nessa luta.

Na sexta-feira, Luciana Genro (junto com Sâmia, Fernanda e outras lideranças mulheres do partido) participaram do ato de apoio das mulheres a Freixo e Luciana Boiteux.

Vencer o Rio como parte do processo de recomposição da esquerda é a tarefa mais premente. Assim como vencer com Edmilson Rodrigues em Belém e com Raul Marcelo em Sorocaba. Na “Manchester paulista”, cabe salientar que o MES compõe a chapa de Raul Marcelo, na figura do professor Gilberto Cunha Franca, postulante à vice-prefeito da cidade.

Como parte do novo momento, a articulação de Luciana Genro como porta-voz nacional do partido, junto às novas vereadoras do PSOL no país, será parte de uma estratégia de resistência e colaboração para a “bancada feminista” nas cidades. Numa realidade mais polarizada, será necessária esta solidariedade entre os mandatos.

Junto a isso precisamos seguir buscando a unidade entre setores para resistir aos planos de ajuste do governo Temer, a começar pela luta contra a PEC 241 e a reforma do Ensino Médio. Apoiamos o processo de luta e as ocupações das escolas.

Atuaremos para construir um polo que também aglutine as forças revolucionárias e socialistas como parte do necessário recomeço da esquerda.

Seguimos apostando no desenvolvimento da luta nos bairros, nas novas gerações de jovens, nas mulheres, nos LGBTs, negras e negros, nas novas direções do movimento de trabalhadores. Essa é nossa aposta estratégica.

Seguimos construindo o PSOL para melhor lutar e organizar os desafios do futuro.

(14 de Outubro de 2016)


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Pedro Micussi