A marcha contra o indulto de Fujimori e a nova situação política do Peru

As recentes mobilizações no Peru demonstram para o governo e à direita peruana que o povo não se calará diante das tentativas de perdão ao ditador Fujimori.

Bernardo Corrêa 13 jul 2017, 20:00

Dezenas de milhares de peruanas e peruanos tomaram as ruas de Lima na última sexta-feira, 7 de julho, contra um possível indulto, anunciado recentemente pelo presidente Pedro Pablo Kuczynski (PPK), ao ex-ditador Alberto Fujimori. A Marcha, que teve como principal consigna “o indulto é um insulto”, contou com grande presença da juventude, das mulheres e das mais diversas organizações sindicais, sociais e políticas do país. Em meio a um conjunto de greves que ocorrem no Peru, a Marcha incrementa um cenário de grande polarização social que tende a se impor abrindo uma nova situação política no país.

A burguesia busca um acordo nacional contra o povo​​

O indulto a Fujimori tornou-se uma pauta do país após grande pressão da bancada fujimorista no Congresso da Repúbloca. A bancada, que é a maior do Congresso, aproveitou-se da debilidade do governo de PPK para coloca-lo contra as cordas.

Após escândalos e interpelações do Congresso, três ministros renunciaram de seus cargos desde novembro até o momento. Mariano González (Defesa) por nepotismo e Jaime Saavedra (Educação) por mau uso do dinheiro público na compra de computadores. Além deles, mais recentemente foi a vez de Martín Vizcarra, que ocupa também o posto de vice-presidente da República, ao renunciar ao cargo de Ministro dos Transportes e Comunicação após o vazamento de graves denúncias relacionadas ao contrato de construção do Aeroporto de Chincheros, na região de Cusco.

Entretanto, mais que revelar as tensões entre o governo e o fujimorismo, a tática da ingovernabilidade visa produzir um grande “acordo nacional” entre o governo e sua oposição de direita. O país, que vinha sustentando índices de crescimento no período recente, começa a dar sinais de estagnação econômica. A queda no preço das exportações de metais nos últimos anos – cuja extração é o maior aporte do PIB peruano – diminuiu consideravelmente as reservas e aumentou o endividamento público do país. O desastre socioambiental dos “huaicos” destruiu cidades inteiras, especialmente no norte peruano, e pressionou a inflação para cima. Os escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava-Jato paralisaram muitas das obras públicas em curso, especialmente aquelas que estavam a cargo da Odebrecht e suas sócias, e a instabilidade política diminuiu a taxa de investimentos públicos e privados. Logo, a burguesia peruana começa a clamar por um “acordo nacional”. Sendo assim, o bloco fujimorista usa o indulto do ex-ditador como uma espécie de pré-requisito para que eles possam participar do acordo junto ao governo. A reunião do dia 11 de julho entre Keiko Fujimori e PPK deu início a essa tentativa.

Os meios de comunicação, os setores empresariais e os partidos da ordem clamam pelo acordo nacional que tem como objetivo quatro grandes eixos:

  1. Retomar as taxas de investimento privado e o emprego especialmente nos obras de reconstrução das cidades afetadas pelos desastres ambientais, nas obras interrompidas pelos casos de corrupção e nos preparativos para os Jogos Pan-americanos de 2019;
  2. Buscar a estabilidade do regime político. Para isso, pretende-se entregar a Controladoria Geral da República ao economista Nelson Shack Yalt, que trabalhou no governo de Fujimori, instalar um gabinete “suprapartidário” e negociar a presidência do Congresso com as demais forças políticas, já que que o partido do governo abdicou de disputá-la;
  3. Implementar uma agenda neoliberal mais intensa que inclua a reforma trabalhista e um ajuste fiscal que permita a retomada do investimento público nas áreas de maior interesse para a burguesia;
  4. Realizar uma reforma política que dificulte a possibilidade do Movimiento Nuevo Perú de conseguir a sua inscrição eleitoral, bloqueando, portanto, o crescimento de uma alternativa em torno de Verónika Mendoza para 2021.

Contudo, não é tão fácil lograr este acordo. Em primeiro lugar, pelas próprias disputas no interior do fujimorismo que envolvem a liderança do partido Fuerza Popular e do Congresso. Em segundo, porque ainda que possa significar a salvação do governo e dos negócios da burguesia que o apoia, o acordo também representa uma ferida mortal para Kuczynsky, já que foi eleito contra a candidatura de Keiko se apresentando como o “menos pior” e negando qualquer possibilidade de conceder o indulto a Fujimori. Por fim, porque necessariamente o acordo terá que enfrentar uma crescente onda de protestos e uma maior polarização social.

Onda de greves e mobilizações e a luta contra o indulto

Nos últimos meses, o país tem visto o crescimento de greves e protestos que incrementam a indignação da população com a situação política. A greve pela reposição salarial dos professores de Cusco, uma promessa eleitoral de PPK, já dura um mês. Em Andahuaylas, uma greve geral contra a corrupção dos governos regional e nacional reivindicando investimento em serviços públicos fez a cidade parar totalmente durante catorze dias. A greve dos médicos, que vai completar uma semana, tem crescido no interior do país. A Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru (CGTP), por sua vez, vem convocando uma mobilização nacional contra a reforma trabalhista para o dia 19 deste mês.

Além disso, lutas democráticas também se fortalecem, como foi o caso da Marcha do Orgulho LGTBi do dia 1º de julho que levou às ruas mais de 30 mil pessoas, fazendo dela a maior da história do país segundo seus organizadores.

Neste ínterim, a luta contra o indulto de Fujimori incrementa um cenário de grandes mobilizações. As dezenas de milhares de pessoas que estiveram nas ruas no dia 7 deram um pontapé inicial numa luta que tende a crescer. O governo, que pretendia anunciar o indulto em discurso marcado para o mesmo dia das comemorações da Independência peruana, em 28 de julho, já anunciou que não o fará. De forma tragicômica em um claro recuo frente à força da mobilização, o presidente afirmou não se tratar de um indulto, mas de um “perdão médico” que leva em consideração o suposto agravamento da situação de saúde de Fujimori. Kuczynski anunciou também que o tema do indulto será discutido até o fim do ano – o que revela uma vitória parcial da Marcha. O que podemos ter certeza é que a luta em torno desse tema está apenas começando e que a demonstração de 7 de julho ajuda o fortalecimento da opinião pública contrária à ofensiva dos meios de comunicação, das corporações e da casta política.

Novas oportunidades para a construção de uma alternativa: afirmação do Movimiento Nuevo Perú (MNP)

Não à toa a maior coluna das organizações políticas da Marcha contra o indulto foi a do MNP. Ela contou com a presença de cerca de mil companheiros, entre eles os parlamentares do movimento e Verónika Mendoza. A coluna atraiu os olhos da imprensa e mostrou grande força. Além disso, no encerramento do ato, Verónika fez um contundente discurso no qual denunciou a tentativa de indulto a Fujimori por parte do governo e a impunidade “dos que roubam e matam”.

Certamente, o alinhamento do governo ao fujimorismo abre um espaço político para o crescimento de uma alternativa, já que deixa órfã de representação a base que votou em PPK contra o retorno do fujimorismo. Nas últimas pesquisas de opinião, Verónika atingiu a marca de 30% de aprovação popular. Finalmente, o impulso da campanha de assinaturas para legalizar o partido, a partir de uma caravana que vem sendo realizada no interior do país, afirma cada vez mais a necessidade de construção dessa ferramenta política.

(Este artigo foi originalmente publicado pelo Portal de la Izquierda)


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Camila Souza