Corrupção e capitalismo: Um casamento de conveniência

A enorme riqueza acumulada por pelo menos parte das grandes empresas é fruto da sua ação corruptora junto aos órgãos públicos e políticos.

Luciana Genro 14 set 2017, 12:13

A corrupção é uma marca das sociedades regidas pela lógica da mercadoria e nas quais a distribuição da renda é desigual e injusta. No capitalismo, a corrupção é uma característica recorrente, mas os ideólogos do livre mercado insistem em defender a ideia de que menos Estado e mais capitalismo poderia reduzir a corrupção.

Medidas que aprofundem ainda mais a subordinação do interesse público às grandes empresas e monopólios seriam, em tese, a solução para a corrupção, sempre identificada com o Estado e com os políticos, e nunca com as empresas e grandes corporações.

Supostamente, a redução do tamanho do Estado, isto é, a privatização, seria o caminho para reduzir a corrupção. O atual escândalo envolvendo a Petrobras tem servido ao propósito de entregar totalmente a empresa ao capital privado. Essa identificação da corrupção com o Estado é uma manobra, pois as grandes empresas são protagonistas fundamentais da corrupção.

O Brasil nos fornece um exemplo muito concreto sobre as relações entre o poder das grandes corporações, a corrupção e o capitalismo.

Muitos políticos estão sendo presos e até Michel Temer pode ir para a cadeia se perder o mandato, pois o sistema está entregando os anéis, mesmo os mais valiosos, para manter os dedos. Mas políticos e anéis podem ser substituídos e, por isso, é preciso romper o sistema que permite aos capitalistas continuar saqueando o País.

Não é de hoje que esses capitalistas ganham e comandam o País por meio de fantoches políticos. Independentemente das mudanças de governo e até de regime, as grandes empresas sempre levaram vantagem.

Protagonistas dos recentes escândalos de corrupção, as empreiteiras, por exemplo, começaram a se nacionalizar e ganharam força política e econômica durante a ditadura militar. Elas, que eram regionais, chegam a Brasília a partir de Juscelino e começam a organizar-se politicamente. Ajudam a planejar a tomada do poder pelos militares e a pautar as políticas públicas do Brasil, conforme afirma o historiador Pedro Campos.

Ele afirma ainda que “todos os indícios são de que a corrupção não aumentou. O que a gente tem hoje é uma série de mecanismos de fiscalização que expõem mais, bem maior do que havia antes. Na ditadura, não havia muitos mecanismos fiscalizadores, e o que havia era limitado“.

A tese transformou-se no do livro Estranhas catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar, 1964-1988, no qual Pedro Campos desnuda as relações da Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Odebrecht com o poder desde a ditadura.

Já no governo FHC vivemos o processo que ficou conhecido como a “privataria tucana”, um grande esquema para beneficiar grandes empresas. A “quadrilha” movimentou cerca de US$ 2,5 bilhões. Há propinas comprovadas de 20 milhões de dólares, tudo fartamente demonstrado no livro de Amaury Ribeiro Júnior.

Também no governo FHC, a Vale do Rio Doce, grandes bancos e companhias telefônicas ganharam muito dinheiro, como demonstrou Aloysio Biondi no seu livro O Brasil privatizado.

Depois, nos governos do PT, as empreiteiras, como a Odebrecht, seguiram embolsando bilhões, enquanto outras empresas foram escolhidas para ser “campeãs nacionais” à custa de empréstimos subsidiados de bancos públicos e aportes do BNDESPar, braço de participações do BNDES.

Foram os casos da JBS e do grupo EBX, do empresário Eike Batista, que chegou a ser preso por lavagem de dinheiro e pagamento de propina ao ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), também preso.

De tudo isso, o que permanece é o domínio das grades corporações sobre a política. São os corruptores que irrigam as contas de todos os partidos dominantes, responsáveis pela perpetuação dos regimes e dos governos a serviço do capital.

A relação do ex-presidente Lula com a Odebrecht é reveladora dessa relação promíscua. Conforme depoimentos de ex-executivos do grupo, em troca de generosas contribuições financeiras desde a campanha de 2002, o governo Lula garantiu a privatização da petroquímica brasileira e consolidou praticamente todo o setor nas mãos da Braskem, empresa controlada pela Odebrecht.

Até a Petrobras tornou-se sócia minoritária da Braskem para deixar de ser concorrente e facilitar o fornecimento de matérias-primas à empresa do grupo Odebrecht. Graças à ajuda de Lula, a Braskem também comprou, ao longo dos últimos anos, concorrentes privadas como Ipiranga Petroquímica, Copesul e Quattor.

A ajuda foi valiosa. Em 2002, antes da posse de Lula, a Braskem havia faturado R$ 8,9 bilhões brutos. No fim de 2015, conforme o mais recente balanço anual auditado da companhia, o faturamento chegou a R$ 54,1 bilhões. Um crescimento de 508%, contra uma inflação de 120% no mesmo período.

Em 2002, a Braskem teve ainda prejuízo de R$ 794 milhões. Em 2015, festejou um lucro de R$ 2,9 bilhões.

Os pagamentos a políticos durante todos esses anos tiveram um retorno e tanto para a empresa, que também recebeu muito dinheiro do BNDES. Em 2002, os financiamentos concedidos pelo banco federal à Braskem somavam R$ 304 milhões. Em 2015, o valor era de R$ 3,4 bilhões, um crescimento de mais de 1.000%.

A JBS multiplicou por 44 o faturamento de 2004 a 2016. Nesse período, a receita bruta da empresa dos irmãos Batista passou de R$ 4 bilhões para R$ 176,9 bilhões. A conversa de Joesley Batista com Ricardo Saud, divulgada recentemente pelo MPF, demonstra como esse império foi construído.

Fica cada vez mais evidente que a enorme riqueza acumulada por, pelo menos, parte das grandes empresas não é fruto de trabalho e competência, como gostam de dizer os liberais, mas sim da sua ação corruptora junto aos órgãos públicos e políticos.

O Brasil não é um caso isolado da economia mundial globalizada. As cifras são contundentes e demostram como as corporações cooptaram os governantes convertidos em agentes políticos dos grandes capitalistas.

É preciso um programa de mudanças profundas que desestruture este poder e comece a construir um poder popular e dos trabalhadores. Isso passa pelo fim das benesses fiscais aos milionários e grandes empresas, com a cobrança dura de todos os grandes sonegadores.

É preciso que as grandes empresas que se envolveram em corrupção passem a funcionar sob controle de seus trabalhadores e não mais dos seus atuais donos corruptos. E que o sistema financeiro esteja sob controle público e seus lucros sejam revertidos para o interesse da maioria, e não embolsados por um punhado de milionários.

Além disso, é preciso uma profunda mudança tributária, que onere o capital e a propriedade fortemente, aliviando a carga sobre o salário e o consumo popular.

Um sistema sério de combate à corrupção também é essencial. O sentimento de impunidade dos criminosos do colarinho branco é gigantesco. Vimos que, mesmo com a Operação Lava Jato em andamento, que já prendeu vários políticos e empresários, Geddel mantinha um apartamento recheado de dinheiro e Joesley planejava comprar agentes do MPF e do Supremo.

Para um combate à corrupção efetivo não bastam operações policiais ou jurídicas. É pela política que precisamos construir uma alternativa que viabilize uma participação mais direta do povo na política e uma fiscalização permanente e efetiva sobre os políticos.

Se falharmos nessa construção, o único saldo do combate à corrupção pode ser um descrédito total da política, e isso é o caminho mais curto para o surgimento de “salvadores da pátria”, que só querem mesmo salvar o sistema.

(Artigo originalmente publicado no HuffPost.)


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Camila Souza