O que está acontecendo com o PSDB?

Os rachas visíveis na cúpula do tucanato expõem apenas uma crise profunda num partido afogado em denúncias de corrupção.

Matheus Trevisan 19 set 2017, 19:21

Todas as discussões a respeito das eleições de 2018 têm como elemento central o posicionamento do PSDB diante da crise política sem precedentes que colocou em xeque a República. O racha tucano entre aqueles que apoiam e aqueles que supostamente são contrários à adesão ao governo corrupto de Michel Temer é apenas um sintoma da profunda crise que acomete não apenas o PSDB, mas todas as principais forças políticas tradicionais do país.

Muitas das análises feitas pelos grandes jornais do país colocam a disputa entre o prefeito de São Paulo, João Doria, e o governador paulista, Geraldo Alckmin, como um embate entre diferentes concepções de política. João Doria seria o outsider “não político” e gestor. Já Alckmin, o político tradicional, representante do establishment. Tais análises, no entanto, se equivocam em dois aspectos. O primeiro: a crise do PSDB é muito mais profunda do que uma simples disputa entre postulantes a candidato. Segundo: não há diferenças reais entre Alckmin e Doria no que se refere ao modo de governar.

A crise no PSDB é a crise da da política tradicional

Durante os governos petistas, o PSDB tentou se apresentar ao país como principal partido de oposição. Apeado do poder desde 2003 e sem inserção nos movimentos populares, o partido encontrou dificuldades de constituir em torno de si um campo oposicionista de centro-direita. Além disso, viu durante os anos de ouro do governo do PT minguar a força de seu principal aliado, o Democratas – antigo PFL e que, em breve, mudará novamente de nome, dessa vez para “Centro”.

Somente com o aprofundamento da crise econômica é que o desgaste petista foi capitalizado eleitoralmente pelos tucanos. Nas eleições de 2014, o PSDB foi derrotado por uma pequena margem de votos. O candidato Aécio Neves, que inclusive chegou a comemorar a vitória que não se efetivou ao lado de celebridades da televisão, anunciou que, apesar de minoria no Congresso, o PSDB a partir de então falaria pelos mais de cinquenta milhões de votos que angariou no pleito.

Onze em cada dez tucanos acreditavam que o final do ciclo petista culminaria inevitavelmente com o retorno do PSDB à presidência da República. A debacle do governo Dilma alçou ao poder uma quadrilha entusiasticamente apoiada pelos tucanos, ainda que muitos de seus membros já estivessem instalados no Palácio do Planalto desde o governo Lula.

A chegada do PMDB ao comando do governo federal inicialmente fez os tucanos acreditarem que o projeto de retorno à presidência estava apenas sendo postergado. Caberia a Temer realizar o serviço sujo de aprovar as reformas antipopulares da previdência e trabalhista enquanto Aécio Neves, presidente do PSDB, se preparava para disputar as eleições de 2018 como o redentor da nação. A operação Lava Jato representou um furacão que fez ruir os sonhos dos principais dirigentes tucanos.

Por trás do bico, os tucanos de alta plumagem escondiam a cara de pau típica dos corruptos. Foi revelado o famoso esquema de recebimento de propinas de Aécio Neves, José Serra e seus correligionários. As investigações mostraram que o propinoduto não enxergava cores partidárias mesmo durante as gestões petistas. PSDB, PT, PMDB, PP, estavam todos envolvidos até o pescoço no saque às empresas estatais. Associadas tanto ao clube das empreiteiras quanto aos irmãos Batista, as cúpulas dos grandes partidos brasileiros promoviam uma perversa encenação em que a troca do governante em nada alterava o assalto aos cofres públicos.

Dessa forma, ruiu qualquer possibilidade do grupo de Aécio Neves representar o PSDB na disputa eleitoral de 2018. Coube aos velhos dirigentes, com Tasso Jereissati e Fernando Henrique Cardoso à frente, tentar moralizar a legenda fazendo uma patética autocrítica dos tucanos frente ao cenário de terra arrasada da política partidária brasileira. O único dos presidenciáveis peessedebistas que conseguiu se manter de pé, ademais o claro envolvimento nos esquemas tanto a nível nacional quanto em São Paulo, foi o governador paulista. Geraldo Alckmin ganhou de W.O. Contudo, como é de praxe no PSDB, seu tapete começa a ser puxado pelo novato João Doria, até então seu afilhado político. Eis a nova fissura tucana, símbolo do desmoronamento do partido que é, ao mesmo tempo, oposição e governo.

Alckmin e Doria

As eleições de 2016, as primeiras após o golpe palaciano que levou o então vice-presidente à condição de mandatário do país, representaram uma demonstração de força do grupo de Geraldo Alckmin. Após um conturbado processo de prévias para a escolha do candidato tucano a prefeito de São Paulo, Alckmin conseguiu fazer valer o peso da máquina do governo estadual e alçou o empresário João Doria ao posto. Com um discurso anti-políticos, Doria venceu as eleições ainda no primeiro turno, o que foi interpretado como um passo decisivo às aspirações de Alckmin de disputar a presidência da República em 2018.

Doria já havia sido presidente da Embratur no início dos anos 1990 e se filiou ao PSDB em 2001. Filho e neto de políticos, figura carimbada nos banquetes da elite tucana e generoso financiador de campanhas eleitorais, João Doria escolheu se apresentar como outsider. Em seus primeiros meses de governo municipal, traçou como eixo norteador de sua gestão a parceria entre a prefeitura e os empresários. Contrariando o próprio liberalismo, quis mostrar que existe sim “almoço grátis”, ou seja, anunciou doações de grandes empresas ao poder público “sem nenhuma contrapartida”. O plano de entregar parte importante da administração à iniciativa privada foi apresentado como “a arrojada tentativa de colocar a maior metrópole do Brasil, finalmente, no século XXI”.

Dada a enorme crise da política tradicional, o discurso de Doria, inevitavelmente, passou a ser considerado como uma alternativa eleitoral possível. Desde o início do ano, mesmo sem ainda ter concluído seus projetos privatistas, Doria já aparecia nas pesquisas de intenção de voto para a eleição de 2018. João Doria é um tucano vaidoso e ambicioso. Estando à frente de seu padrinho político nas pesquisas, iniciou claras movimentações presidenciáveis. Alckmin reagiu e se apresentou como pré-candidato à presidência. Padrinho e afilhado agora estão em conflito aberto, mas quais são as diferenças entres os dois?

O pacote de privatizações que a gestão Doria tenta impor a cidade de São Paulo em 2017 é apenas uma versão tardia da privataria promovida por Geraldo Alckmin no governo do estado. As empresas públicas paulistas foram praticamente todas liquidadas ou entregues ao capital financeiro. Grande parte dos serviços públicos estaduais já está nas mãos da iniciativa privada há décadas. Enquanto Doria tenta privatizar os parques, Alckmin já privatizou o metrô. Enquanto Doria tenta privatizar os mercados públicos, Alckmin já privatizou a Nossa Caixa, o banco estatal paulista. Para além da presença frenética nas redes sociais, restam poucas novidades em relação às gestões tucanas em São Paulo para João Doria apresentar.

Também do ponto de vista das relações políticas, João Doria e Geraldo Alckmin são, como diria Luciana Genro, irmãos siameses. Tendo sido eleito por uma coligação que mais parecia uma sopa de letrinhas, Alckmin conseguiu se tornar praticamente imbatível em São Paulo. Colocou sob sua asa partidos que vão do PV ao PP, do DEM ao PSB, esse último no sempre lucrativo posto de vice. No entanto, a maioria interna do PSDB é o maior trunfo de Geraldo Alckmin na tentativa de ser o candidato a presidente pelo partido. Não à toa, o governador faz o apelo à “democracia partidária” ao agitar a bandeira das prévias. Ali, faria valer seu peso e não seria páreo nem para Doria nem para qualquer outro.

João Doria também é habilidoso nas costuras políticas. Quando não está rodando o país em eventos promovidos por seu grupo empresarial, conspira com partidos como PMDB, PSD e DEM na tentativa de viabilizar a qualquer custo sua candidatura. O outsider é a grande aposta do centrão para estancar a sangria aberta pela Lava Jato. É real a hipótese de Doria sair candidato por um desses partidos caso não consiga superar Alckmin no embate tucano. Dessa forma, a frase “não sou político, sou gestor” entra na galeria das grandes pérolas da política nacional. Assim como Alckmin, Doria é político e não faltam exemplos para provar que é um mau gestor.

Derrotar o PSDB é tarefa urgente

Na mesma medida em que se amontoam as provas do banditismo da casta política, avançam as tentativas de livrar os corruptos da cadeia e salvar o regime político. As discussões sobre a reforma política no Congresso Nacional são a demonstração de que os podres poderes não largarão o osso assim tão fácil. É clara a tentativa de inviabilizar alternativas populares que questionem a grande encenação promovida por PSDB, PT, PMDB e outras gangues. A tentativa de Eduardo Cunha, através de sua reforma eleitoral, de tirar o PSOL dos debates eleitorais foi apenas o começo.

Da mesma forma que a crise do PSDB é a crise do regime político, derrotar nas ruas e nas urnas tanto o PSDB quanto todos os demais partidos dos esquemas de corrupção e dos ataques aos direitos do povo é derrotar o próprio regime político. Façamos!


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Pedro Micussi