O grande colapso de nutrientes

A atmosfera está literalmente mudando a comida que comemos, para pior. E quase ninguém está prestando atenção.

Helena Bottemiller Evich 3 out 2017, 20:34

Irakli Loladze é matemático de formação, mas estava em um laboratório de biologia quando encontrou o enigma que mudaria sua vida. Foi em 1998, e Loladze estava estudando para seu Ph.D na Arizona State University. Tendo como pano de fundo uma série de recipientes de vidro iluminados por algas brilhantes, um biólogo disse a Loladze e a meia dúzia de outros estudantes de pós-graduação que os cientistas haviam descoberto algo misterioso sobre os zooplâncton.

Zooplâncton são animais microscópicos que flutuam pelos oceanos e lagos do mundo e dependem de algas para se alimentar, que são fundamentalmente plantas minúsculas. Cientistas perceberam que poderiam fazer as algas crescerem mais rápido se as iluminassem mais – aumentando a oferta de alimento para os zooplâncton, que deveriam florescer. Mas não ocorreu dessa forma. Quando os pesquisadores iluminaram mais as algas, elas cresceram mais rápido, e os animais minúsculos tiveram muito o que comer – mas em certo momento eles começaram a lutar para sobreviver. Isso foi um paradoxo. Mais comida deveria levar a mais crescimento. Como mais alga poderia ser um problema?

Loladze estava tecnicamente no departamento de matemático, mas ele amava biologia e não pôde parar de pensar nisso. Os biólogos tiveram uma ideia sobre o que estava acontecendo: a luz mais intensa estava fazendo a alga crescer mais rápido, mas elas acabaram tendo menos nutrientes do que os zooplâncton precisavam para crescer. Ao acelerar o seu crescimento, os pesquisadores basicamente transformaram as algas em “comida lixo” [junk food]. Os zooplâncton tinham muito o que comer, mas sua comida era menos nutritiva, e portanto passavam fome.

Loladze usou sua formação em matemática para ajudar a medir e explicar a dinâmica entre algas e zooplâncton. Ele e seus colegas elaboraram um modelo para compreender a relação entre uma fonte de alimento e um rebanho que dependa deste alimento. Eles publicaram esse primeiro artigo em 2000. Mas Loladze também foi cativado por uma questão muito mais abrangente que surgiu a partir do experimento: até onde esse problema poderia se estender.

“O que me tocou foi que a aplicação disso era mais ampla”, Loladze lembra em uma entrevista. O mesmo problema poderia afetar pasto e gado? E quanto ao arroz e pessoas? “Foi como um momento divisor de águas para mim quando eu comecei a pensar sobre a alimentação humana”, ele disse.

No mundo exterior, o problema não é que as plantas estejam de repente recebendo mais luz, mas é que há anos elas vem recebendo mais dióxido de carbono. Plantas dependem tanto de luz quanto de oxigênio para crescer. Se iluminar mais resulta em crescimento mais rápido e algas menos nutritivas – algas “junk-food” cuja proporção de açúcar para nutrientes estava fora do padrão – então parece lógico concluir que aumentar o dióxido de carbono resultaria no mesmo efeito. E isso também poderia estar ocorrendo com as plantas do mundo todo. O que isso poderia significar para as plantas que as pessoas comem?

O que Loladze descobriu foi que os cientistas simplesmente não sabiam. Já era bastante relatado que os níveis de CO2 vinham aumentando na atmosfera, mas ele ficou atônito ao perceber como haviam poucas pesquisas sobre como isso afeta a qualidade das plantas que nós comemos. Pelos próximos 17 anos, enquanto ele seguia com sua carreira de matemático, Loladze escavou profundamente a literatura científica em busca de quaisquer estudos e dados que ele pudesse encontrar. Todos os resultados, como ele os coletou, pareciam apontar no mesmo sentido: O efeito “junk-food” sobre o qual ele aprendeu naquele laboratório do Arizona parecia também estar ocorrendo em campos e florestas pelo mundo. “Cada planta e cada folha de grama na Terra produzem mais e mais açúcar conforme aumentam os níveis de CO2”, disse Loladze. “Nós estamos testemunhando a maior injeção de carboidratos na biosfera da história humana – uma injeção que dilui outros nutrientes em nossa alimentação.”

Ele publicou essas descobertas há poucos anos atrás, somando-se às preocupações de um grupo pequeno mas cada vez maior de pesquisadores que levantam questões inquietantes sobre o futuro de nossos alimentos. O dióxido de carbono poderia ter um efeito sobre a saúde humana que nós não havíamos percebido até aqui? A resposta parece ser sim – e neste percurso ela tem conduzido Loladze e outros cientistas diretamente a algumas das questões mais espinhosas de sua profissão, como o quão difícil é fazer pesquisa em um campo que ainda não existe exatamente.

Os cientistas sabiam que o valor nutricional dos alimentos vinham caindo há décadas

Na pesquisa em agricultura, tem sido compreendido há algum tempo que muitos dos nossos mais importantes alimentos vem se tornando menos nutritivos. Medições de frutas e vegetais mostram que suas quantidades de minerais, vitaminas e proteínas caíram consideravelmente nos últimos 50 ou 70 anos. Pesquisadores geralmente assumiram que a razão é bastante direta: nós temos escolhido criar culturas de maior rendimento ao invés de mais nutritivas, e culturas mais rentáveis – como brócoles, tomate e trigo – tendem a ser menos nutritivas.

Em 2004, um importante estudo sobre frutas e vegetais descobriu que todos os nutrientes, da proteína ao cálcio, do ferro à vitamina C, caíram significativamente na maioria das culturas desde 1950. Os pesquisadores concluíram que isso poderia ser explicado pelos tipos de variedades que nós temos escolhido cultivar.

Loladze e uma porção de outros cientistas começaram a suspeitar que isso não explica tudo e que a própria atmosfera pode estar mudando os alimentos que nós comemos. Plantas precisam de dióxido de carbono assim como humanos precisam de oxigênio. E no debate cada vez mais polarizado sobre ciência climática, uma coisa que não pode ser questionada é que o nível de CO2 na atmosfera está crescendo. Antes da revolução industrial, a atmosfera da Terra tinha cerca de 280 partes por milhão de dióxido de carbono. No último ano, o planeta passou de 400 partes por milhão; cientistas preveem que provavelmente nós iremos atingir as 550 partes por milhão no próximo meio século – basicamente o dobro da quantidade que havia no ar quando os americanos começaram a cultivar com tratores.

Se você é alguém que pensa no crescimento das plantas, isso parece uma notícia boa. Isso inclusive tem sido uma munição útil para políticos que buscam razões para se preocuparem menos com as implicações das mudanças climáticas. Lamar Smith, um republicano que ocupa a cadeira do House Comittee on Science, argumentou recentemente que as pessoas não deveriam se preocupar tanto com o crescimento de CO2 porque isso é bom para as plantas, e o que é bom para as plantas é bom para nós.

“Uma concentração maior de dióxido de carbono na atmosfera deveria contribuir para a fotossíntese, o que contribui para aumentar o crescimento das plantas”, o republicano do Texas escreveu. “Isso leva a um maior volume de alimentos e a uma qualidade maior da comida.”

Mas como o experimento com zooplâncton mostrou, mais volume e melhor qualidade podem não andar lado a lado. Na verdade, eles podem estar inversamente relacionados. Como os melhores cientistas podem afirmar, isso é o que acontece: aumento de CO2 incentiva a fotossíntese, o processo que contribui para as plantas transformarem luz solar em comida. Isso faz as plantas crescerem, mas isso também faz com que elas armazenem mais carboidratos como glicose ao invés de outros nutrientes dos quais nós dependemos, como proteína, ferro e zinco.

Em 2002, enquanto fazia seu pós-doutorado na Princeton University, Loladze publicou um profícuo artigo de pesquisa na “Tendências em Ecologia e Evolução”, um importante jornal, argumentando que o crescimento de CO2 e a nutrição humana estavam inextricavelmente ligadas a uma mudança global na qualidade das plantas. No artigo, Loladze reclama da escassez de dados: dentre as milhares de publicações que ele revisou sobre plantas e crescimento de CO2, ele encontrou apenas uma que observava especificamente como isso afetara o balanço de nutrientes em arroz, uma colheita da qual bilhões de pessoas dependem. (O artigo, publicado em 1997, encontrou uma queda no zinco e ferro.)

Aumentar o dióxido de carbono na atmosfera está reduzindo a proteína em culturas básicas como arroz, trigo, cevada e batatas, levantando riscos desconhecidos para a saúde humana no futuro / Getty Images

O artigo de Loladze foi o primeiro a unir o impacto do CO2 sobre a qualidade dos vegetais à nutrição humana. Mas ele também criou mais questões do que respondeu, argumentando que restavam lacunas fundamentais na pesquisa. Se essas mudanças nutricionais estavam ocorrendo de cima a baixo na cadeia alimentar, o fenômeno precisava ser medido e estudado.

Parte do problema, Loladze estava percebendo, estava no próprio mundo das pesquisas. Responder a esta questão requer um entendimento da fisiologia, agricultura e nutrição das plantas – assim como uma boa dose de matemática. Ele poderia fazer a parte matemática, mas era um jovem acadêmico tentando se estabelecer, e departamentos de matemática não estavam particularmente interessados em resolver problemas sobre agricultura e saúde humana. Loladze lutou para conseguir financiamento para gerar novos dados e continuar a coletar obsessivamente dados publicados em pesquisas por todo o mundo. Ele foi ao coração do problema para conseguir o cargo de professor assistente na Universidade de Nebraska-Lincoln. Trata-se de uma escola majoritariamente voltada à agricultura, o que parecia um bom sinal, mas Loladze seguia sendo um professor de matemática. Ele foi informado de que poderia prosseguir com seus estudos desde que trouxesse financiamento, e ele lutou. Os biólogos responsáveis por conceder bolsas diziam que sua proposta era muito carregada de matemática; já os matemáticos diziam que sua proposta tinha muita biologia.

“Isso aconteceu ano após ano, rejeição após rejeição”, ele disse. “Foi muito frustrante. Eu não acho que as pessoas entendem a escala disso.”

Não é apenas nos campos da matemática e da biologia que esta questão tem sido ignorada. Pouco se sabe que as culturas fundamentais estão se tornando menos nutritivas devido ao fato de que o crescimento de CO2 é subavaliado. Isso simplesmente não é discutido na agricultura, saúde pública ou comunidades de nutrição. Absolutamente.

Quando o “Politico” contatou os melhores especialistas de nutrição sobre o crescimento das pesquisas deste tema, eles ficaram quase todos perplexos e pediram para ver a pesquisa. Um importante cientista de nutrição da Johns Hopkins University disse que a pesquisa era interessante, mas admitiu que não sabia nada sobre isso. Ele me passou a referência de uma outra especialista. Ela disse que també, não sabia nada sobre o assunto. A Academy of Nutrition and Dietetics, uma associação que representa um exército de especialistas em nutrição de todo o país, me colocou em contato com Robin Foroutan, nutricionista de medicina integrativa que também não conhecia a pesquisa.

“É realmente interessante, e você está certo, isso não está no radar de muita gente”, escreveu Foroutan em um email, depois de ter enviado alguns trabalhos sobre o assunto. Foroutan disse que gostaria de ver mais muitos dados, particularmente sobre como um crescimento sutil de carboidratos nos vegetais poderia afetar a saúde pública.

“Nós não sabemos a que uma pequena alteração na quantidade de carboidrato na dieta pode levar em última instância”, ela disse, observando que uma tendência geral ao maior consumo de amido e carboidrato tem sido associada a um aumento nas doenças relacionadas à alimentação, como diabetes e obesidade. “Em que medida uma mudança no sistema de alimentação pode contribuir para isso? Nós não podemos afirmar com certeza.”

Quando pedimos para que Marion Nestle, professora de política nutricional da New York University conhecida por ser uma das mais conhecidas especialistas em nutrição do país, comentar sobre este caso, ela inicialmente se mostrou cética quanto ao conceito geral mas ofereceu-se a trabalhar em um pasta que mantém sobre questões climáticas.

Após revisar as evidências, ela mudou o tom. “Estou convencida”, ela disse por email, ao mesmo tempo em que pedia cautela: ainda não estava claro como a diminuição de nutrientes causada pelo CO2 poderia ter impacto sobre a saúde pública. Nós precisamos saber muito mais, ela disse.

Kristie Ebi, pesquisadora da Universidade de Washington que estudou a intersecção entre mudança climática e saúde pública por duas décadas, é uma dentre muitos cientistas dos EUA que está preocupada com as consequências possivelmente radicais da dinâmica entre CO2 e nutrição, e traz isso à tona em todas as suas falas.

“É um tema encoberto”, Ebi disse. “O fato de que o meu pão não tem os mesmos nutrientes que tinha há 20 anos atrás – como você poderia saber?”

De acordo com Ebi, a ligação entre CO2 e nutrição tem tido um avanço lento, da mesma forma que a comunidade acadêmica levou muito tempo para começar a encarar seriamente a intersecção entre mudança climática e saúde humana de maneira geral. “Isso é antes da mudança”, ela disse. “Isso é o que parece ser antes da mudança.”

Soja crescendo num campo em Lincoln, Nebraska, uma das muitas culturas cujo conteúdo de nutrientes está mudando como resultado do aumento dos níveis de dióxido de carbono. Geoff Johnson / POLITICO.

Mais pesquisa, mais questões

O primeiro artigo de Loladze trouxe algumas grandes questões que são difíceis mas não impossíveis de serem respondidas. Como a o crescimento do CO2 atmosférico altera a forma como as plantas crescem? Quanto da queda de longo prazo nos nutrientes é causada pela atmosfera, e quanto é causada por outros fatores, como a criação?

Também é difícil, mas não impossível, realizar experimentos ao nível das fazendas sobre como o CO2 afeta as plantas. Pesquisadores usam a técnica que basicamente transforma todo um campo em um laboratório. O atual padrão ouro para este tipo de pesquisa é chamado de experimento FACE (de “free-air carbon dioxide enrichment”, “enriquecimento de dióxido de carbono ao ar livre”), em que pesquisadores criam grandes estruturas ao ar livre que jogam CO2 nas plantas em uma determinada área. Pequenos sensores monitoram os níveis de CO2. Quando muito CO2 escapa do perímetro, os insufladores jorram mais no ar para manter o nível estável. Então os cientistas podem comparar essas plantas diretamente com outras que crescem em ambiente normal.

Esses experimentos e outros como esse tem mostrado aos cientistas que plantas mudam importantes formas quando crescem em ambientes de CO2 elevado. Dentre as plantas da categoria conhecida com “C3”- que inclui aproximadamente 95% das espécies de planta da Terra, inclusive algumas que nós comemos como trigo, arroz, cevada e batata –, o CO2 elevado mostrou que reduz a taxa de alguns importantes minerais como cálcio, potássio, zinco e ferro. Os dados que nós temos, que observam como as plantas reagem às concentrações de CO2 que podemos ver em nossas vidas, mostram que esses importantes minerais caem em 8%, em média. As mesmas condições tem mostrado que reduzem a quantidade de proteína das culturas de C3, em alguns casos de forma significativa, com o trigo e o arroz caindo em 6 e 8 por cento, respectivamente.

No início deste verão [do hemisfério norte], um grupo de pesquisadores publicou o primeiro estudo com o objetivo de estimar o que essas mudanças podem significar para a população mundial. Vegetais são uma fonte essencial de proteína para as pessoas do mundo em desenvolvimento, e por volta de 2050 eles estimam que 150 milhões de pessoas podem estar sob o risco de deficiência de proteínas, particularmente em países como Índia e Bangladesh. Pesquisadores descobriram também que a perda de zinco, que é particularmente importante para a saúde de crianças e mães, pode colocar em risco 138 milhões de pessoas. Eles também estimaram que mais de um bilhão de mães e 354 milhões de crianças vivem em países cujo consumo diário de ferro projeta-se que irá cair significativamente, o que pode exacerbar o problema de saúde pública já disseminado de anemia.

Não existem projeções para os Estados Unidos, onde a maioria das pessoas alimenta-se de uma dieta diversa e sem restrição de proteína, mas alguns pesquisadores olham para o crescimento na proporção de açúcares dos vegetais e criam a hipótese de que essa mudança sistemática das plantas pode posteriormente contribuir para nossas já alarmantes taxas de obesidade e doenças cardiovasculares.

Outro novo e importante reforço nas pesquisas sobre CO2 e nutrição vegetal vem do Departamento de Agricultura dos EUA. Lewis Ziska, um fisiologista de plantas da Agricultural Research Service localizada na Beltsville, Maryland, está explorando algumas das questões que Loladze levantou 15 anos atrás com vários novos estudos que tem a nutrição como foco.

Lewis Ziska, fisiologista de planta do Departamento de Agricultura dos EUA, examina o crescimento do arroz no seu laboratório em Beltsville, MD. Ziska e seus colegas estão conduzindo experimentos para descobrir como o aumento dos níveis de diióxido de carbono afeta o perfil nutricional das plantas. A fisiologista de plantas Julie Wolf colhe pimentas para estudar mudanças na vitamina C, parte inferior direita. M. Scott Mahaskey / POLITICO.

Ziska inventou um experimento que elimina um fator complicador da criação de plantas: ele decidiu olhar para o alimento das abelhas.

A “goldenrod”, uma flor selvagem que muitos consideram erva daninha, é extremamente importante para as abelhas. Ela floresce tarde na estação, e seus pólens fornecem uma importante fonte de proteínas para as abelhas enquanto elas se preparam para as dificuldades do inverno. Na medida em que a goldenrod é selvagem e os humanos não a cultivaram, ela não mudou muito com o tempo, como ocorreu por exemplo com o milho e o trigo. E o Smithsonian Institution possui centenas de exemplares de goldenrod, que são desde 1842, em seu enorme arquivo histórico – o que deu a Ziska e seus colegas a chance de descobrir como uma planta tem mudado ao longo do tempo.

Eles descobriram que quantidade de proteína do pólen de goldenrod caiu em um terçi desde a revolução industrial – e a mudança acompanha de perto o crescimento no CO2. Cientistas estão tentando entender por que populações de abelhas de todo o mundo estão diminuindo, o que ameaça muitas culturas que dependem da polinização das abelhas. O artigo de Ziska sugere uma diminuição na proteína antes do inverno poderia ser um fator adicional, tornando difícil para as abelhas sobreviverem a outros estímulos que causam estresse.

Ziska está preocupado com o fato de que não estamos estudando todas as formas com que o CO2 afeta as plantas das quais dependemos com suficiente urgência, especialmente se considerarmos o fato de que que construir novas ferramentas de colheita leva muito tempo.

“Estamos ficando para trás em nossa habilidade de interceder e começar a utilizar, como forma de compensação, ferramentas tradicionais de agricultura, como a reprodução”, disse. “Agora pode levar de 15 a 20 anos para podermos levar do laboratório para o campo.”

Como Loladze e outros descobriram, abordar novas questões de abrangência global que cruzam as fronteiras dos campos científicos pode ser difícil. Há muitos fisiologistas de plantas pesquisando colheitas, mas a maioria está dedicada a estudar fatores como produção e resistência a pestes – coisas que não têm nada a ver com nutrição. Departamentos de matemática, como Loladze descobriu, não priorizam exatamente pesquisa de alimentos. E estudar seres vivos pode ser caro e demorado: leva muitos anos e grandes somas de dinheiro para realizar um experimento FACE e gerar dados suficientes para traçar quaisquer conclusões.

Apesar desses desafios, pesquisadores estão estudando cada vez mais essas questões, o que significa que teremos mais respostas nos próximos anos. Ziska e Loladze (que agora leciona matemática na Bryan College of Health Sciences em Lincoln, Nebraska) estão colaborando com uma coalizão de pesquisadores da China, Japão, Austrália e outros lugares dos EUA em um grande estudo sobre crescimento de CO2 e o perfil nutritivo do arroz, uma das culturas mais importantes para a humanidade. Seu estudo inclui também vitaminas, um importante componente nutricional, que até agora não vem sido estudado absolutamente.

Pesquisadores da USDA também descobriram recentemente variedades de arroz, trigo e soja que a USDA tinha guardado nos anos 1950 e 1960 e as plantaram em pontos dos EUA onde pesquisadores anteriores plantaram as mesmas variedades décadas atrás, com o objetivo de entender melhor como os atuais níveis mais altos de CO2 as afetam.

O matemático Irakli Loladze joga açúcar sobre vegetais fora de sua casa em Lincoln, Nebraska, para ilustrar como o conteúdo de açúcar das plantas que nós comemos está aumentando como resultado do aumento dos níveis de dióxido de carbono. Loladze foi o primeiro cientista a publicar pesquisas conectando o aumento do CO2 e mudanças na qualidade das plantas para a nutrição humana. Geoff Johnson / POLITICO.

Em um campo de pesquisa da USDA em Maryland, pesquisadores estão realizando experimentos com pimentões para medir como a vitamina C muda sob taxa elevada de CO2. Eles estão observando ainda o café para saber se a cafeína também diminui. “Existem muitas questões”, Ziska me disse enquanto mostrava o campus de pesquisa em Beltsville. “Nós colocamos só o dedo do pé na água ainda.”

Ziska é parte de um pequeno grupo de pesquisadores que estão tentando medir essas mudanças e descobrir o que isso significa para os humanos. Outra figura chave que tem estudado este nexo é Samuel Myers, um médico que tornou-se pesquisador de clima da Universidade de Harvard e lidera a Aliança Planetária da Saúde, um novo esforço global para conectar os pontos entre ciência climática e saúde humana.

Myers também está preocupado com o fato de que a comunidade científica não está mais focada em entender a dinâmica entre CO2 e nutrição, enquanto isso é uma peça crucial de um quadro muito maior sobre como mudanças como essa podem afetar os ecossistemas. “Isso é a ponta do iceberg”, disse Myers. “Tem sido difícil para nós fazer as pessoas entenderem quantas questões elas deveriam ter.”

Em 2014, Myers e um time de outros cientistas publicou um estudo grande e rico em dados na revista Nature que observava culturas chave de diversos lugares no Japão, Austrália e Estados Unidos e também descobriu que aumento de CO2 levou à queda de proteína, ferro e zinco. Foi a primeira vez que este assunto atraiu qualquer atenção da mídia de fato.

“As implicações para a saúde pública das mudanças climáticas são difíceis de prever, e nós esperamos muitas surpresas”, escreveram os pesquisadores. “A descoberta de que o aumento do CO2 atmosférico diminui valor nutricional das culturas C3 foi tão surpreendente que agora nós podemos prever e nos prepararmos melhor.”

No mesmo ano – na verdade, no mesmo dia – Loladze, que então lecionava matemática na Universidade Católica de Daegu, na Coreia do Sul, publicou seu próprio artigo, o resultado de mais de 15 anos de recolhimento de dados sobre o mesmo assunto. Foi o maior estudo já realizado no mundo sobre crescimento de CO2 e seu impacto nos nutrientes das plantas. Loladze gosta de descrever a ciência das plantas como “barulhenta” – termo da linguagem de pesquisadores para estar confuso entre dados complicados, através dos quais pode ser difícil detectar o sinal que se está procurando. Sua nova base de dados é finalmente grande o suficiente para que possa ver o sinal atrás do barulho, para detectar a “mudança escondida”, como ele coloca.

O que nós descobrimos é que sua teoria de 2002 – ou, melhor dizendo, a forte suspeita que ele havia articulado então – parece ter se confirmado. Entre quase 130 variedades de plantas e mais de 15 mil amostras coletadas de experimentos das últimas três décadas, a concentração geral de minerais como cálcio, magnésio, potássio, zinco e ferro diminui por volta de 8%. A taxa de carboidratos por minerais estava crescendo. As plantas, assim como as algas, estavam se tornando junk food.

O que isso significa para os humanos – para os quais os vegetais são a principal fonte de alimento – apenas começou a ser investigado. Pesquisadores que forem mergulhar nisso terão de superar obstáculos como perfil baixo e passo lento, e um ambiente político em que a palavra “climático” é suficiente para atravancar uma conversa sobre financiamento. Isso também irá requerer novas pontes inteiramente novas a serem construídas no mundo científico – um problema que o próprio Loladze ironicamente aponta em sua própria pesquisa. Quando seu artigo finalmente foi publicado em 2014, Loladze listou todas as recusas de concessão nos agradecimentos.

(Artigo publicado originalmente em POLITICO e traduzido por Gustavo Rego)


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