Lava-Jato: Disputas, fissuras e limites da operação
Contribuição individual recebida pela Revista Movimento sobre a encruzilhada em que se encontra a Operação Lava-Jato.
Após quase três anos de investigações e de mais de mil mandatos de busca e apreensão, prisões e tantas outras medidas, a Operação Lava-Jato se encontra em uma encruzilhada. A operação que polarizou a opinião pública está sofrendo um desmonte pelo governo Temer, em uma clara tentativa de “estancar a sangria”, como disse o senador Romero Jucá em uma das delações vazadas pela operação.
Aqui pretendo identificar os atores envolvidos e seus interesses em disputa, bem como, as fissuras causadas no regime por essa disputa entre políticos, setores do Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal. Importante notar que: o fato da OLJ não estar finalizada, apesar de diversas tentativas de controla-la, impede o caráter conclusivo dessa análise, que procura identificar elementos e apontar possibilidades.
Para começar, é importante identificar os diversos atores e organizações que participam da operação, aqui destacarei os principais, sendo eles: a 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba, ocupada pelo juiz federal Sério Moro; a 7ᵃ Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, ocupada pelo juiz Federal Marcelo Bretas e que julga os desdobramentos da operação nos governos Sérgio Cabral, o Ministério Público, com destaque para a Procuradoria-Geral que era ocupada até setembro por Rodrigo Janot; a força-tarefa da Polícia Federal; o Supremo Tribunal Federal (STF) que julga os acusados que tem cargos eletivos (deputados e senadores) e o Congresso Nacional (com políticos e partidos).
Para além das narrativas simplistas que creditam à operação a salvação da pátria pelas mãos do juiz da 13ª Vara Criminal de Curitiba, Sergio Moro, ou as que acusam da OLJ ser a causa principal de derrocada do projeto de governo petista; penso que o quadro de crise econômica, social e política profunda pelo qual atravessa o país impossibilita uma fração da classe dominante, ou uma coalizão de frações, de dirigir politicamente toda a sociedade civil. Em termos gramscianos temos uma crise de hegemonia, “quando o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer”.
Nesses períodos, a falta de capacidade das classes dominantes de dirigirem a sociedade e o Estado (poder político) pelo consenso, abre espaço para burocracias que normalmente tem um controle mais direto da política passem a agir de maneira autônoma. Os exemplos da Polícia Federal, de setores do Judiciário e do Ministério Público são sintomáticos. Mais ainda, lembrar da literatura dos burocratas de nível de rua nesse momento não é inócuo: o auto interesse das burocracias, suas crenças, suas ambições pessoais, de prestígio e notoriedade da organização e até por mais recursos financeiros, como aumentos salariais, tem total influência nas movimentações da operação.
Entender os diferentes paradigmas que regem esses atores e organizações ajuda a entender casos como o da disputa entre o juiz do Rio de Janeiro na Lava-Jato, Marcelo Bretas, e o ministro do STF Gilmar Mendes. O caso marcante dessa disputa deu-se em torno da prisão preventiva do empresário de ônibus Jacob Barata, conhecido como “Rei dos Transportes”, emitida pelo juiz carioca e posteriormente desautorizada por Gilmar Mendes.
Outro foco de intenso conflito está entre Gilmar Mendes e o ex-Procurador Geral da República, Rodrigo Janot. Nessa “batida de cabeça” há claramente uma disputa de protagonismo e de interesses entre burocracias estatais distintas, Judiciário e Ministério Público. Cabe destacar o notório envolvimento de Gilmar Mendes com figurinhas carimbadas dos partidos da direita tradicional, como PSDB e PMDB, o que evidencia que o Judiciário e seus ministros certamente não são julgadores imparciais, como sugeriria uma visão ingênua da burocracia, mas que jogam a partir de interesses nessas movimentações.
Eis que entra nesse terreno de instabilidade o principal foco da mídia: a classe política. Os partidos da cena política, em sua quase totalidade, estão envolvidos nas investigações que vão de desvio de recurso público de estatais e pagamentos de propinas à caixa 2 para campanhas eleitorais. Qual é o papel desses atores? Para responder, é necessário distinguir dois momentos e um deslocamento de estratégia, se parece claro o apoio à OLJ dos partidos tradicionais de direita (PSDB, PMDB, DEM etc) quando o foco das investigações estava majoritariamente centrado nos quadros do PT, todavia, a partir do momento que a operação “perde controle” e avança para outros setores da classe política (por exemplo, Sergio Cabral, Aécio Neves, Romero Jucá, Michel Temer, Garotinho, Eduardo Paes etc) a instabilidade instalada mobilizou esses setores para frear a operação. Tal deslocamento é fundamental para entender a sustentação de Michel Temer na presidência, mesmo com a baixíssima popularidade e os amplos casos de envolvimento nos esquemas de corrupção.
Porém, a OLJ não pode ser caracterizada somente por ter causado instabilidade no contexto político e nos seus atores, é fundamental também debater as suas limitações. A principal certamente, e que aqui centrarei o debate, é da sua incapacidade de atingir em cheio os grandes operadores do capital, por exemplo, com as “benesses” jurídicas dadas a Joesley Batista na negociação de sua delação bem como, o fato de não atingir os grandes empresários com a mesma intensidade que atinge a classe política, o caso da Hstern no Rio de Janeiro é emblemático, e também das marcas do autoritarismo e da seletividade, característica do poder Judiciário como um todo, especialmente, para a população preta, pobre e periférica. Evidentemente, o caráter inconcluso das investigações pode desautorizar essa análise, todavia, é o que está colocado até o momento.
Por fim, em síntese, o argumento defendido aqui é o de que: a OLJ é um dos elementos de uma profunda crise de hegemonia em que as classes dominantes e seus operadores políticos não conseguem mais dirigir politicamente o país e, quando isso ocorre, o controle da burocracia estatal se torna muito instável e abre espaço para que ocorra disputas intra-burguesas e no aparelho de Estado. Ou seja, não se trata de pensar a operação como grande vilã ou salvadora da pátria, mas entender, levando em conta as limitações, que a investigação — que desnudou as relações entre políticos, grandes empresas e setores da burocracia estatal — pode abrir espaço para a atuação dos setores populares, a partir das instabilidades geradas pelas disputas descritas nesse artigo.