Heteronomia racial na sociedade de classes

Trecho do livro “A integração do negro na sociedade de classes” sobre a formação social brasileira e o mito da democracia racial.

Florestan Fernandes 15 nov 2017, 12:00

Os resultados da análise histórico-sociológica, coligidos nos dois capítulos anteriores, estabelecem duas evidências essenciais para o presente estudo. Primeiro, que a ordem social competitiva e o regime de classes sociais não se implantaram de modo instantâneo e homogêneo na cidade de São Paulo. Apesar do forte impulso inicial, provocado pela comercialização do café, e da aceleração crescente da revolução econômica burguesa, graças à expansão urbana e ao crescimento industrial, aquele processo histórico-social revela extrema lentidão e notória descontinuidade. Embora ele seja indiscutivelmente acumulativo, a projeção no tempo de seu desenvolvimento estrutural sugere que cada fase decisiva de diferenciação progressiva e de avanço se intercala entre fases alternativas, relativamente prolongadas, de compromisso com o passado e, mesmo, de resistência seletiva a inovações socioculturais imperiosas. Em resumo, a cidade não se transformou em bloco e de um momento para outro. Não só ela se alterou gradativamente e com um ritmo desigual, conforme os aspectos do sistema econômico, social e cultural que se levem em consideração; mas, ainda, conservou em seu bojo reminiscências vivas do passado e estruturas arcaicas que reconstruíam o antigo regime em vários níveis da convivência humana. As esferas em que isso ocorreu de modo mais notável abrangem dois polos extremos: os círculos sociais constituídos pelas elites das camadas dominantes e os setores dependentes da plebe. Com o correr do tempo, semelhantes resíduos do passado recente foram absorvidos e eliminados, desaparecendo aos poucos os contrastes mais ou menos aberrantes. Então, aparecem as ilhas culturais, que lembram na paisagem da metrópole a imensa variedade de heranças étnicas, de caráter rústico, que aqui se congregam. Na época que focalizamos, porém, o processo estava em fase incipiente de transição e os dois polos opostos da sociedade só lembravam o mundo burguês coetâneo pelas exterioridades do comportamento e pelas aparências do estilo de vida social. Como os segmentos dependentes da plebe se envolviam de forma esporádica e superficial nos interesses práticos ligados com os surtos econômico e urbano, era nessa área que os resíduos da herança sociocultural pré-capitalista apresentavam maior tenacidade. Segundo, aquilo que se poderia chamar de aptidão para a mudança ou de impulso básico para a modernização tinha menos que ver com os conteúdos e a organização do horizonte cultural das pessoas e categorias de pessoas, que com sua localização na estrutura econômica e de poder da cidade. O engajamento nas atividades práticas, com os proventos e as imposições daí resultantes, é que regulava o grau de identificação, de neutralidade ou de repulsa diante das inovações socialmente necessárias. Por essa razão, a rusticidade predominante nos diversos grupos étnicos sofria correções altamente variáveis e flutuantes. Os que se inseriam no mundo de negócios propendiam mais que os outros, voluntariamente ou sob a pressão de exigências inelutáveis, a tomar atitudes abertas em face da modernização. No entanto, as influências inovadoras ficavam mais ou menos confinadas, em grande parte por causa do padrão de isolamento sociocultural vinculado seja ao escalão elevado de vida das famílias abastadas tradicionais, seja ao estado de miséria e de desequilíbrio dos setores dependentes da plebe. Nos dois extremos, pois, o desligamento dos fluxos de renovação sociocultural tendia a ser acentuado.

Esbatendo-se a situação do negro e do mulato sobre esse amplo pano de fundo histórico-social, obtém-se uma compreensão relativista e objetiva do drama do negro na cidade. As tendências históricas de diferenciação e de reintegração da ordem social não favoreciam, de per si, nenhum agrupamento étnico ou racial determinado. Todavia isso acabava acontecendo, por vias indiretas. O envolvimento imediato nos processos de crescimento econômico e de desenvolvimento sociocultural dependia de recursos materiais e morais. Ou, em outras palavras, de recursos econômicos, de meios técnicos e organizatórios; em suma, de aptidões para responder efetivamente às exigências da situação histórico-social. Como ex-agentes do trabalho escravo e do tipo de trabalho manual livre que se praticava na sociedade de castas, o negro e o mulato ingressaram nesse processo com desvantagens insuperáveis. As consequências sociopáticas da desorganização social imperante no meio negro ou da integração deficiente à vida urbana concorreram para agravar o peso destrutivo dessas desvantagens, aniquilando ou corroendo até as disposições individuais mais sólidas e honestas de projetar o homem de cor no aproveitamento das oportunidades em questão.

Desse ângulo, percebe-se com facilidade como a degradação pela escravidão, a anomia social, a pauperização e a integração deficiente combinam-se entre si para engendrar um padrão de isolamento econômico e sociocultural do negro e do mulato que é aberrante em uma sociedade competitiva, aberta e democrática. Se as impulsões econômicas, sociais e políticas que orientaram a formação e o desenvolvimento ulterior imediato do regime de classes fossem mais poderosas, concentradas e tenazes, parece provável que os mecanismos espontâneos de reação societária seriam suficientes para compelir o negro aos ajustamentos dinâmicos, requeridos pela situação histórico-social. Como essas impulsões não se objetivaram socialmente, o destino da população de cor ficou entregue às potencialidades dinâmicas de um equipamento adaptativo e integrativo basicamente modelado para funcionar na sociedade de castas. Ele era apropriado para promover ajustamentos que resguardavam ao máximo a distância social existente entre o branco e o negro, como se este ainda vivesse sob o jugo da dominação do senhor. Por isso, operava como um fator de preservação e de reintegração, na ordem social competitiva, do padrão de isolamento sociocultural em que se fundava o equilíbrio de relações raciais e o domínio da raça branca no regime escravocrata. O que deixa claro que a situação histórico-social do negro e do mulato, no período de consolidação da sociedade de classes em São Paulo, oferece-se à análise sociológica como um problema de demora cultural.

Tudo isso implica que se dê atenção especial a certas influências socioculturais que estabeleceram uma espécie de composição entre o presente e o passado, entre a sociedade de castas e a sociedade de classes. O regime extinto não desapareceu por completo após a Abolição. Persistiu na mentalidade, no comportamento e até na organização das relações sociais dos homens, mesmo daqueles que deveriam estar interessados numa subversão total do antigo regime. Toda insistência será pouca para ressaltar a significação sociológica dessa complexa realidade. Ela nos mostra que o negro e o mulato foram, por assim dizer, enclausurados na condição estamental do liberto e nela permaneceram muito tempo depois do desaparecimento legal da escravidão. A Abolição os projetou no seio da plebe, sem livrá-los dos efeitos diretos ou indiretos dessa classificação. Em plena fase de consolidação da ordem social competitiva e do regime de classes, a população de cor subsiste numa posição ambígua, representada, confusamente, como se constituísse um estamento equivalente ao ocupado pelos libertos na velha estrutura social. Ora, essa situação esdrúxula é altamente esclarecedora. Pois identifica quais são as raízes históricas da degradação social do homem de cor no seio do novo sistema socioeconômico: a perpetuação indefinida de padrões de ajustamento racial que pressupunham a vigência de critérios anacrônicos de atribuição de status e papéis sociais ao negro e ao mulato.

Tomando-se a rede de relações raciais como ela se apresenta em nossos dias, poderia parecer que a desigualdade econômica, social e política, existente entre o negro e o branco, fosse fruto do preconceito de cor e da discriminação racial. A análise histórico-sociológica patenteia, porém, que esses mecanismos possuem outra função: a de manter a distância social e o padrão correspondente de isolamento sociocultural, conservados em bloco pela simples perpetuação indefinida de estruturas parciais arcaicas. Portanto, qualquer que venha a ser, posteriormente, a importância dinâmica do preconceito de cor e da discriminação racial, eles não criaram a realidade pungente que nos preocupa. Esta foi herdada como parte de nossas dificuldades em superar os padrões de relações raciais inerentes à ordem social escravocrata e senhorial. Graças a isso, ambos não visavam, desde o advento da Abolição, instituir privilégios econômicos, sociais e políticos para beneficiar a raça branca. Tinham por função defender as barreiras que resguardavam, estrutural e dinamicamente, privilégios já estabelecidos e a própria posição do branco em face do negro, como raça dominante. No capítulo precedente, procuramos explicar por que o negro e o mulato ficaram apáticos diante de semelhante processo histórico-social e de suas consequências iníquas. Neste capítulo, a nossa atenção vai se voltar para o outro lado da moeda: como e dentro de que limites o homem branco continuou preso a um sistema de valores sociais e de dominação racial que acarretava a vigência de um padrão de ajustamento intersocial análogo ao que vigorava na sociedade estamental e de castas.

O mito da democracia racial

É muito difícil, em nossos dias, reconstruir e interpretar com objetividade as disposições que orientaram os ajustamentos raciais dos brancos, durante a fase de consolidação da ordem social competitiva na cidade de São Paulo. Duas coisas, porém, parecem claras. Primeiro, a perpetuação, em bloco, de padrões de relações raciais elaborados sob a égide da escravidão e da dominação senhorial, tão nociva para o homem de cor, produziu-se independentemente de qualquer temor, por parte dos brancos, das prováveis consequências econômicas, sociais ou políticas da igualdade racial e da livre competição com os negros. Por isso, na raiz desse fenômeno não se encontra nenhuma espécie de ansiedade ou de inquietação, nem qualquer sorte de intolerância e de ódios raciais, que essas duas condições fizessem irromper na cena histórica. Em nenhum ponto ou momento o homem de cor chegou a ameaçar seja a posição do homem branco na estrutura de poder da sociedade inclusiva, seja a respeitabilidade e a exclusividade de seu estilo de vida. Não se formaram, por conseguinte, barreiras que visassem impedir a ascensão do negro, nem se tomaram medidas para conjurar os riscos que a competição desse elemento racial pudesse acarretar para o branco. Em síntese, não se esboçou nenhuma modalidade de resistência aberta consciente e organizada, que colocasse negros, brancos e mulatos em posições antagônicas e de luta. Por paradoxal que pareça, foi a omissão do branco – e não a ação – que redundou na perpetuação do status quo ante. Ao que parece, na medida em que o homem branco só conseguia pôr em prática reduzida parcela das técnicas, instituições e valores sociais inerentes à ordem social competitiva, e ainda assim em setores mais ou menos restritos e confinados (em certos tipos de atividades econômicas, de relações jurídicas ou de privilégios políticos dos membros da classe alta), o campo ficou aberto para a sobrevivência maciça de padrões de comportamento social variavelmente arcaicos. No bojo desses padrões de comportamentos, passaram para a nova era histórica e se revitalizaram normas da velha etiqueta de relações raciais, distinções e prerrogativas sociais que proporcionavam direitos e as garantias sociais das raças em presença às posições que seus componentes ocupavam na estrutura de poder da sociedade, representações que legitimavam, tanto racial, quanto material e moralmente, tais distinções e prerrogativas etc.

Desse ângulo, as debilidades históricas que cercaram a formação e o desenvolvimento inicial do regime de classes contam como muito mais decisivas para a preservação de grande parte da antiga ordem racial que as predisposições do branco de se precaver do negro livre. Pura e simplesmente, aquele não se defrontou com semelhante alternativa histórica, como aconteceu, por exemplo, em situação análoga nos Estados Unidos. Segundo, essa circunstância multiplicou o poder dinâmico dos fatores de inércia sociocultural. Ao mesmo tempo que o branco não se via impelido a competir, a concorrer e a lutar com o negro, este propendia a aceitar passivamente a continuidade de antigos padrões de acomodação racial. Graças aos efeitos sociopáticos da desorganização social permanente e da integração social deficiente, quando o homem de cor superava a apatia diante do próprio destino, fazia-o para aderir a um conformismo tímido e perplexo. Era fatal que prevalecessem orientações já estabelecidas e mais ou menos arraigadas no comportamento convencional. Ora, tais orientações não só existiam; elas faziam parte da herança cultural dos círculos dirigentes das camadas dominantes. Naturalmente, quase insensivelmente, na fase de extinção final do antigo regime, as concepções ideológicas e utópicas do núcleo de origem senhorial, aplicáveis à ordenação e à graduação das relações raciais, governaram o reajustamento dos negros e brancos entre si e, como e enquanto tais, à nova situação histórico-social. Isso parece esclarecer, de modo completo e definitivo, um aspecto curioso da nossa expansão urbana. Durante quase meio século, permaneceu soberana e intocável uma ideologia racial que colidia com as bases ecológicas, econômicas, psicológicas, sociais, culturais, jurídicas e políticas de uma sociedade multirracial, de estrutura secularizada, aberta e em diferenciação tumultuosa! Ainda que os círculos humanos em ascensão pertencessem à raça branca, eles não possuíam motivos substanciais para se identificar, nesse plano, com as velhas elites. Acresce que tinham, por circunstâncias especiais, bons motivos para não perfilhar e até para combater as técnicas de dominação social, às quais se conjugavam a persistência e a revitalização de critérios obsoletos de dominação racial. No entanto, os aludidos círculos permaneceram indiferentes quer às inconsistências dessas técnicas de dominação racial, quer à dramática situação, bastante notória, da população de cor da cidade. No essencial, apropriaram-se parcialmente daquelas técnicas, tirando algum proveito delas e aumentando a área de manifestação de acomodações raciais, em choque irremediável com os fundamentos legais e morais do novo estilo de vida social.

Nesse contexto, um único elemento revelou tenacidade específica. Habituados a lidar com as tensões raciais num mundo social em que elas continham temível poder explosivo e, por isso, precisavam ser reprimidas sem contemplação, os membros das elites tendiam a manter, diante dos problemas da população de cor, atitudes rígidas, incompreensivas e autoritárias. Agiam como se ainda vivessem no passado, mostrando-se propensos a exagerar os riscos potenciais de uma franca liberalização das garantias sociais aos negros e a robustecer velhas formas de dissuasão dos pruridos de gente, a que eles tivessem, porventura, ânimo de aderir. Em particular, não viam com bons olhos as agitações em torno do problema negro, que eclodiram esparsa e desordenadamente aqui e ali, como se elas ocultassem os germes de uma inquietação social suscetível de se converter, com o tempo, em conflito racial. Doutro lado, opunham-se a manifestações de solidariedade para com o negro que escapassem ao paternalismo tradicionalista, o qual protegia o indivíduo ou grupos restritos, resguardando a superioridade e as posições de mando do branco. A desconfiança tolhia, portanto, a modernização de atitudes e de comportamentos em ambos os estoques raciais, sob a dupla presunção de que agitar certas questões só serviria para prejudicar o negro e quebrar a paz social. Com isso, as orientações que se objetivaram socialmente, como um sucedâneo da opção coletiva consciente, equivaliam a uma proscrição e a uma condenação disfarçadas do homem de cor. Este não era repelido frontalmente, mas também não era aceito sem restrições, abertamente, de acordo com as prerrogativas sociais que decorriam de sua nova condição jurídico-política. Persistia uma diretriz ambivalente, de repulsa às impulsões de tratamento igualitário do negro e de acatamento aparente dos requisitos do novo regime democrático. Na prática, tal ambivalência não favorecia o negro e o mulato. Ao que parece, ela apenas contribuiu para suavizar os mecanismos do peneiramento competitivo. Onde o paternalismo prevaleceu, ele facilitou a classificação econômica e social por meio da infiltração pessoal intermitente. Contudo, daí decorria um pesado ônus: o negro não se adestrava, convenientemente, para a livre competição e a população de cor continuava a sofrer os efeitos perniciosos da acefalização insuperável que tal processo de ascensão socioeconômica instituía.

Entenda-se que nada disso nascia ou ocorria sob o propósito (declarado ou oculto) de prejudicar o negro. Na mais pura tradição brasileira, tal coisa não se elevava à esfera da consciência social; e, onde se descobrisse algo parecido (nas atitudes ou nos comportamentos de certos imigrantes e em discriminações anacrônicas, mantidas em determinadas instituições), desses mesmos círculos sociais partia o grito de alarma e de reprovação categórica.1 As mencionadas orientações constituíam parte do tributo oneroso que aqueles círculos sociais pagavam a inveteradas deformações de seus modos de ser, de pensar e de agir, provenientes do regime escravista, as quais os tornavam inaptos para compreender o presente e enfrentar com mentalidade construtiva as suas múltiplas exigências revolucionárias. Além disso, cumpre atentar para o fato de que a defesa da paz social, que se pretendia pôr em prática, não proscrevia o negro da vida social normal. Na verdade, ela respondia a um velho ideal, reiteradamente negligenciado, de associar a preparação completa do negro e do mulato, para seus deveres profissionais e cívicos, à sua ascensão irrestrita como homem livre. Supunha-se que esse seria o caminho mais seguro, ao mesmo tempo para proteger o negro e para resguardar os interesses da sociedade. Semelhante visão da realidade racial pressupunha uma solução extremamente lenta e sob muitos aspectos iníqua do problema negro. Sem que se atentasse para isso, a filosofia política dessa solução repousava no antigo modelo de absorção gradativa dos elementos de cor pelo peneiramento e assimilação dos que se mostrassem mais identificados com os círculos dirigentes da raça dominante e ostentassem total lealdade a seus interesses ou valores sociais. Expectativas e concepções dessa natureza estavam em conflito irremediável com a ordem social existente e jamais poderiam servir, dentro do novo contexto socioeconômico e jurídico-político, como uma ponte de entendimento racial. Não obstante, elas vingaram na cena histórica, alimentando a ilusão de que assim se consolidava a paz social e promovia a defesa dos interesses do negro. Na ânsia de prevenir tensões raciais hipotéticas e de assegurar uma via eficaz para a integração gradativa da população de cor, fecharam-se todas as portas que poderiam colocar o negro e o mulato na área dos benefícios diretos do processo de democratização dos direitos e garantias sociais. Pois é patente a lógica desse padrão histórico de justiça social. Em nome de uma igualdade perfeita no futuro, acorrentava-se o homem de cor aos grilhões invisíveis de seu passado, a uma condição sub-humana de existência e a uma disfarçada servidão eterna.

Como não podia deixar de suceder, essa orientação gerou um fruto espúrio. A ideia de que o padrão brasileiro de relações entre brancos e negros se conformava aos fundamentos ético-jurídicos do regime republicano vigente. Engendrou-se, assim, um dos grandes mitos de nossos tempos: o mito da democracia racial brasileira. Admita-se, de passagem, que esse mito não nasceu de um momento para outro. Ele germinou longamente, aparecendo em todas as avaliações que pintavam o jugo escravo como contendo muito pouco fel e sendo suave, doce e cristãmente humano. Todavia, tal mito não possuiria sentido na sociedade escravocrata e senhorial. A própria legitimação da ordem social, que aquela sociedade pressupunha, repelia a ideia de uma democracia racial. Que igualdade poderia haver entre o senhor, o escravo e o liberto? A ordenação das relações sociais exigia, mesmo, a manifestação aberta, regular e irresistível do preconceito e da discriminação raciais – ou para legitimar a ordem estabelecida, ou para preservar as distâncias sociais em que ela se assentava.2 Com a Abolição e a implantação da República, desapareceram as razões psicossociais, legais ou morais que impediam a objetivação de semelhante ideia. Então, operou-se uma reelaboração interpretativa de velhas racionalizações, que foram fundidas e generalizadas em um sistema de referência consistente com o regime republicano. No passado, o conflito insanável entre os fundamentos jurídicos da escravidão e os mores cristãos não obstou que se tratasse o escravo como coisa e, ao mesmo tempo, se pintasse a sua condição como se fosse humana. No presente, o contraste entre a ordem jurídica e a situação real da população de cor também não obstruiria uma representação ilusória, que iria conferir à cidade de São Paulo o caráter lisonjeiro de paradigma da democracia racial. A realidade coetânea, sobejamente descrita nos dois capítulos anteriores e bem conhecida por todos, na época não tolheu a construção dessa imagem, que aplicou o figurino da moda à autoconsagração da raça branca. Infelizmente, como no passado a igualdade perante Deus não proscrevia a escravidão, no presente, a igualdade perante a Lei só iria fortalecer a hegemonia do homem branco.

Tão vasto mecanismo de acomodação das elites dirigentes a uma realidade racial pungente (e por que não dizer: intolerável numa democracia) permitiu que se fechassem os olhos – quer diante do drama coletivo da população de cor, quer diante das obrigações imperiosas que pesavam pelo menos sobre os ombros dos antigos proprietários de escravos – para não se falar nada sobre os riscos que corre o regime democrático onde se perpetuam diferenças rigidamente aristocráticas na mentalidade e nos costumes dos homens. E, o que foi pior, imprimiu aparência consentânea ao farisaísmo racial dos brancos. A hipocrisia senhorial era facilmente desmascarável; entrava no rol das matérias convencionais. O mesmo não sucedeu com o mito da democracia racial. Como as oportunidades de competição subsistiam potencialmente abertas ao negro, parecia que a continuidade do paralelismo entre a estrutura social e a estrutura racial da sociedade brasileira constituía uma expressão clara das possibilidades relativas dos diversos estoques raciais de nossa população. Ninguém atentou para o fato de que o teste verdadeiro de uma filosofia racial democrática repousaria no modo de lidar com os problemas suscitados pela destituição do escravo, pela desagregação das formas de trabalho livre vinculadas ao regime servil e, principalmente, pela assistência sistemática a ser dispensada à população de cor em geral. Imposto de cima para baixo, como algo essencial à respeitabilidade do brasileiro, ao funcionamento normal das instituições e ao equilíbrio da ordem nacional, aquele mito acabou caracterizando a ideologia racial brasileira, perdendo-se por completo as identificações que o confinavam à ideologia e às técnicas de dominação de uma classe social.

O mito em questão teve alguma utilidade prática, mesmo no momento em que emergia historicamente. Ao que parece, tal utilidade se evidencia em três planos distintos. Primeiro, generalizou um estado de espírito farisaico, que permitia atribuir à incapacidade ou à irresponsabilidade do negro os dramas humanos da população de cor da cidade, com o que eles atestavam como índices insofismáveis de desigualdade econômica, social e política na ordenação das relações raciais. Segundo, isentou o branco de qualquer obrigação, responsabilidade ou solidariedade morais, de alcance social e de natureza coletiva, perante os efeitos sociopáticos da espoliação abolicionista e da deterioração progressiva da situação socioeconômica do negro e do mulato. Terceiro, revitalizou a técnica de focalizar e avaliar as relações entre negros e brancos através de exterioridades ou aparências dos ajustamentos raciais, forjando uma consciência falsa da realidade racial brasileira. Essa técnica não teve apenas utilidade imediata. Graças à persistência das condições que tornaram possível e necessária a sua exploração prática, ela se implantou de tal maneira que se tornou o verdadeiro elo entre as duas épocas sucessivas da história cultural das relações entre negros e brancos na cidade.3 Em consequência, ela também concorreu para difundir e generalizar a consciência falsa da realidade racial, suscitando todo um elenco de convicções etnocêntricas: 1º – a ideia de que o negro não tem problemas no Brasil; 2º – a ideia de que, pela própria índole do povo brasileiro, não existem distinções raciais entre nós; 3º – a ideia de que as oportunidades de acumulação de riqueza, de prestígio social e de poder foram indistinta e igualmente acessíveis a todos, durante a expansão urbana e industrial da cidade de São Paulo; 4º – a ideia de que o preto está satisfeito com sua condição social e estilo de vida em São Paulo; 5º – a ideia de que não existe, nunca existiu, nem existirá outro problema de justiça social com referência ao negro, excetuando-se o que foi resolvido pela revogação do estatuto servil e pela universalização da cidadania – o que pressupõe o corolário segundo o qual a miséria, a prostituição, a vagabundagem, a desorganização da família etc., imperantes na população de cor, seriam efeitos residuais, mas transitórios, a serem tratados pelos meios tradicionais e superados por mudanças qualitativas espontâneas.4

Essa sumária e imperfeita condensação evidencia, segundo supomos, que não se impôs historicamente, como algo inevitável, a necessidade de ajustar as representações ou avaliações raciais aos requisitos econômicos, políticos e jurídicos da ordem social democrática, decorrente da Abolição da escravatura e da implantação do Estado republicano. Nenhum interesse econômico, social ou político, bem como nenhuma consideração de caráter moral, religioso ou convencional impeliram as elites dirigentes a diligenciar inovações que entrosassem o sistema de relações raciais na ordem societária em emergência e em expansão. Em face disso, é impossível evitar outra questão delicada. Parece claro que a persistência de velhas racionalizações, com frequência reinterpretadas e sob o jargão fornecido pelos mores jurídico-políticos republicanos, decorria unilateralmente do que se poderia chamar de “interesse da raça dominante”, na forma em que eles convinham às elites dirigentes. Em que consistiam esses interesses? Pelo que se pode discernir, atualmente, esses interesses caíam em duas categorias. De um lado, havia a propensão em isentar aquelas elites, com os círculos sociais que elas representavam – ambos dramaticamente envolvidos na exploração secular do escravo ou do liberto e na política de substituição populacional que eliminou o negro da arena econômica –, de culpas objetivas pelo desfecho melancólico dos processos abolicionista e republicano. O desvio farisaico, imposto, mantido e alargado continuamente pelas contradições entre os mores econômicos, religiosos e jurídicos da sociedade de casta, foi de grande serventia naquelas circunstâncias históricas. Negando uma realidade racial pungente, ladeava-se a dificuldade maior de ter de enfrentá-la e superá-la. De outro lado, a orientação alternativa – que não chegou a se concretizar historicamente –, de organizar e fomentar o caminho da integração racial democrática, colidia com os objetivos diretos e conscientes da política de expansão econômica com base nos interesses da grande lavoura e de suas vinculações com o crescimento econômico. A aludida política não deixava margem de escolha. Ou se sacrificavam os elementos egressos do trabalho servil, ou não se punha em prática a orientação alvitrada no fomento do trabalho livre e da substituição populacional.5 Dentro desse contexto, é fácil compreender por que os fazendeiros paulistas logo abandonaram as pretensões de reparação, associadas à libertação compulsória dos escravos, dando preferência às medidas que ingeriam o Estado no financiamento da produção agrícola e, em particular, na intensificação das correntes migratórias europeias. Acresce que a concentração de esforços numa área destituída de importância econômica e política imediatas conduziria, inevitavelmente, a resultados indesejáveis, do ponto de vista da situação estratégica das camadas dominantes. Qualquer iniciativa autêntica de proteger a ascensão igualitária do negro e do mulato esbarraria com dissensões e oposições arraigadas. Formar-se-iam focos de tensões e de conflitos no seio das próprias camadas dominantes, sem que isso proporcionasse vantagens efetivas a qualquer dos subgrupos em que elas se dividiam.

Motivos dessa natureza eram tão ponderáveis que já aparecem, explicitamente, no bojo da campanha abolicionista. Em um dos manifestos contra a escravidão, afirmava-se: O futuro dos escravos depende em grande parte dos seus senhores; a nossa propaganda não pode por consequência criar entre senhores e escravos senão sentimentos de benevolência e de solidariedade.6

Nabuco, por sua vez, embora definindo o abolicionismo como um movimento político nascido da ideia de construir o Brasil sobre o trabalho livre e a união das raças na liberdade e que representasse a raça negra como elementos de considerável importância nacional, estreitamente ligada por infinitas relações orgânicas à nossa constituição, parte integrante do povo brasileiro, estabelece reservas muito significativas. Segundo indicava, os abolicionistas querem conciliar todas as classes, e não indispor umas contra as outras […] não pedem a emancipação no interesse tão somente do escravo, mas do próprio senhor, e da sociedade toda. Essas são belas palavras, que perdiam boa parte do impacto revolucionário pelo contexto ideológico em que se projetavam. Pois ele deixa patente, em seguida, duas coisas fundamentais. Primeiro, que não se visava subverter a estrutura racial da sociedade de castas, mas sua ordenação jurídica: não podem querer [os abolicionistas] instilar no coração do oprimido um ódio que ele não sente, e muito menos fazer apelo a paixões que não servem para fermento de uma causa, que não se resume na reabilitação da raça negra, mas que é equivalente, como o vimos, à reconstituição completa do país. Segundo, que se pretendia proceder à emancipação preservando-se todas as regalias e o poder de dominação da raça branca. A propaganda abolicionista com efeito não se dirige aos escravos.

Seria uma covardia, inepta e criminosa, e, além disso, um suicídio político para o partido abolicionista incitar à insurreição ou ao crime homens sem defesa, e que ou a lei de Lynch ou a justiça pública imediatamente havia de esmagar.7 As conveniências dos círculos dirigentes da raça dominante é que iriam decidir como orientar a transformação da ordem racial, inerente à estruturação da sociedade. Esses limites eram tão fortes que foram respeitados até pelos idealistas ou pelas forças radicalmente revolucionárias do movimento. Patrocínio, visto por Nabuco como a encarnação do espírito revolucionário do abolicionismo,8 fixa-se, obedientemente, dentro desses limites: Por minha parte, desde o primeiro dia da propaganda abolicionista abri a minha estrada, dando-lhe por margens o direito e a lei. […] Quando foi que desta tribuna se pregaram ideias subversivas? Quando foi que proclamamos o direito do punhal do escravo contra a vida do senhor, ainda que tivéssemos para apoiar-nos a indignação de Raynal?9 Em São Paulo, nem mesmo Antônio Bento, o grande mentor da agitação direta nas senzalas, teve coragem ou sentiu necessidade de ultrapassar esses limites; e o Partido Republicano tergiversou continuamente, procurando capitalizar os interesses políticos da grande lavoura.10

Transcorrida a Abolição e consolidado o regime de trabalho livre, os mencionados motivos operaram com renovado vigor. A aristocracia paulista possuía experiência escassa e recente na área da manipulação democrática dos problemas sociais.11 Acostumada ao mando arbitrário e à obediência passiva, não aprendera a lidar com o comportamento coletivo e com os movimentos sociais autônomos, tendo ainda de aprender a enfrentá-los com equilíbrio, serenidade e ânimo construtivo. Além disso, ninguém sabia ao certo o que poderia ocorrer na cidade acaso se acendesse um estopim em torno de questões raciais. Duvidava-se da lealdade dos imigrantes aos interesses e aos valores das camadas dominantes, receando-se, em especial, que agitações em torno desses problemas fomentassem inquietações bem mais graves e incontroláveis entre os operários. A paz social continuava a ser vista ao velho estilo, como algo monolítico. Quebrada em um ponto, fosse qual fosse, independentemente da razão invocada, poder-se-ia perder o controle da situação. As descrições de Everardo Dias sobre a formação do proletariado e o desenvolvimento das lutas operárias em São Paulo são particularmente elucidativas a esse respeito. Elas acentuam muito bem como a mentalidade reinante via a questão social como uma questão de polícia, sufocando pela violência as manifestações reivindicativas do teor mais pacífico.12 Tais manifestações

alarmavam e enchiam de pânico os conservadores e demais elementos autoritários de posse das rédeas governamentais do país, pois era então presidente da República um dos antigos e ferrenhos conselheiros do Império, o Sr. Rodrigues Alves, que se rodeava, em seu governo, de indivíduos igualmente adversários rígidos de toda ideia ou tendência que ultrapassasse os quadros do estreito liberalismo monárquico. Também não deve ser esquecido que o Brasil acabava de sair do regime escravocrata – e não havia ainda passado uma geração desse importante acontecimento e as gerações que atuavam na vida política, com exceção dos republicanos avançados, sempre em reduzida minoria, mais teorizantes que objetivos, eram favoráveis a que no campo econômico e social predominasse um regime de trabalho que pouco diferisse da escravidão abolida, visto como todos esses indivíduos eram antigos escravagistas, e a palavra operário era ainda uma expressão pejorativa, diminuidora da personalidade…13

À luz de semelhante mentalidade, seria desavisado, indecoroso e temerário debater de público, com franqueza e espírito crítico, temas do tipo que poderiam ser suscitados pela situação da população de cor em São Paulo, mesmo que se visasse defender concepções francamente tradicionalistas e paternalistas. Se o debate se polarizasse na situação de interesses do negro ou se partisse, diretamente, de sua própria maneira de encarar as coisas, então se opunha uma resistência feroz às iniciativas – resistência que era filha da incompreensão, mas também do egoísmo e do medo. Preferia-se, tacitamente, que a população de cor jamais saísse de sua apatia e passividade. Dois exemplos serão suficientes para fundamentar essa observação. Em 1927, um jovem mulato, filho natural de um branco de família importante, ansioso por ter um jornal e colocá-lo a serviço do alargamento da autoconsciência do negro sobre sua própria situação na cidade, procurou seu pai, em busca de auxílio para adquirir uma máquina de escrever. Pediu-lhe, tão somente, trezentos mil-réis. “Contei dos nossos e de nossas intenções. Ele condenou, então, a participação em movimentos dessa natureza, pois, no Brasil, não havia necessidade deles.” O segundo caso se refere a uma experiência análoga, na qual Vicente Ferreira, líder negro, defrontou-se com conhecido político conservador de tradicional e ilustre família paulista:

Na páscoa dos operários (1929) realizada na Igreja do Pari, presentes M. S. e o então abade, F. Vicente Ferreira, que lá estava em companhia de Carlos Cavaco, pronunciou um grande discurso que, como sempre, evocava o malsinado destino dos negros. Terminado o discurso, o abade, no meio do grande público, beijou Vicente Ferreira na testa, para mostrar que a Igreja Católica não tinha nenhum preconceito contra os negros. Na volta da Igreja, o Vicente Ferreira, que andava sempre modestamente trajado, foi convidado a vir para a cidade em companhia do dr. M. S. Vinha o Carlos Cavaco ao lado do chofer e, atrás, o Vicente Ferreira, ladeado por M. S. e o abade. Na cidade, M. S. insistiu em levá-lo até a residência – não tinha residência fixa: dormia numa hospedaria que havia no Largo do Piques, quando conseguia dois mil-réis para pagar a cama. M. S., vendo a situação do Vicente Ferreira, convidou-o a passar na sua casa no dia seguinte, para tomar um café, e disse-lhe que pedisse qualquer coisa, pois estava disposto a ajudá-lo. O Vicente Ferreira, antes de procurar M. S., passou na redação do Clarim e disse aos companheiros que iria dar uma lição àquele ilustre paulista, prevenindo, assim, que para ele nada pediria, mas antes solicitaria o favor de um empréstimo da quantia necessária para o Clarim montar uma pequena oficina. De fato o fez, mas M. S., espantado com o pedido, solicitou uma coleção do jornal em questão, a fim de estudar o assunto; mais tarde, devolveu-a, dizendo que não poderia ajudar os negros a ter um jornal como aquele. Propôs M. S. a transformação do Clarim numa revista de ilustração, comprometendo-se a conseguir que a revista fosse feita por um preço razoável.14

Ambos os exemplos esclarecem a acessibilidade do branco, sua propensão a auxiliar o negro e o horror que sentia diante de manifestações da população de cor que não pudesse orientar direta e discricionariamente.

Para os fins desta discussão, há pouco interesse em aprofundar as descrições. É patente que só depois da Abolição e no contexto jurídico-político do Estado republicano seria possível se cogitar da situação de contato entre negros e brancos, imperante em São Paulo, como sendo uma democracia racial. Na realidade, porém, as coisas não caminharam nessa direção. De um lado, enquanto a ordem jurídico-política da sociedade inclusiva passou por verdadeira revolução, sua ordem racial permaneceu quase idêntica ao que era no regime de castas. De outro, o negro jamais encontrou no branco um ponto de apoio efetivo às suas tentativas de tomada de consciência e de melhoria de sua situação histórico-social. Em vez de ser democrática, nesta esfera a sociedade paulistana era extremamente rígida, proscrevendo e reprimindo as manifestações autênticas de autonomia social das pessoas de cor. Considerada em termos desse contexto histórico, a convicção de que as relações entre negros e brancos corresponderiam aos requisitos de uma democracia racial não passa de um mito. Como mito, ela se vinculava aos interesses sociais dos círculos dirigentes da raça dominante, nada tendo que ver com os interesses simétricos do negro e do mulato. Por isso, também, não operava como uma força social construtiva, de democratização dos direitos e garantias sociais na população de cor. Inscrevia-se, contrariamente, entre os mecanismos que tendiam a promover a perpetuação, em bloco, de relações e processos de dominação que concentravam o poder nas mãos dos mencionados círculos dirigentes da raça branca, como sucedera no recente passado escravista.

Feito esse balanço geral, cabe-nos reconhecer que a importância desse mito foi, comparativamente, menor na cidade de São Paulo que em outras comunidades brasileiras, que estacionaram por mais tempo em estruturas variavelmente mais arcaicas. Ainda assim, ele exerceu uma influência dinâmica indireta, claramente reconhecível. Na medida em que contribuía para resguardar as velhas elites da obrigação de introduzir inovações efetivamente radicais e liberalizadoras nas relações dos brancos com os negros, ele as auxiliou a manter quase intato o arcabouço em que se assentava a dominação tradicionalista e patrimonialista, base social da hegemonia da camada senhorial, da autonomia da raça branca e da heteronomia da raça negra. Ao se ligar a esse efeito, é evidente que o mito da democracia racial assumiu importância específica como componente dinâmico das forças de inércia social, que atuavam no sentido de garantir a perpetuidade de esquemas de ordenação das relações sociais herdadas do passado. Teve, assim, uma parte ativa na protelação das prerrogativas e privilégios sociais dos grupos dominantes, que exprimiam e mantinham a distância social existente entre os vários segmentos da sociedade. Desse ângulo, o mito em apreço aparece como um fator de retenção do desenvolvimento da ordem social competitiva e democrática. Em vez de ser um elemento de dinamização modernizadora das relações raciais, era uma fonte de estancamento e de estagnação, solapando ou destruindo tendências de caráter inovador e democratizador nessa esfera da convivência social humana.

Portanto, as circunstâncias histórico-sociais apontadas fizeram com que o mito da democracia racial surgisse e fosse manipulado como conexão dinâmica dos mecanismos societários de defesa dissimulada de atitudes, comportamentos e ideais aristocráticos da raça dominante. Para que sucedesse o inverso, seria preciso que ele caísse nas mãos dos negros e dos mulatos; e que estes desfrutassem de autonomia social equivalente para explorá-lo na direção contrária, em vista de seus próprios fins, como um fator de democratização da riqueza, da cultura e do poder. Se tal coisa ocorresse, o mito da democracia racial animaria o homem de cor a tomar seu lugar na sociedade de classes e, provavelmente, concorreria para estimular as camadas baixas, intermediárias e altas da raça dominante a cooperarem de um modo ou de outro nesse processo. Dentro dos limites do que aconteceu historicamente, ele preencheu funções sociais que atendem a interesses sociais que são o oposto disso. Primeiro, oferecendo uma cobertura cômoda ao alheamento e à indiferença dos círculos dirigentes da raça branca diante do destino ulterior do negro no regime democrático. Se o negro não tinha problemas e se suas dificuldades fossem, de fato, naturais e transitórias, cabia ao próprio homem de cor lutar pelo seu erguimento e integração à sociedade de classes. Segundo, identificando como indesejável a discussão franca da situação da população de cor e como perigosa a participação em movimentos sociais destinados a minorá-la. Se se vedavam ambas as perspectivas – de tomada de consciência e de intervenção organizada na realidade –, eliminava-se também a viabilidade de mecanismos societários de correção dos problemas sociais existentes no meio negro. Só restava, ao negro e ao mulato, a via consagrada tradicionalmente, da infiltração pessoal e da ascensão social parcelada, que não tinha suficiente alcance coletivo (pois corrigia aqueles problemas na escala dos indivíduos em mobilidade vertical) e possuía o inconveniente gravíssimo, no momento histórico, de promover reiteradamente a acefalização das massas negras. Terceiro, concentrando nas mãos do homem branco das camadas sociais altas o poder de juiz supremo, de árbitro da situação, de quem decide o que convinha ou não convinha ao homem de cor, individualmente, e à população de cor, coletivamente. Enquanto observassem semelhantes expectativas, o negro e o mulato estariam projetados numa condição social análoga ou inferior à do branco dependente do antigo regime. Ver-se-iam sob tutela crônica e insuperável, com a agravante de não contarem mais com os benefícios da dominação patrimonialista e de serem excluídos, como agentes humanos, das áreas em que se constrói a história socialmente.

O fato de o mito da democracia racial sofrer a elaboração social mencionada, associando-se a manipulações conservantistas do poder, indica claramente que a ordem social e a ordem racial da sociedade inclusiva se transformavam com intensidades bem desiguais. A primeira respondia rapidamente às alterações da estrutura econômica da cidade, embora revelasse maior lentidão no ajustamento aos requisitos jurídico-políticos do regime democrático republicano. A segunda não absorvia de modo sensivelmente uniforme tais influências. Como se o modelo da organização de castas ainda imperasse, o setor constituído pelo estoque racial branco se engrenava nos fluxos das transformações históricas da ordem social, enquanto o estoque racial negro permanecia estagnado e as inter-relações dos dois continuavam a ser reguladas pelos velhos padrões. Proscrito da história e da participação das pugnas sociais que decidiam do seu curso, o homem de cor estava bloqueado em uma zona estagnada e estática da sociedade. Por isso, em contraste com a alteração tumultuosa do cenário histórico-social, a ordem racial tendia a se manter em estado estacionário.

O que vimos no capítulo anterior ou neste capítulo esclarece, suficientemente, o assunto. Os ajustamentos dinâmicos do homem de cor e da raça branca propendiam para um ponto de inércia, que se evidenciava, historicamente, na perpetuação estagnadora da ordem racial. Não obstante, ainda há, aqui, questões a debater. Considerando a situação de contato da perspectiva e segundo a rede de interesses histórico-sociais das elites no poder, deixamos de lado o papel das camadas baixas e intermediárias da raça dominante. Ora, essas camadas abrangiam, como vimos no primeiro capítulo, um dos polos humanos de dinamização do desenvolvimento da ordem social competitiva. Compostas por imigrantes europeus ou por elementos nacionais em árdua competição com eles, essas camadas forneciam o grosso dos indivíduos ou grupos sociais empenhados na vida econômica ativa. Em relação a elas, nesse contexto da discussão, interessaria saber por que também se mostravam indiferentes quer à perpetuação das técnicas tradicionais de dominação social, quer ao destino da população de cor na cidade. Parece óbvio que daí poderia ter nascido uma oposição ferrenha à dominação das antigas elites e que tal coisa teria mudado o panorama racial descrito.

Resumindo as indicações ao essencial, diríamos que a capacidade de atuação política dessas camadas fora neutralizada. É fácil explicar esse processo insólito, levando-se em conta as condições histórico-sociais da formação da ordem social competitiva em São Paulo. Durante a crise final do regime escravocrata, os círculos dirigentes tomaram a si a condução do processo revolucionário. Por conseguinte, como assinalamos, coube-lhes decidir a respeito de todas as fases da política de substituição populacional, que iria resolver os problemas econômicos criados pelo colapso do trabalho servil. O fato mais importante, do ponto de vista sociológico, diz respeito à preservação dos papéis políticos das velhas elites. Elas orientaram o processo, no conjunto, de modo a resguardar, intocáveis, todas as suas atribuições fundamentais na estrutura de poder da sociedade. O imigrante ou o elemento nacional adventício aparecem na cena histórica movidos por cordões que elas dirigiam a seu bel-prazer. Não emergiram como iguais, como alguém que poderia ter vontade própria e uma orientação política autônoma. Como os demais interesses econômicos, do comércio de importação ou de exportação, estavam diretamente subordinados à grande lavoura, no concerto geral prevaleciam os ditames desta última. Ocorreu uma sorte de acomodação mecânica de interesses paralelos. As camadas dominantes, vindas do passado senhorial e escravista, conservaram-se à testa do poder organizado política, econômica e socialmente. As demais categorias sociais se concentraram no afã de fazer a fortuna: ou no sentido europeu de fazer a América; ou no sentido brasileiro de adquirir o estalão de gente de prol. O importante é que decorreram quase três gerações antes que entrassem na arena como concorrentes e, até, como opositores daquelas elites. Nesse ínterim, a acomodação aludida proporcionou uma especialização tácita. O poder ficava entre as atribuições indisputadas dos seus executores tradicionais (embora pudesse ser exercido por outros, sob delegação consentida). Os demais faziam a fortuna. Para muitos imigrantes, a ilusão do retorno ao país de origem contava mais que qualquer motivação suplementar de prestígio ou consideração sociais; para os elementos nacionais, os mecanismos tradicionais de organização do poder enredavam a todos nas malhas do patrimonialismo e da lealdade para com seus interesses. Em síntese, só no fim do período considerado, de 1924 a 1930, é que surgiriam as primeiras tentativas orgânicas para quebrar as referidas acomodações, com suas consequências morais e políticas. As velhas elites tiveram condições e souberam aproveitá-las com notável egoísmo, para garantir a supremacia de seus interesses e de suas preferências ideológicas.

Portanto, as camadas baixas e intersticiais da comunidade se envolviam muito mal, quase sempre tangencial ou superficialmente, em assuntos que não possuíssem significação econômica imediata para elas. As velhas elites contaram com um espaço de tempo de quase três gerações de domínio absoluto, ao sabor do antigo regime, e só então começaram a sofrer os efeitos diretos ou indiretos da presença de outros interesses organizados na luta pelo poder e pelo controle ideológico das opiniões. Essas circunstâncias explicam várias coisas. Primeiro, por que a substituição populacional foi tão importante para a diferenciação da ordem socioeconômica, refletindo-se quase nada nas estruturas políticas e no clima moral da sociedade inclusiva. O processo político continuava tolhido, sofrendo uma corrupção que o impedia de se democratizar. Segundo, não se processou aqui, como aconteceu em outras situações de contato,15 uma identificação entre as camadas baixas e intermediárias e a camada alta e dominante da população. A aceitação e a disseminação do mito da democracia racial não nasceu, assim, de avaliações e opções plenamente conscientes e desejadas. Elas se deram como fruto da acomodação mecânica e da especialização de interesses indicadas. Antes, como consequência de um vulnerável estado de indiferença geral, que por causa de sentimentos vivos, atuantes e insuperáveis. Por isso, padrões divergentes de avaliação racial, de diversas origens étnicas ou raciais, conjugaram-se à absorção daquele mito e à sua exteriorização. Onde tais padrões penderam para a intolerância racial, o mito sofreu uma reelaboração que reforçou seu conteúdo, sua significação e suas funções aristocráticas; onde prevaleceram atitudes de tolerância e de simpatia raciais, o mito foi parcialmente expurgado dos componentes residuais antidemocráticos, adquirindo o caráter de uma força dinâmica integrativa. Tudo isso fez com que se quebrasse a unidade de visão, estabelecida sob a égide das concepções das velhas elites. Mas os efeitos construtivos dessas transformações mal começaram a eclodir nos últimos vinte e cinco anos. Terceiro, quaisquer que fossem as polarizações dos segmentos intolerantes ou tolerantes das camadas baixas e intersticiais, em virtude da inexistência de mecanismos societários de solidariedade racial ou inter-racial, da eficácia das formas de dissuasão ou de controle, manipuladas pelas elites, e da falta de consenso no uso regulado do conflito, elas não podiam operar dinamicamente: (a) nem em sentido negativo (ou seja, agravando as tensões raciais); (b) nem em sentido positivo (ou seja, acelerando a absorção da ordem racial pela ordem social competitiva e democrática). Para entender isso é preciso que se atente para o fato de que tais polarizações só produziriam efeitos dinâmicos se fossem canalizadas para a arena política. Isso não acontecia, porém, por causa do alheamento político daqueles setores populacionais. Se porventura tal coisa ocorresse, os efeitos de caráter negativo ou positivo seriam fatalmente tolhidos, desde que suplantassem os limites fixados pelos mores dos círculos dirigentes. É que eles ameaçariam a estrutura de poder, afetando de modo direto ou indireto as prerrogativas daqueles círculos, ciosos da necessidade de preservar intata a sua capacidade de mando autoritário, mesmo pela violência ou por outros meios. Todas essas indicações salientam a mesma evidência. Quando um setor da sociedade inclusiva monopoliza funções sociais que entram em conflito com as tendências normais de integração da ordem societária, ele pode entravar e mesmo corromper, indefinida e indeterminadamente, o curso da evolução social. Uma democracia não pode funcionar sem um mínimo de equilíbrio e de autonomia nas relações das categorias sociais associadas pela ordem societária imperante. Mesmo que essas condições tivessem aparecido nas relações dos segmentos sociais pertencentes à raça dominante, elas ainda seriam insuficientes para promover a conversão do homem de cor em parceiro historicamente válido. Ora, sem que se realize essa condição suprema, ninguém pode garantir que as impulsões de democratização, existentes entre os brancos, conduzissem, uniforme e invariavelmente, na direção de uma ordem racial democrática. Em nossa situação, só a atuação organizada, ativa e intransigente do negro e do mulato – dadas outras condições favoráveis – poderia assegurar tal desfecho.

Os resultados desta breve análise retrospectiva demonstram que as condições de perpetuação parcial das antigas formas de dominação patrimonialista estão na própria raiz do desequilíbrio que se criou (e se acentuou progressivamente, em seguida) entre a ordem racial e a ordem social da sociedade de classes. A democracia surgiu tímida e debilitada em nosso meio. Como seu funcionamento e desenvolvimento normais dependem do poder relativo dos grupos sociais que concorrem entre si no cenário social, ideológica e utopicamente,16 ela forneceu, no início, um palco histórico exclusivo aos poucos grupos sociais que estavam organizados, possuíam técnicas apropriadas para exercer dominação e autoridade, e lutavam sem vacilações pelo monopólio do poder (se preciso, sob o manto dos ideais democráticos). O atraso da ordem racial ficou, assim, como um resíduo do antigo regime e só poderá ser eliminado, no futuro, pelos efeitos indiretos da normalização progressiva do estilo democrático de vida e da ordem social correspondente. Enquanto isso não se der, não haverá sincronização possível entre a ordem racial e a ordem social existentes. Os brancos constituirão a raça dominante e os negros a raça submetida. Doutro lado, enquanto o mito da democracia racial não puder ser utilizado abertamente, pelos negros e pelos mulatos, como um regulador de seus anseios de classificação e de ascensão sociais, ele será inócuo em termos da própria democratização da ordem racial imperante. A dinamização no sentido democrático e igualitário da ordem racial tem de partir do elemento de cor, embora deva ser tolerada, acolhida e sancionada pelos brancos em geral. Construído e utilizado para reduzir ao mínimo tal dinamização, o referido mito se converteu numa formidável barreira ao progresso e à autonomia do homem de cor – ou seja, ao advento da democracia racial no Brasil.


Notas do autor

1 Na segunda parte deste capítulo serão mencionados alguns dados a respeito desse aspecto do assunto.

2 O leitor encontrará em BASTIDE, R. e FERNANDES, F. Brancos e negros em São Paulo, pp. 84-115, uma descrição e análise sociológicas das funções do preconceito e da discriminação raciais na ordem social escravocrata e senhorial da cidade de São Paulo.

3 As duas épocas mencionadas dizem respeito à duração, no tempo, da sociedade de castas e da sociedade de classes.

4 Nessa parte da exposição, julgamos melhor formular as representações enunciadas sem referi-las à conexão de tempo pressuposta. Procedemos assim para facilitar o resumo dos resultados mas, também, porque as referidas representações continuam a ter vigência na atualidade. Não obstante, não utilizamos dados ou materiais relativos ao presente, o que alargaria demais o âmbito da discussão.

5Essa questão já foi examinada no primeiro capítulo. Seria oportuno, não obstante, transcrever um esclarecedor trecho da intervenção de Prudente de Morais, na célebre sessão da Câmara de 11 maio 1885, confirmada posteriormente pelos acontecimentos: Posso dizer, e creio que não serei contestado pelos representantes de minha província; na Província de São Paulo, especialmente no oeste que é a sua parte mais rica e próspera, a questão principal não é a da liberdade do escravo. Os paulistas não fazem resistência, não fazem grande questão disto; do que eles fazem questão séria, e com toda a razão, é da substituição e permanência do trabalho (apoiado de Antônio Prado, Rodrigo Silva e Martim Francisco); e desde que o governo cure seriamente de empregar os meios que facilitem a aquisição de braços livres que garantam a permanência do trabalho, a conservação e o desenvolvimento da sua lavoura, os paulistas estarão satisfeitos e não farão questão de abrir mão de seus escravos, mesmo sem indenização, porque para eles a melhor, a verdadeira indenização está na facilidade de obter trabalhadores livres, está na substituição do trabalho. (Apud SANTOS, J. M. dos. Os republicanos paulistas e a Abolição, p. 225).

6Manifesto da sociedade brasileira contra a escravidão. Rio de Janeiro: Tip. de G. Leuzinger & Filhos. [s. d.] p. 120.

7 NABUCO, J. O abolicionismo, trechos extraídos das pp. 19-20 e 24-25. Adiante, conclui, completando esse quadro: A emancipação há de ser feita entre nós por uma lei que tenha os requisitos externos ou internos de todas as outras. É assim no Parlamento e não em fazendas ou quilombos do interior, nem nas ruas e praças das cidades, que se há de ganhar ou perder a causa da liberdade (id., p. 26).

8 “O que Patrocínio, porém, representa é o fatum, é o irresistível do movimento… Ele é uma mistura de Espártaco e de Camille Demoulins… Os que lutavam somente contra a escravidão, eram como os liberais de 1789, da raça dos cegos de boa vontade, senão voluntários, que as revoluções empregam para lhes abrirem a primeira brecha… Patrocínio é a própria revolução. Se o abolicionismo no dia seguinte ao seu triunfo dispersou-se e logo depois uma parte dele aliou-se à grande propriedade contra a dinastia que ele tinha induzido ao sacrifício, é que o espírito que mais profundamente o agitou e revolveu foi o espírito revolucionário que a sociedade abalada tinha deixado escapar pela primeira fenda dos seus alicerces… Patrocínio foi a expressão de sua época; em certo sentido, a figura representativa dela…” (NABUCO, J. Minha formação. São Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1947. pp. 178-179). Essa caracterização magistral, tirante as implicações conservadoras, põe em relevo o significado do espírito revolucionário encarnado por Patrocínio e a natureza das forças que empolgaram a condução dos eventos histórico-sociais. Por isso, ela é tão importante para a nossa análise.

9Conferência pública do jornalista José do Patrocínio feita no teatro Politeama em sessão de Confederação Abolicionista de 17 de maio de 1885. Folheto no 8. Rio de Janeiro, Tip. Central, 1882 (sic!). pp. 4-5.

10 Veja-se, a respeito, SANTOS, J. M. dos. Os republicanos paulistas e a Abolição, esp. pp. 106-113, 118, 149-150, 195-222, 249 e 261 et seqs. Note-se que desde o início a ala radical do Partido Republicano era abolicionista. Já na célebre reunião de 2 jul. 1873, realizada na capital, Luís Gama colocara, dura e dramaticamente, o Partido Republicano em causa, demonstrando que ele não podia transigir, nessa matéria, com os interesses escravocratas da grande lavoura. Mas sua posição só encontrou ressonância moral; caiu sozinho, como voz solitária e incômoda. Veja-se, a respeito, o depoimento de Lúcio Mendonça, transcrito por MENNUCCI, S. O precursor do abolicionismo no Brasil: Luís Gama. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1938, p. 159-160.

11 Pode-se afirmar que a parte mais importante e significativa dessa experiência se inaugura com a introdução de levas de imigrantes europeus nas fazendas e nas cidades, realizando-se duramente, por meio dos conflitos com os camponeses e os operários.

12 Veja-se, em especial, a parte inicial de seu depoimento Lutas operárias no estado de São Paulo. (Revista Brasiliense, São Paulo, set.-out. 1955, no 1, pp. 68-87).

13 DIAS, E. Lutas operárias no estado de São Paulo, p. 71.

14 Trecho de um estudo de caso, elaborado por Renato Jardim Moreira com base em indicações fornecidas por José Correia Leite. Movimentos sociais no meio negro. Ms. pp. 10-11.

15 Veja-se, especialmente, LINTON, R. (org.). Acculturation in seven american indian tribes. Nova York: D. Appleton Century Co., 1940 (os três últimos ensaios, de autoria de Linton).

16Seria útil frisar que ambos os conceitos (de ideologia e de utopia) são sempre referidos, neste trabalho, através das definições sociológicas propostas por Karl Mannheim (ver Ideologia e utopia. Trad. de E. Willems, Porto Alegre: Ed. Globo, 1950).


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