A reforma dos patrões contra os trabalhadores

Sob o discurso da modernização, a “reforma” (melhor seria dizer contra-reforma) caminha em direção a um cenário pré-CLT, de desregulamentação e precarização das condições laborais.

Ib Sales Tapajós 9 nov 2017, 10:51

No próximo dia 11, entrará em vigor a Lei Federal nº 13.467/20171 – a dita “reforma trabalhista”, um dos mais ferozes ataques do capital contra o trabalho na história recente do Brasil.

Sob o discurso da modernização, a “reforma” (melhor seria dizer contra-reforma) caminha em direção a um cenário pré-CLT, de desregulamentação e precarização das condições laborais.

Desde outubro/2015 a reforma trabalhista ocupa lugar de destaque na agenda nacional, quando publicado o documento Ponte para o Futuro do PMDB, que serviu de “base programática” para o impeachment de Dilma.

Na ocasião, o partido de Temer defendia a retomada do crescimento econômico com a recriação de “um ambiente estimulante para o setor privado”.

A reforma trabalhista foi indicada como necessária à retomada do crescimento: “na área trabalhista, permitir que as convenções coletivas prevaleçam sobre as normas legais, salvo quanto aos direitos básicos”.

A Ponte para o Futuro abraçava uma reivindicação antiga da classe patronal: a prevalência do negociado sobre o legislado, isto é, permitir que a negociação direta entre patrões e empregados prevaleça sobre as leis trabalhistas.

Esse é o coração da reforma aprovada pelo Congresso em 2017, e representa um grave retrocesso na proteção jurídica dos trabalhadores.

Os direitos conquistados ao longo do século XX, que estão positivados na CLT e em outras leis, poderão ser desconsiderados mediante negociação coletiva (e, em alguns casos, até mesmo em negociação individual).

A negociação coletiva entre sindicatos e patrões, outrora voltada para a ampliação de direitos, será agora instrumento da retirada de diretos. Não à toa o novo art. 611-A, § 2º, da CLT prevê que a “inexistência de expressa indicação de contrapartidas recíprocas em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho não ensejará sua nulidade”.

Vale dizer: está autorizada a realização de convenções e acordos coletivos em que só um lado ganha. No lugar da CLT, ficará a lei do mais forte.

Neste pequeno artigo não é possível analisar todas as alterações na CLT promovidas pela Lei 13.467/2017, mas considero importante destacar alguns dos graves retrocessos.

No plano do direito material, destaque-se:

a) maior facilidade para as demissões coletivas (art. 477-A);
b) possibilidade da jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso (12 x 36), mediante acordo individual entre empregado e empregador (art. 59-A);
c) autorização de parcelamento das férias anuais em 3 períodos (art. 134, § 1º);
d) os minutos gastos pelo empregado, dentro da empresa, com descanso, estudo, alimentação, higiene pessoal e troca de uniforme não serão considerados como parte da jornada de trabalho (art. 4º, § 2º);
e) permissão de trabalho em ambiente insalubre para mulheres grávidas e lactantes, desde que a empresa apresente atestado médico que garanta que não há risco ao bebê nem à mãe (art. 394-A).

Em relação ao direito processual do trabalho, merece atenção a nova redação do art. 790 da CLT, que dificulta a concessão de justiça gratuita aos trabalhadores.

Agora, os juízes podem conceder o benefício da justiça gratuita, a quem receber salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios da Previdência Social (isso equivale atualmente a R$ 2.212,52).

Quem tiver salário maior que isso, terá que “comprovar” insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo. O objetivo óbvio dessa alteração legislativa é dificultar o acesso à Justiça do Trabalho, cuja própria existência se encontra em xeque atualmente.

Vale mencionar ainda outra novidade da Lei 13.467/2017, que gerou polêmica recente nas redes sociais: a autorização ampla do “trabalho intermitente”, no art. 443, § 3º, da CLT:

“Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador.”

O trabalho intermitente é a legalização dos “bicos”, e terá um efeito perverso nas relações de trabalho, como se percebe no anúncio, em jornal, feito pelo Grupo “Sá Cavalcante”, ofertando 70 vagas para trabalho intermitente, em lanchonetes “fast food”, com as seguintes condições: a) jornada de 5 horas nos sábados e domingos; b) salário de R$ 4,45 por hora. Busca-se pessoal para trabalhar apenas nos horários de pico, ganhando menos de 5 reais por hora. (!)

O anúncio do Grupo Sá Cavalcante é o retrato do mundo do trabalho desejado pelo Governo Temer.

Além do trabalho intermitente, outro vetor da PRECARIZAÇÃO é o trabalho terceirizado, regulamentado pela Lei nº 13.429/2017 (em vigor desde 31/03/2017). Esta nova lei permite, nos casos de trabalho temporário (contratos com duração de até 180 dias), que a terceirização ocorra tanto nas atividades-meio quanto nas atividades-fim das empresas.

Como se não bastassem todos esses ataques legislativos, o ministro do Trabalho de Temer tentou alterar o conceito de trabalho escravo, via portaria, para restringi-lo aos casos em que existe cerceamento à liberdade de locomoção. Assim, a submissão de trabalhadores à jornada exaustiva ou a condições degradantes de trabalho não mais seria considerada como trabalho escravo, a despeito do art. 149 do Código Penal.

Um retrocesso humanitário revoltante, que felizmente foi suspenso por decisão liminar da Ministra Rosa Weber, do STF.

Enfim, o que todos esses elementos revelam é que houve uma alteração qualitativa na situação da luta de classes no Brasil. As classes dominantes declararam guerra aos trabalhadores. As ilusões de “paz e amor” alimentadas pelo lulismo ruíram.

No Manifesto que se tornou referência para a luta dos trabalhadores de todo o mundo, Marx e Engels afirmam que a história de todas as sociedades tem sido a história da luta de classes: “opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada”.

Se na era do lulismo (2003-2015) havia um esforço pela conjugação e acomodação dos interesses das classes (“no meu governo todos ganharam”, diz Lula), a História mostrou mais uma vez que a burguesia e os trabalhadores possuem interesses inconciliáveis. No Brasil de 2017, a guerra de classes está mais franca do que nunca.

Pelo menos uma parte da classe trabalhadora está ciente de que há uma guerra em curso. Para o dia 10 de novembro (véspera da entrada em vigor da reforma trabalhista), as centrais sindicais e o movimento “Brasil metalúrgico” convocam um dia nacional de paralisações, em repúdio à reforma trabalhista, e em defesa da Previdência Social, também ameaçada pelo Governo.

Não há espaço para apatia. É tempo de resistir. Como dizia o filósofo Jean-Paul Sartre2, somos livres para tomar nossas decisões, mas não somos livres para não escolher: a abstenção é uma escolha. É tempo de tomar partido!


1 A iniciativa da reforma trabalhista foi de Michel Temer, que enviou ao Congresso, em 23/12/2016, o Projeto de Lei 6787/2016, à época batizado de mini-reforma trabalhista, que alterava 7 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Na Câmara, sob a relatoria do Deputado Rogério Marinho (PSDB), a mini-reforma transformou-se numa “mega-reforma”: no texto final, foram alterados mais de 200 dispositivos da CLT. A votação nas duas casas foi folgada: na Câmara foram 296 favoráveis e 177 contrários (26/04/2017); e no Senado a votação ficou 50 a 26 a favor da reforma (11/07/2017).

2 SARTRE, Jean-Paul. O que é a subjetividade. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2015.


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