Ocidente arma o Bahrein, a população paga o preço

O que está por trás da corrida armamentista e dos acordos de cooperação militar empreendidos pelo Bahrein?

Mona Ali 13 dez 2017, 13:18

As autoridades bareinitas anunciaram no mês de outubro a assinatura de um acordo de vários bilhões de dólares com a empresa americana Lockheed Martin para a entrega de 16 aviões de combate F-16, ao mesmo tempo em que multiplicam os acordos de cooperação militar com vários países. Uma militarização acelerada que tenta, em particular, comprar o silêncio internacional sobre as violações dos direitos humanos e a participação do Bahrein na coalizão dirigida pela Arábia Saudita no Iêmen. Enquanto isso, a população descontente, sofre as consequências do aumento recorde da dívida pública.

Nos dias 16 e 17 de outubro de 2017, o Bahrein celebrou sua primeira feira internacional de defesa (Bahrain International Defence Exhibition and Conference, BIDEC 2017), sob o patrocínio do rei Hamad bin Isa Al Khalifa. Altas personalidades militares, representantes estrangeiros dos círculos da defesa e diplomáticos delegados no reino tomaram parte no acontecimento, cuja organização estava assegurada pela sociedade Clarion Events com a colaboração da força de defesa do Bahrein e do Centro Bareinita de Estudos Estratégicos, internacionais e energéticos (Derasat).

Nesta ocasião, as autoridades anunciaram a assinatura de um contrato de 3,8 bilhões de dólares (3,23 bilhões de euros) com Lockheed Martin para a entrega de 16 aviões de combate F-16. O comandante-em-chefe da força aérea Hamad bin Abdullah Al Khalifa declarou que estes aparelhos superpotentes contribuiria eficazmente para o desenvolvimento da força aérea, já dotada de numerosos equipamentos modernos, segundo informou a agência de imprensa oficial Bahrain News Agency (BNA). Esta declaração segue o anúncio do Pentágono, no começo de setembro de que o Departamento de Estado americano havia dado sua aprovação a um contrato de venda de armamento ao Bahrein por um montante de mais de 3,8 bilhões de dólares. Uma decisão imediatamente notificada ao Congresso, que havia suspendido no ano passado, devido a seus temores sobre o respeito dos direitos humanos, um contrato similar que tratava igualmente sobre o fornecimento de 19 aviões F-16 produzidos pela Locckheed Martin por um montante de 2,7 bilhões de dólares (2,3 bilhões de euros). Então, o Pentágono havia feito saber por meio de dois comunicados distintos que estavam em marcha outros contratos que incluíam a venda de patrulheiras armadas de metralhadoras e 221 mísseis antitanque fabricados pela Raytheon, assim como operações de modernização da frota atual de F-16 por um montante de 1,8 bilhão de dólares (1,5 bilhão de euros).

Este anúncio havia sido condenado pela ONG Americans For Democracy And Human Rights segundo a qual “a venda de material militar quando o governo do Bahrein não respeita os direitos humanos” devia ser proibida pelo Congresso. No verão de 2016, cerca de 60 congressistas havia dirigido ao antigo presidente Barack Obama uma demanda de anulação de um contrato de venda de armas à Arábia Saudita de um montante de 1,5 bilhões de dólares (977 milhões de euros). Frente a este protesto e ainda que o Departamento de Estado tivesse decidido em julho de 2015 levantar a proibição da venda de material militar e de segurança ao governo do Bahrein imposto após a repressão violenta das manifestações de fevereiro-março de 2011, a administração Obama havia rechaçado finalizar o acordo devido aos temores relativos aos direitos humanos nos dois países.

Mas após seu encontro em maio passado com o rei Hamad bin Isa Al Khalifa durante sua visita a Riade, o presidente Donald Trump afirmou que as relações entre Washington e Manama estavam em vias de melhora. Se o Congresso não tomou ainda sua decisão sobre este novo contrato, o senador Bob Corker, presidente da comissão de relações exteriores no Senado, que declarava ainda no mês de junho que proibiria as vendas de armas aos países do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) enquanto não se visse claramente um avanço na solução do conflito com o Qatar, indicou finalmente que não bloquearia a venda dos F-16.

Comprar o silêncio internacional

Estes contratos com os Estados Unidos são emblemáticos da aliança estabelecida pela nova administração americana com os países do Golfo – e em particular o Bahrein –, ao contrário da equipe precedente que pressionava a favor de uma melhora da situação dos direitos humanos e de que a legislação estivesse conforme o direito internacional.

É necessário constatar, no entanto, que a corrida de armamentos na que se empenha o Bahrein não está dentro de suas possibilidades, posto que o pequeno reino não possui os abundantes recursos naturais de seus vizinhos saudita e catari. E, apesar de sua pequena superfície, acolhe já duas bases militares, uma americana e a outra britânica. Tal necessidade de armamento suscita, portanto, muitas interrogações e as autoridades bareinitas estão sob o fogo das críticas que lhes acusam de dedicar tanto dinheiro na compra de aviões militares e participar na guerra do Iêmen no lugar de resolver seus problemas econômicos e políticos.

Esta pressa por dotar-se de um poderoso arsenal militar, que se traduz em uma desenfreada corrida com os países vizinhos – Arábia Saudita, Qatar, Emirados Árabes Unidos e inclusive Irã – participa de uma estratégia que tem por objetivo comprar o silêncio internacional sobre as violações dos direitos fundamentos e as guerras injustas realizadas pelo reino. Isto permite igualmente assegurar-se a solidariedade dos países exportadores de armas frente ao que qualificam de “terrorismo”, um vocábulo frequentemente aplicado a revoltas populares ou às demandas de reformas provenientes de cidadãos, que são acusados de serem agentes do estrangeiro ou terroristas.

Não é o primeiro contrato que o Bahrein firma com os Estados Unidos ou com países europeus exportadores de armas. Com efeito, o reino tenta diversificar sua cooperação militar e técnica ampliando-a a um número crescente de Estados para desviar a atenção desses países das violações dos direitos humanos.

O sheik Nassar bin Hamad Al Khalifa, comandante da guarda real e filho do rei, indicou no BIDEC que Manama havia empreendido negociações com a Rússia com vistas a adquirir o sistema de defesa antimíssil S-400. Uma declaração que se produz após o anúncio em julho passado por Moscou da assinatura de um contrato com o Bahrein para o fornecimento de mísseis antiaéreos e de mísseis antitanque.

Em maio de 2016, o governo russo havia encarregado a seu ministro de defesa a assinatura de um acordo de cooperação militar com o reino, quando os dois países acabavam de reiterar sua vontade comum de reforçar as relações militares e técnicas durante a visita efetuada à Rússia pelo rei, em fevereiro do mesmo ano. Nesta ocasião, o ministro russo de assuntos exteriores, Sergei Lavrov, havia recordado a criação pelas duas partes de uma comissão de cooperação militar e técnica encarregada de trabalhar nesse setor. O anteprojeto do acordo previa o estabelecimento de uma base sólida de cooperação para favorecer o intercâmbio de experiências em matéria de operações de manutenção da paz e de luta contra o terrorismo, a formação dos quadros militares, o convite de observadores aos treinamentos e as consultas entre os estados maiores dos dois países.

A assinatura destes contratos se produz em um contexto de forte competição entre países ocidentais na região do Golfo, na qual a nova administração americana pretender estabelecer uma aliança sólida para combater a organização do Estado Islâmico (EI) e restringir o papel do Irã. Abrigando o Bahrein já a quinta frota americana e uma base naval britânica, os opositores ao superarmamento e os defensores dos direitos humanos denunciam uma ocupação militar disfarçada que permite aos Estados Unidos e à Grã-Bretanha controlar as decisões dos Estados do Golfo em matéria de segurança e de armamento.

Acordos de cooperação militar de todo tipo

Um acordo de cooperação militar liga igualmente o reino com a França, com que se havia firmado em fevereiro de 2009 uma declaração comum relativa à cooperação no terreno do setor nuclear civil. Os dois países se reúnem regularmente a propósito de cooperação militar, e a última reunião da qual informou a imprensa, em outubro de 2017, entre o oficial de estado maior sheik Khalifa bin Ahmad Al Khalifa e o subdiretor África e Oriente Médio da Direção Geral de Armamento (DGA) do governo francês, Stéphane Pichon, tratou sobre os meios para reforçar as relações bilaterais.

A cooperação militar do Bahrein não se limita aos países europeus e aos Estados Unidos, posto que inclui igualmente Jordânia, Egito e Marrocos, assim como Paquistão, Malásia e outros países da Ásia. Assim, ocorreu uma reunião entre o chefe da guarda nacional sheik Mohammed bin Isa Al Khalifa e o general Naveed Muhktar, diretor geral de informação militar paquistanês (Inter-services Intelligence, ISI), com vistas a elevar o nível de intercâmbios e a coordenação militar com os países irmãos e amigos e de reforçar as experiências militares e os resultados em combate, segundo indica um comunicado da BNA.

Igualmente, durante a visita do rei em 30 de abril passado à Malásia, as duas partes sublinharam a necessidade de desenvolver e reforçar suas relações de cooperação em matéria de defesa e de segurança procedendo a intercâmbios de informação, de valorização da informação e de boas práticas. Firmou-se um protocolo de colaboração na qual se prevê em particular a formação, o treinamento e intercâmbio de soldados, o reforço dos intercâmbios de informações sobre as redes terroristas e o intercâmbio de experiências em matéria de luta contra o crescente fenômeno de radicalização.

Um acordo similar foi firmado em março passado entre as forças armadas jordanianas e bareinitas. O general Mahmoud Abdelhalim Farihat, chefe de estado maior dos exércitos da Jordânia, recordou nesta ocasião o papel de primeiro plano jogado pele exercito jordaniano na criação das forças de defesa bareinitas militares, técnicas e de treinamento.

Em 2012, segundo um comunicado da BNA, Manama havia firmado com Marrocos um acordo de cooperação militar que reforçava os laços neste terreno e ampliavam os intercâmbios de experiências no terreno militar e científico.

Armas contra civis

O Reino Unido foi objeto de numerosas críticas por parte dos defensores dos direitos humanos devido a ter assumido a direção, pela sociedade Clarion Events, da organização do BIDEC. “Os britânicos rechaçam que seus impostos sirvam para promover as vendas de armas ao Bahrein e aos regimes que pisoteiam os direitos humanos”, indicava um comunicado publicado pela campanha contra o comércio de armas (Campaign against Arms Trade, CAAT). “O impulso às exportações de armas pelo Reino Unido [através do BIDEC] será interpretado como um ato de apoio ao regime [do Bahrein] que não só encarcera e tortura os e as militantes dos direitos humanos e da democracia, senão que também forma parte da coalizão que bombardeia hoje o Iêmen e expõe milhões de pessoas aos riscos da fome e da cólera”, prossegue este comunicado.

“É muito inquietante ver que as empresas são capazes de fazer publicidade a favor das armas e vendê-las ao Bahrein quando este país é membro da coalizão que, sob a direção da Arábia Saudita, participou do enfrentamento no Iêmen e a emergência de uma das piores crises humanitárias provocadas pelo homem. Estas armas não serão utilizadas só contra os civis iemenitas, senão também contra as e os cidadãos do Bahrein que viram que suas liberdades se reduziam de forma drástica nos últimos 18 meses”, sublinhava Sophie Baggot, do Bahrain Institute for Rights and Democracy (BIRD).

Um aumento recorde da dívida pública

Os e as bareinitas não deixaram de ironizar no Twitter sobre a apresentação, durante o BIDEC, do “Dib” (O lobo), um veículo de patrulha concebido pelo filho do rei Khalid bin Hamad Al Khalifa. Este foi fotografado ante o veículo, com o peito carregado de condecorações apesar de sua curta idade e uma experiência militar que de reduz a sua participação na coalizão dirigida pela Arábia Saudita no Iêmen.

Nas redes sociais ressoam os sarcasmos contra os descomunais gastos militares de um governo que se mostra incapaz de resolver os problemas econômicos, políticos e sociais do país. A dívida pública, em um aumento constante, deveria alcançar um nível recorde e superar 100% do PIB, fixado em 29,3 bilhões de euros no novo projeto de orçamento, contra 28 bilhões de euros no final de 2016. Quando no final do ano passado, a parte da dívida pública no PNB se elevava para 72% por um montante de 17,04 bilhões de euros, as previsões para o ano em curso indicam 19,8 bilhões de euros, ou seja, 80% do PNB.

O pequeno reino tem também dificuldades para realizar os numerosos planos de desenvolvimento e de serviços, em particular os programas imobiliários comercializados pelo governo e os que os cidadãos contratam créditos de longo prazo. Quando são necessárias mais de 55.000 habitações suplementarias, o programa do ministro da habitação só prevê a construção de 17.000. Nestas condições, não é arriscado apostar que, crescente por causa dos novos impostos e taxas decretadas pelo governo desde que participa na coalizão militar no Iêmen, e precisamente quando os preços do petróleo e dos produtos básicos aumentam, o descontentamento popular tenha grandes perspectivas pela frente.

Tradução de Marcelo Martino da versão em espanhol disponível no portal Viento Sur.


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