Os desafios da esquerda radical em tempos de crise política

Documento de edição especial da Revista Movimento em que apresentamos nossas contribuições para as discussões do VI Congresso do PSOL.

Secretariado Nacional do MES 1 dez 2017, 11:44

O ano de 2017 encerra-se com a tentativa do governo de recuperar a iniciativa aprovando sua nova proposta de reforma da previdência. O governo quer passar à ofensiva, equilibrando-se para escapar dos novos escândalos de corrupção, nos quais o PMDB do Rio, parte fundamental da coalizão de poder, está sendo diretamente envolvido.

Uma visão mais ampla sobre último período foi publicada em nossa tese para o VI Congresso, apresentada ao conjunto da militância nas plenárias e reuniões. Aqui, pode-se ler a versão na íntegra da tese Para fazer do PSOL uma alternativa. Aqui queremos socializar breves notas de atualização da situação política e dos desafios.

Com esta edição especial da Revista Movimento, pretendemos apresentar nossas contribuições para as discussões do VI Congresso do PSOL.

1) Um longo interregno

O ciclo anterior de acumulação política do movimento de massas dirigido pelo PT esgotou-se. Há tempos, afirmamos: estamos vivendo o esgotamento completo do modelo que organizou o espaço político e social no Brasil nas últimas décadas. As determinações mais gerais da situação políticas estão marcadas por esta condição: está se exaurindo um ciclo político, que organizou o sentido geral da luta política do país após a queda da ditadura sem que, no entanto, ainda tenhamos um novo vetor organizado para superar o impasse e abrir um novo ciclo consolidado.

Referimo-nos, aqui, à célebre citação de Gramsci, dos Cadernos do Cárcere, quando trata do colapso de um “sistema de poder” sem que existam condições de se consolidar um sucessor: “A crise consiste precisamente no fato de que o velho morre e o novo não pode nascer: neste interregno se verificam os fenômenos mórbidos mais variados”.

Utilizamos o conceito de “interregno” associando-o ao “fim de ciclo”. No Brasil e na América Latina, o ciclo anterior de governos – embora diferentes entre si –, oriundos em partidos de esquerda e com base na classe trabalhadora e setores populares, encerrou-se sem que ainda tenhamos um novo ciclo ordenado. Por isso, a tarefa da esquerda socialista é construir o debate – no âmbito da representação, do enraizamento e do programa – para disputar o sentido do novo ciclo de reorganização profunda da esquerda. No Peru e no Chile, tanto no terreno eleitoral como no terreno das lutas, aparecem alternativas por fora da “velha esquerda”, como o Movimento Novo Peru e a Frente Ampla. Estas experiências latino-americanas podem iluminar, com seu exemplo, a luta política em curso no Brasil e, por isso, devem ser acompanhadas e debatidas pela vanguarda socialista brasileira.

2) Temer, a ponte da burguesia para a austeridade

A continuidade de Michel Temer à frente do governo – mesmo com escândalos superiores aos enfrentados por Dilma, com a indignação das ruas e com uma impopularidade recorde – está na definição do caráter do governo. É um tipo de governo reacionário, fruto de um golpe parlamentar, menos vinculado a uma base de apoio de massas, apesar da ampla maioria parlamentar no Congresso. Um governo diretamente pró-imperialista, que tem seu núcleo fundamental nos atores mais arcaicos do regime, com o PMDB sendo seu principal motor e alicerce.

Trata-se de um governo que busca uma “fuga pra frente” depois da grave crise econômica que o país viveu. Sem necessidade de obter respaldo popular, Temer precisa cumprir seu programa: estabelecer novas medidas para o desenvolvimento do capitalismo brasileiro, por meio de sua “ponte para o futuro”, aproveitando-se da instabilidade generalizada até iniciar-se um novo governo capaz de organizar nova hegemonia. Em linhas gerais, seus objetivos são a precarização das relações de trabalho, diminuindo o chamado “custo Brasil”; o entreguismo e a privatização do patrimônio público e nacional; a contenção dos gastos públicos e a diminuição da cobertura previdenciária; e, por fim, frear e “estancar” as medidas da Operação Lava Jato, buscando uma anistia que resgate o regime político de sua bancarrota.

Apesar da pressão da opinião pública, o governo conduziu, com sua base de apoio parlamentar, uma reforma política que não resolve em nada as contradições do atual regime. O governo não pôde impor uma derrota completa ao movimento democrático de pressão popular e também da opinião pública ao não poder aprovar as medidas de anistia. Entretanto, a chamada “casta” terminou bastante resguardada com a reforma. A cláusula de barreira, num formato “suave”, manteve seu caráter proscritivo e respondeu a um setor que pede um número menor de partidos. Por outro lado, o fundo bilionário eleitoral é um escárnio e foi um gesto de resiliência da própria casta. A votação do Senado a favor de Aécio foi parte disso. Outro exemplo deste senso de autopreservação foi o da ALERJ, quando reviu a decisão do TRF, revogando a prisão dos três líderes do PMDB fluminense. Apesar de, na sequência, decisão judicial ter corretamente cassado a decisão escandalosa da ALERJ, o cerco à Operação Lava Jato segue. O duelo de Temer contra o ex-Procurador Geral da República Rodrigo Janot foi também parte desse processo.

Tivemos um primeiro semestre “quente”, no qual, a partir da manifestação das mulheres de 08 de março, a organização da resistência deu um salto, tendo como ápice a greve geral de 28 de abril. A revelação dos escândalos da JBS – seguida por uma divisão da burguesia, em que se abriu a possibilidade da queda de Temer – e a marcha dos cem mil a Brasília colocaram a necessidade de uma nova greve geral, que poderia ser superior à de abril. O grande acordo nacional costurado por Gilmar Mendes na absolvição da chapa Dilma/Temer, combinado com o desmonte da greve de 30 de junho pelas centrais sindicais majoritárias, esvaziou o movimento, dando estabilidade para Temer prosseguir seu plano de reformas, compactando com os setores da burguesia para “ir em frente”, terminando o ano com medidas amargas, como a reforma da previdência, no horizonte.

A questão sucessória ainda é a maior interrogante da situação. Com diversos balões de ensaio, como Doria e depois Huck, a burguesia ainda segue procurando definições. Os tucanos se alinharam com Alckmin e parecem se preparar para unir-se em torno de seu nome. E a carta na manga de todo um setor é sempre Henrique Meirelles, nome prioritário das finanças e de uma forte parcela da burguesia.

3) O PSOL não pode seguir perdendo oportunidades: é preciso afirmar uma alternativa!

O PSOL cresceu em todo o país porque foi fundado na hora certa, antes do escândalo do mensalão, quando o PT no governo federal deixou claro que aceitara ser gerente dos interesses capitalistas, conversão expressa programaticamente na “Carta ao povo brasileiro” escrita por Palocci e Lula, e na prática demonstrada pela continuidade do plano de FHC/FMI e na primeira reforma da previdência aprovada em 2003. Ter fundado o PSOL naquele momento afirmou, desde então, que outra esquerda era necessária. A eleição de 2006, por sua vez, mostrou que o PSOL não havia nascido para ser linha auxiliar do PT.

Ainda que nosso partido tenha crescido e hoje seja uma referência para setores de massas, no último período nosso partido está perdendo espaço, o que é bastante visível na disputa nacional. Nas pesquisas de intenção de voto para a presidência, o PSOL não aparece. O fato de que o partido não tenha decidido um nome para a disputa dá a impressão para muitos de que o PSOL está no campo de Lula, de que o partido está esperando se o ex-presidente poderá ou não ser candidato para manifestar-se. Assim, o partido está diluindo seu perfil e deixando de ser um polo. Ao não se apresentar um polo claramente de esquerda, fica mais livre o caminho para a extrema direita crescer com Bolsonaro. Não poderia ser diferente, já que há uma parte massiva de nosso povo indignada com todo o sistema político e apenas Bolsonaro, embora seja parte do mesmo, vocaliza uma orientação que aparenta ser contestatória. Nem todos no PSOL percebem que o partido está perdendo espaço porque nosso crescimento – que poderia ser bem maior – é real, na esteira da falência do PT e como resultado de nosso trabalho.

O caso do Rio de Janeiro é excepcional. Afinal, além de termos uma militância ativa, como temos em muitos estados, no Rio o PT foi liquidado há muitos anos, desde 1998, quando Lula e José Dirceu fizeram a intervenção contra Vladimir Palmeira e o PMDB foi agora liquidado pela profunda crise no Estado e pela Operação Lava Jato.

Em estados como São Paulo, onde o PT existe e tem força de aparelho, a situação do PSOL é muito mais difícil para ser reconhecido como um polo alternativo. A eleição da prefeitura da capital paulista mostrou isto no terreno eleitoral, quando Haddad do PT teve 13% e Erundina, embora tenha sido até prefeita da cidade nos anos 80, terminou com 3%. Uma situação intermediária está em Porto Alegre, onde o PT sempre foi forte, mais forte até do que na capital paulista, já que foi o partido do orçamento participativo e com a regional mais reconhecida à esquerda e preservada de escândalos de corrupção. Mesmo assim, o PSOL tem conseguido disputar quase que de igual para igual: nas eleições para a prefeitura de Porto Alegre, o PSOL e o PT disputaram duramente até o final, com Raul Pont do PT tendo terminado com 16% e Luciana Genro do PSOL com 12%.

No plano nacional, na disputa presidencial, o PSOL tem deixado todo espaço para o PT. O PSOL está sumido, nem sequer apresenta candidatura. Se isto não parece grave no Rio de Janeiro – porque o partido está muito forte no Rio e não tem o PT para disputar – no país isto trará repercussão negativa no terreno eleitoral.

A ausência do PSOL, entretanto, não é casual. Isto é resultado da linha política de uma parte importante da direção do partido. Correntes como a US até hoje defendem o programa democrático-popular que foi o programa/estratégia do PT durante os anos 90. Dirigentes desta corrente romperam com o PT quando apareceu o escândalo do mensalão e temeram por um desgaste irreversível do PT junto a seu eleitorado. Como eram da esquerda do PT, viram o PSOL como alternativa e se incorporam ao PSOL, ajudando com este passo o partido a ganhar densidade e a crescer. Mas vieram para o PSOL defendendo o programa democrático e popular, um programa cuja essência é considerar que a estratégia é ganhar espaços institucionais para reformar o Estado.

Não é o caso, aqui, de se fazer um debate sobre o significado deste programa nem de debater pormenorizadamente neste espaço os motivos pelos quais a falência do PT tem tudo a ver com a aplicação deste programa. Essa formulação começa a trazer prejuízos também para o PSOL. A ideologia petista ganhou força em nosso partido. Por isso até hoje não temos candidatura presidencial. Também é uma das razões que explica por que o partido vacilou na luta contra a corrupção. Se os discursos dados por muitos dirigentes da US nos diretórios e congressos regionais fossem dados nas ruas, o partido seria conhecido como anti-Lava Jato. Felizmente isto não ocorreu. Os parlamentares nacionais, sobretudo o companheiro Chico Alencar, não reproduziram no Congresso o discurso que dirigentes da US reproduziram internamente.

4) O VI Congresso do PSOL e batalha pelo programa

Uma das polêmicas centrais do congresso do PSOL é o debate do programa. Isto é um ponto importante de unidade de toda a esquerda partidária, agrupada no manifesto “É tempo de partido”. Consideramos fundamental também fazer este debate com o conjunto do ativismo no país.

A visão da estratégia democrática e popular sustentada até os anos 90 pelo PT coloca a importância de ganhar espaços na “institucionalidade”, com a construção de um programa “possível”, de melhorias a partir de mandatos parlamentares e administrações locais. Isso gerou acomodação e pactos que resultaram na conciliação de classes, tão nefasta para os interesses da maioria da população quanto para o terreno da consciência e da organização de classe.

A edição de alianças sem base programática, apenas para reproduzir espaços de poder, gera perigosos desvios como o da participação do PSOL na prefeitura de Macapá, onde o partido é parte de uma administração que vai da Rede ao DEM, descaracterizando por completo o lugar do PSOL como projeto alternativo e de esquerda. Ainda pior, a adesão à prefeitura de Macapá e a mobilização de filiados em massa por meio de seu aparato são parte fundamental da distorção da correlação de forças nos processos congressuais do partido.

O Partido necessita de mais democracia interna para melhor se organizar, dando espaço e direito para os militantes decidirem de fato os rumos da vida partidária.

Acreditamos que, dentro do PSOL, devemos nos vincular a novas ferramentas de comunicação, interagindo com um novo tipo de ativismo, buscando integrar numa noção de totalidade as demandas por democracia real, de forma a ir à raiz das contradições da sociedade brasileira.

Necessitamos de um programa de caráter transicional, de separação absoluta da casta política governante, que seja capaz de atuar em quatro grandes eixos:

I) Um novo programa econômico, que taxe as grandes fortunas, lucros e dividendos, reposicionando o orçamento público em relação às dívidas e isenções fiscais das grandes empresas e bancos, como forma de impor uma nova agenda econômica, fiscal e tributária no Brasil. Assim, seremos capazes de anular as reformas de Temer como a nefasta PEC do “teto” de gastos;

II) A defesa dos direitos sociais fundamentais, como emprego, salário, moradia e terra, enfrentando os planos da burguesia de ampliação da produtividade por meio do achatamento salarial, flexibilização de direitos trabalhistas e aumento do exército de reserva. É necessário terminar com a reforma trabalhista de Temer e aplicar um programa de emergência para combater o desemprego e a miséria que ameaçam milhões de brasileiras e brasileiros;

III) Uma democracia real verdadeira, com novas instituições, a partir da luta de massas e sem tréguas contra a corrupção – seja dos agentes corruptos ou das corporações corruptas – com a expropriação das empresas envolvidas nestes delitos. Defendemos um novo modelo participativo e vivo de política, com a convocação de um processo popular constituinte para organizar uma nova institucionalidade e uma nova representação política contra a velha casta; e

IV) A defesa radical dos direitos civis e democráticos. É preciso apoiar-se na unidade na diversidade das lutas das mulheres, de LGBTS, das negras e negros e dos povos originários para defender claramente, em nosso programa, suas formulações. Esta é a melhor forma de enfrentar o obscurantismo e o reacionarismo instrumentalizado pela direita brasileira e pelo protofascismo de Bolsonaro.

Evidentemente, estes são apenas quatro eixos que devem se desdobrar em posições e reivindicações específicas. Também é preciso tratar de muitas outras questões, como a propriedade dos meios de comunicação, a necessidade de uma profunda reforma judicial e penitenciária, a desmilitarização das polícias e a legalização das drogas, um modelo libertário e democrático de cultura… Para não ser extenso neste documento, remetemos também aos diversos apontamentos programáticos que também em nossa tese para o VI Congresso.

5) Um desafio para a esquerda radical: ampliar o PSOL e fortalecer sua ala anticapitalista

Nosso desafio é construir o PSOL pela base, ganhando os melhores ativistas para seu projeto. Para isto, temos o Rio de Janeiro como um espelho e somos otimistas com a construção de um polo democrático no país, capaz de representar no terreno político e eleitoral as demandas mais sentidas pelo povo. O papel dos parlamentares do PSOL, na Câmara dos Deputados, nas assembleias legislativas e nas câmaras municipais tem sido de tribunos populares e da defesa da luta por direitos.

Queremos e devemos levar o partido aos bairros pobres da periferia, aos artistas da cultura popular como o hip-hop, às categorias organizadas em sindicatos de trabalhadores, às escolas, universidades, ocupações e assentamentos rurais e urbanos. A tarefa do enraizamento segue sendo a mais importante para que o PSOL se torne uma alternativa. Apenas um PSOL militante pode estar à altura dos enfrentamentos cotidianos que a classe trabalhadora realiza. Necessitamos de um Partido com um programa de ação, para ser um Partido inserido na luta de classes.

Entretanto, como parte dos projetos amplos de esquerda, o PSOL também precisa ter reforçada sua ala esquerda e anticapitalista. O debate mais sólido sobre a estratégia e sobre a necessidade de uma ruptura deve começar com a “batalha pelo programa”. Acreditamos que cabe às organizações que se reivindicam como parte da esquerda revolucionária maior troca e possibilidade de avanços com um debate programático aberto. Nenhuma corrente ou direção política pode, na atual etapa, dar conta sozinha das dificuldades e responsabilidades que a esquerda socialista enfrenta no país.

Na vitalidade da base militante do PSOL depositamos as expectativas do avanço de uma maior conformação que supere a fragmentação de um período de reorganização que apenas começa. E, como parte dele, estamos jogados na construção de uma alternativa de massas, inspirados nos que há cem anos se atreveram a tanto na grande Revolução de Outubro.

29 de novembro de 2017.


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