O 24 de janeiro e nossa política

Uma condenação de Lula pode tirá-lo da disputa eleitoral. Seria uma distorção ainda maior da eleição. No entanto, não participaremos das ações organizadas para o dia 24/1, cujo objetivo é endossar as posições do PT sobre a situação política.

Israel Dutra e Thiago Aguiar 18 jan 2018, 18:01

Quanto mais se aproxima o julgamento do processo de Lula em segunda instância, em Porto Alegre, mais polarizada fica a discussão. Não é para menos: o destino do candidato que lidera as pesquisas para a eleição de 2018 começará a ser decidido com o veredicto dos juízes no TRF4.

Contra o impedimento da candidatura de Lula

A condenação de Lula por parte da justiça obedece a um critério político, uma interferência na vida política e eleitoral do país. Uma eventual condenação de Lula pode tirá-lo da disputa eleitoral no momento em que lidera as intenções de voto e é o expoente do principal partido da oposição. Seria uma distorção ainda maior do processo eleitoral, antecipando-o e o tornando ainda mais viciado. Não estamos aqui discutindo o mérito ou a culpa de Lula. Mas é preciso questionar: por que apenas Lula está sendo julgado quando seguem com seus direitos políticos plenos os líderes do governo, a começar por Temer e boa parte de seus ministros, como Moreira Franco e Eliseu Padilha, além dos presidentes da Câmara e do Senado e de lideranças tucanas como Aécio Neves, José Serra e Geraldo Alckmin, todos réus ou indiciados em esquemas de corrupção da Lava Jato, mas preservados pela morosidade dos tribunais superiores ou de manobras como as protagonizadas diariamente por Gilmar Mendes?

A instrumentalização da justiça responde à estratégia majoritária da burguesia: retirar Lula e o PT da disputa para passar mais rápido o ajuste; “estancar a sangria” da operação Lava Jato, preservando a maior parte dos agentes políticos corruptos da Nova República; jogar o campo da centro-esquerda para a oposição, evitando o surgimento de uma alternativa mais “nova e radical”, como os analistas porta-vozes do mercado temem desde junho de 2013. Neste último aspecto, por sinal, a burguesia encontra eco nas declarações de Lula, para quem os milhões de brasileiros nas ruas em junho de 2013 “começaram o golpe neste país”, como fez questão de repetir no recente ato em sua defesa no Rio de Janeiro.

Se a saída de Dilma foi defendida com um argumento casuístico – o crime das supostas “pedaladas fiscais” –, o setor da burguesia que apoiou o golpe parlamentar não teria dúvidas em fazer o mesmo com Lula apenas mudando os atores, do legislativo para o judiciário, para tirar da disputa eleitoral aquele que aparece nas pesquisas como o favorito no primeiro turno. Desse modo, seria mais fácil organizar melhor seu arranjo eleitoral, uma dificuldade evidente para a burguesia que não está unida em torno de um nome e de um projeto viável.

No entanto, essa posição não significa inocentar Lula. Nossa posição é que sua defesa como candidato deve ser feita de forma independente de qualquer juízo político ou moral. Não será dos tribunais que se criará uma saída para o impasse político a que a casta arrasta o país.

A estratégia do lulismo é apenas buscar sua sobrevivência política e eleitoral

Uma das consequências mais nefastas do impeachment foi a interrupção da experiência que o povo e o movimento de massas vinha fazendo com o lulismo. Um setor da vanguarda, pelas pressões que sofre, confunde a unidade de ação necessária para enfrentar o governo Temer – uma vez que o PT está no campo da oposição – à adaptação a uma política de frente única ou mesmo à conformação de um projeto comum. Isto leva a esquerda socialista a um grave retrocesso político, já que não basta apenas criticar os governos de Lula e Dilma como insuficientes. Tampouco nos serve a crítica genérica da estratégia da “conciliação de classes” para exigir que um novo governo de Lula seja diferente, semeando ilusões.

É preciso relembrar o que para muitos era cristalino: Lula foi um agente direto dos planos da burguesia e do capital financeiro no país. Seu governo foi responsável por aprofundar o ajuste, beneficiar os bancos e o mercado e manter intacta a atual estrutura política e judicial.

A estratégia do PT está clara na entrevista de Gleisi Hoffmann à rede de notícias estadunidense Bloomberg. A presidente do partido procurou acalmar Wall Street e os “mercados” internacionais, afirmando que eles não têm nada a temer com um novo governo Lula, já que “ganharam muito” nos governos petistas. Hoffmann afirma que “Lula não é um radical”, não ameaçará a “estabilidade financeira” e que seu partido não é contra a reforma da previdência. Muito pelo contrário: para ela, o PT “entende a necessidade da reforma” e apenas se opõe à forma com que Temer a propõe. Gleisi Hoffmann afirma que Lula apresentará uma nova “carta ao povo brasileiro”, rememorando o programa eleitoral rebaixado e neoliberal de 2002. Ou seja, o PT pretende organizar a resistência ao redor da candidatura de Lula para sobreviver politicamente e, talvez, retornar ao governo para simplesmente repetir sua política econômica pró-mercado. Ao mesmo tempo, lideranças do partido e o próprio Lula falam em “perdoar golpistas” e procuram alianças com figuras do PMDB, como Eunício Oliveira e Renan Calheiros, além de manter negociações com partidos como o PR de Valdemar Costa Neto e relações com setores do agronegócio representados por Kátia Abreu, apresentada pelos petistas como uma grande aliada do povo.

Ocorre que os planos eleitorais do PT e a sobrevivência política de Lula não têm relação com as necessidades do povo e da classe trabalhadora brasileira. Isto ficou evidente quando a queda de Temer e a derrota das reformas trabalhista e da previdência eram uma possibilidade concreta, aberta após a greve geral de 28 de abril e do forte ato de 24 de maio em Brasília, combinado às revelações de Joesley Batista. O PT, na sequência, atuou para desmontar esta hipótese, pactuando com os “golpistas” na defesa da chapa Dilma/Temer no TSE. Foi assim também na tentativa de greve geral frustrada de 30 de junho, quando a CUT juntou-se às centrais pelegas e diretamente pró-governo Temer, como a Força Sindical e a UGT, para desmontar a mobilização e garantir a estabilidade do governo. A reforma trabalhista terminou aprovada na sequência. Após Temer salvar-se das duas denúncias na Câmara e voltar suas baterias pela aprovação da odiada reforma da previdência, o PT e a CUT seguem calculando cada passo para não dar prosseguimento à luta contra sua aprovação.

Não vamos aos atos do dia 24

As ações organizadas para o dia 24 de janeiro têm como centro a defesa de Lula. São manifestações organizadas para endossar as posições do PT sobre a situação política nacional. Naturalmente, também apresentarão sua saída: Lula 2018. Os atos marcam o início de uma campanha combinada: pelo direito de Lula ser candidato e por seu retorno à presidência. Isto é óbvio. O comando petista, vocalizado por Gleisi e Padilha, afirmou que na reunião do Diretório Nacional do PT em 25/01, dia seguinte ao julgamento, caso o resultado seja contrário ao ex-presidente, lançará sua pré-candidatura com a tática de “levar seu nome até a urna”.

Na recente reunião da executiva nacional do PSOL, nossa corrente defendeu a posição de que não devemos juntar nossas bandeiras com as bandeiras do PT nas manifestações do dia 24 em Porto Alegre, São Paulo e nas outras capitais. São manifestações de campanha para Lula. E Lula, pelas razões expostas acima e pela experiência de 13 anos de governos do PT, não é nosso candidato.

O PSOL deverá construir sua candidatura com um programa de ruptura, colocando a necessidade de um novo modelo econômico, com medidas radicais. Com uma posição acertada sobre o tema da luta contra a corrupção e com a necessária independência do lulismo. Essa é uma tarefa imediata junto à construção da unidade de ação nas lutas contra as reformas.


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Pedro Micussi