Feminismo não é só empoderamento individual, é luta coletiva

O próprio fato de ser mulher num mundo de homens nos empurra a uma condição feminista, mesmo que muitas não se percebam assim.

Luciana Genro 19 jan 2018, 14:27

O dicionário da editora Merriam-Webster’s elegeu “feminismo” como a palavra do ano em 2017, tendo sido a mais pesquisada em seus registros. No mundo todo as mulheres estão quebrando o silencio e exigindo igualdade, respeito e dignidade.

No Brasil tivemos um ano marcado pela luta das mulheres, desde os expressivos protestos de 8 de março até a participação ativa da mobilização das mulheres contra a reforma da Previdência – o que contribuiu para enfraquecer o governo, que precisou adiar a votação para fevereiro. A inacreditável PEC do Cavalo de Troia, que tenta criminalizar o aborto até mesmo nos casos em que já é permitido no Brasil, também provocou uma forte reação das mulheres, principalmente nas redes sociais.

É neste marco que estamos próximos de comemorar, em Porto Alegre, um ano de atividades da Emancipa Mulher: uma escola de formação feminista e resistência antirracista. Desde abril do ano passado, realizamos mais de 200 horas de atividades, envolvendo mais de 300 mulheres nas aulas fixas e nos eventos abertos ao público em geral.

O nosso primeiro curso, idealizado e ministrado pela Joanna Burigo e pela Winnie Bueno, foi batizado de “Laudelina de Campos Mello”, não por acaso.Nossa intenção foi homenagear esta mulher negra que foi uma lutadora pelos direitos das mulheres e das empregadas domésticas, fundadora do primeiro sindicato de trabalhadoras domésticas do Brasil. Entendemos que classe, raça e gênero são vivenciados por mulheres de formas diferentes, e as implicações das discriminações múltiplas se aprofundam para as mulheres pobres e negras. Por isso talvez vocês nunca tenhma ouvido falar da Laudelina. No Brasil, 94% das pessoas que fazem trabalho doméstico são mulheres e a conquista de direitos trabalhistas para este segmento é muito recente.

O feminismo que buscamos fortalecer com a Emancipa Mulher é interseccional. Kimberlé Williams Crenshaw foi a primeira a utilizar este termo, em 1991, em pesquisa sobre violências vividas por mulheres não brancas nos Estados Unidos. A interseccionalidade estuda não só o fato de ser mulher, mas ao mesmo tempo o fato de ser negra, ou LGBT, trabalhadora, explorada, buscando capturar as consequências da interação entre as diferentes formas de subordinação. O racismo estrutural da sociedade se projeta sobre as mulheres negras de forma brutal, e as consequências estão evidenciadas em todas as estatísticas que demonstram que as mulheres negras vivem dificuldades ainda maiores para acessar educação, saúde, moradia e emprego. São também as maiores vítimas da violência.

Recentemente o dia 9 de janeiro marcou o aniversário de Simone de Beauvoir.Uma pensadora à frente de seu tempo, que abriu o caminho para muitas que vieram depois. Sua célebre frase que diz que “não se nasce mulher, torna-se” pode ser muito bem adaptada para a própria formação feminista. Afinal nenhuma mulher nasce feminista, mas nos tornamos feministas – muitas vezes mesmo sem conhecer o termo ou ter proximidade com as leituras e a militância – com o tempo e a vivência. O próprio fato de ser mulher num mundo de homens nos empurra a uma condição feminista, mesmo que muitas não se percebam assim.

O feminismo é também uma luta pedagógica dentro do processo de emancipação das mulheres. Uma disputa que travamos através de palavras e ações pela construção de uma sociedade sem discriminação, onde o assédio seja combatido, em que não haja desigualdade salarial entre homens e mulheres e na qual a cultura do estupro possa ter fim. No Brasil, é impossível falar em todos estes problemas sem colocar a questão racial e de classe no centro do tabuleiro, pois são as mulheres negras e pobres as mais atingidas por eles – e frequentemente as mais silenciadas.

Neste ano de 2018 vamos seguir este trabalho da Emancipa Mulher, buscando cada vez mais fortalecer este feminismo interseccional, enfrentando o racismo, a LGBTfobia, o machismo e todas as formas de opressão. Para nós feminismo não é apenas uma questão de empoderamento pessoal. É uma luta coletiva e concreta: contra a violência doméstica e social, contra a divisão sexual do trabalho, por salários e direitos iguais de verdade, por creches, por saúde, por moradia e por tantos outros direitos que este sistema capitalista e patriarcal sonega às mulheres trabalhadoras. É nesta trilha que caminhamos, e seguiremos.

Artigo originalmente publicado no portal huffpostbrasil.


TV Movimento

Roberto Robaina entrevista Flávio Tavares sobre os 60 anos do golpe de 1º de abril

Entrevista de Roberto Robaina com o jornalista Flávio Tavares, preso e torturado pela ditadura militar brasileira, para a edição mensal da Revista Movimento

PL do UBER: regulamenta ou destrói os direitos trabalhistas?

DEBATE | O governo Lula apresentou uma proposta de regulamentação do trabalho de motorista de aplicativo que apresenta grandes retrocessos trabalhistas. Para aprofundar o debate, convidamos o Profº Ricardo Antunes, o Profº Souto Maior e as vereadoras do PSOL, Luana Alves e Mariana Conti

O PL da Uber é um ataque contra os trabalhadores!

O projeto de lei (PL) da Uber proposto pelo governo foi feito pelas empresas e não atende aos interesses dos trabalhadores de aplicativos. Contra os interesses das grandes plataformas, defendemos mais direitos e melhores salários!
Editorial
Israel Dutra e Roberto Robaina | 28 abr 2024

Educação: fazer um, dois, três tsunamis

As lutas da educação nos Estados Unidos e na Argentina são exemplares para o enfrentamento internacional contra a extrema direita no Brasil e no mundo
Educação: fazer um, dois, três tsunamis
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 48
Edição de março traz conteúdo inédito para marcar a memória da luta contra a repressão
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Edição de março traz conteúdo inédito para marcar a memória da luta contra a repressão