Contribuição ao debate programático do MES/PSOL
A dirigente escreve como forma de aporte à VI Conferência Nacional do Movimento Esquerda Socialista.
Os dados sobre a desigualdade social no Brasil são chocantes. Um estudo recente da Oxfam revelou que seis pessoas concentram, juntas, a mesma riqueza que os 100 milhões mais pobres do país.
Estes seis homens bilionários poderiam gastar R$ 1 milhão por dia e ainda assim levariam 36 anos para esgotar suas fortunas. O mesmo estudo revela que os 5% mais ricos possuem a mesma renda que os 95% restantes. E que 0,1% da população brasileira recebe mensalmente um valor que quem vive de salário mínimo levaria 19 anos para conseguir.
O relatório da Oxfam também demonstra que as mulheres só terão equiparação salarial com os homens em 2047. E a população negra alcançará a mesma renda que os brancos apenas em 2089.
É impossível não se escandalizar com estes números. O sistema capitalista é responsável por esta realidade brutalmente desigual e já deu provas de que não é capaz de muda-la para melhor. Sem uma mudança estrutural esta realidade não será transformada. É preciso uma revolução anticapitalista e socialista no Brasil.
Um novo modelo
A queda do muro de Berlim, em 1989, inaugurou simbolicamente uma nova fase, na qual entre tantas outras coisas se debateu abertamente o fracasso do “socialismo realmente existente” – ou seja, o stalinismo e suas variantes. Para Mandel, já em 1990, a crise do socialismo constituiu-se em uma crise da prática dos socialistas, produto do fracasso histórico do stalinismo e da socialdemocracia. Uma crise de credibilidade de um projeto que já não convence a geração atual de que o socialismo é possível, necessário e útil1.
Mas, como escreveu Badiou, “o aparente fracasso, às vezes sangrento, de acontecimentos profundamente ligados à hipótese comunista foi e ainda é uma etapa de sua história” e “o fracasso, desde que não provoque o abandono da hipótese, é apenas a história da justificação dessa hipótese”2.
A “tentativa e erro” é única forma de acertar, e a análise teórica de alguns problemas estratégicos pode contribuir neste processo. Ainda segundo Badiou,
Todo fracasso é uma lição que se incorpora por fim na universalidade positiva da construção de uma verdade. P ara isso, é preciso localizar, encontrar e reconstituir o ponto a respeito do qual a escolha foi desastrosa. Em linguagem antiga, podemos dizer que a lição universal de um fracasso encontra-se na correlação entre uma decisão tática e um impasse estratégico.3
Este fracasso das experiências do “socialismo realmente existente” levou a um fortalecimento do reformismo no âmbito da esquerda. As experiências de partidos de esquerda que chegaram ao poder nas últimas décadas são marcadas pela adaptação ao funcionamento do Estado burguês de forma absolutamente integrada aos interesses essenciais da burguesia.
O Brasil não fugiu deste “script”. Desde 2003 até o impeachment foram 13 anos de governo liderados pelo PT em conjunto com as frações financeiras e oligárquicas da burguesia, cujos interesses permaneceram intocados. É possível ver claramente o elo de continuidade dos interesses da burguesia rentista desde Lula de 2003 até Michel Temer: O início do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) foi marcado pela escolha de Henrique Meirelles4 para a presidência do Banco Central. O fim melancólico do governo de Dilma Rousseff (2011-2016) foi marcado pela nomeação, logo depois da reeleição, em 2014, de Joaquim Levy5 como ministro da Fazenda, o qual acabou substituído pelo mesmo Henrique Meirelles após Dilma ser derrubada por um “impeachment” com características de golpe palaciano-parlamentar.
A reação do movimento de massas foi praticamente inexistente. Os governos petistas foram marcados pela desmobilização do movimento de massas e cooptação de suas organizações, sempre apostando na ilusão de que a conciliação de classes era a estratégia correta para governar. O desastre da experiência petista levou ao crescimento do PSDB e ao aparecimento de uma direita mais orgânica e ideológica.
Como escrevemos no documento “Sobre o MES – Um pouco do que somos e o que defendemos”, o grave erro do programa democrático e popular foi desconsiderar duas questões determinantes: a) somente poderosas lutas sociais, confrontos de classe e o poder dos trabalhadores podem realizar um plano de emergência popular; b) a burguesia é opositora radical desse programa. Por isso é preciso preparar-se para os confrontos inevitáveis antes, durante e depois da conquista do poder dos trabalhadores. O reformismo via parlamentar do PT transformou-se em um reformismo sem reformas, um social liberalismo.
Estrategicamente, um projeto socialista/comunista tem fundamento na extinção da exploração do trabalho e da alienação. Baseia-se na transformação da propriedade privada dos meios de produção em propriedade social e no aprofundamento da democracia. Um modelo econômico que suprima a separação entre produção e apropriação da riqueza social. A consequência será o desaparecimento do mercado como forma de distribuição de riqueza e sua substituição por mecanismos sociais que garantam a subsistência digna para todos.
Este projeto precisa visar à destruição do Estado capitalista, com a consciência de que não basta assumir o governo e tentar, sob o mesmo modelo de Estado, fazer reformas. Serão necessárias novas instituições, que aprofundem a democracia e possibilitem a participação efetiva do povo na política. Para isso, será preciso uma verdadeira revolução social e na consciência, emergindo um homem novo, com padrões de consumo distintos dos atuais, que são insustentáveis do ponto de vista da sobrevivência do planeta6.
A necessidade de ter como horizonte a extinção o Estado é um dos mais importantes embates travados por Lênin. Ele chega a definir a ideia de um “Estado livre do povo” como uma palavra de ordem de agitação, mas sem precisão científica,7 pois “qualquer Estado não é livre nem do povo”.8 Para Lênin, após a revolução será constituído um “semi-Estado”9 que, no entanto, deverá perecer, pois embora o Estado possa “aparecer” como um órgão de conciliação de classes, os interesses de classe são inconciliáveis10.
A revolução proletária é impossível sem a destruição violenta da máquina de Estado burguesa e a sua substituição por uma nova que, segundo as palavras de Engels, ‘não é já um Estado no sentido próprio’11.
Um programa de transição
O nosso programa é um programa de transição anticapitalista baseado na mobilização pelas reivindicações mais básicas e necessárias da classes trabalhadoras, pelas demandas econômicas, sociais e pelos direitos civis . Um programa que dialogue com a luta das mulheres contra o machismo e a violência, com a luta da negritude contra o racismo estrutural de um sistema que condena a população negra à marginalização e ao extermínio, com a luta da população LGBT por igualdade, cidadania e reconhecimento. Um programa pela mobilização que incentive a organização do povo e que vá levando a conclusão de que é preciso um novo poder, um poder do próprio povo, dos trabalhadores, da classe média empobrecida e dos que querem uma destruição completa das atuais formas de fazer política.
Os movimentos que se multiplicaram pelo mundo desde 2011 e tiveram sua expressão no Brasil em junho de 2013 apontam para uma luta antissistema que pauta, das formas mais variadas, a busca por direitos e democracia real. Esses movimentos ainda não têm um horizonte afirmativo mais completo, mas enquanto negação do modelo dado são fundamentais para a construção do novo.
Como disse Vladimir Safatle no seu mais recente livro, “a politica é a crença improvável e aparentemente louca de podermos ser outros, viver de outra forma”12. Mas as forças hegemônicas da burguesia levam a maioria do povo a acreditar que a forma que vivemos é a única possível, e que qualquer mudança estrutural é improvável, se não impossível. Acreditar nisso, isto é, não permitir que o povo acredite na mudança, é a única forma de manter e opressão e a exploração em um grau mínimo de questionamento. Para Gramsci, por intermédio do Estado a classe dominante não somente justifica e mantém a dominação, mas também busca o consentimento ativo dos dominados13.
Por isso debater um programa de mudanças reais não é tarefa fácil e precisa começar por fazer a ponte entre a utopia (no sentido que Ernest Bloch lhe dá, uma possibilidade latente ainda não realizada) e a vida material real e concreta. Um programa antissistema que comece com ousadia pelo questionamento da institucionalidade na qual estamos inseridos, o Estado Democrático de Direito, que de democrático tem muito pouco.
Pontos para um programa antissistema
A organização e a mobilização popular é o melhor antídoto contra uma casta política que só pensa em seus privilégios e sobrevivência. Um programa de mudanças estruturais só poderá ser aplicado em um contexto de organização do povo, pois o andar de cima não vai entregar seus privilégios facilmente. Fortalecer a organização de base, os movimentos independentes e trabalhar por um novo tipo de junho de 2013, um junho com um programa claro de mudanças é o caminho. Vejamos alguns pontos essenciais deste programa necessário:
1) Por democracia real
A estrutura política brasileira tem por base a relação promíscua entre o capital e a casta política. O parlamento é apenas minoritariamente uma caixa de ressonância dos interesses do povo. Como instituição e na sua maioria representa os interesses das oligarquias e dos capitalistas. Não podemos ter como estratégia simplesmente a conquista de uma maioria. O necessário é a destruição desta institucionalidade e sua refundação através de uma participação real do povo nas decisões politicas e administrativas. Safatle define bem:
“Um povo livre nunca delega sua soberania para quem quer que seja. (…) Deputados e presidentes não são ‘representantes do povo’: no máximo são seus ‘comissários’, como dizia Jean Jaques Rousseau. Por isso uma verdadeira democracia deveria ter, ao lado dos poderes Executivo e Legislativo, a figura da assembleia popular a ratificar leis ligadas ao orçamento, reformas constitucionais, situações de emergência, guerras, assim como apor seu aceite ou sua recusa a tudo aquilo que uma minoria qualificada da população percebe como objeto de discussão em assembleia. (…) O povo deve ter as estruturas institucionais que lhe permitam continuamente se defender de quem procura lhe usurpar o poder. (…) Governar aparece como uma forma de garantir as condições para que os sujeitos se dirijam a si mesmos. Para tanto, o Estado deve passar por uma mutação. Ele deve tender a uma forma regulação dos processos econômicos até a abolição da sociedade do trabalho, sociedade que submete a atividade humana ao mero processo de valorização do valor, pois os processos regulatórios não devem visar apenas à limitação da concentração e das estruturas de monopólio. Elas devem liberar a atividade humana da sua colonização pelas formas do trabalho produtor de valor. Isso exige uma outra forma de organização da produção que só pode emergir quando a deliberação politica voltar às mãos da imanência da soberania popular”14.
Ampliar a democracia e buscar que ela seja real e não uma mera ficção jurídica é um passo fundamental na transição, assim como a plena soberania do povo, a democracia direta e a participação cidadã nas decisões de governo. Todo o poder soberano, quando constatada uma inadequação entre a vontade popular e a ordem jurídica, tem o direito e o dever de suspender o ordenamento jurídico vigente para devolver a soberania ao seu titular, o povo. Uma assembleia constituinte eleita com regras verdadeiramente democráticas é um passo neste caminho de construção de uma democracia real. É fundamental também a anulação das reformas antipopulares aprovadas pelo Congresso corrupto, como a mudança na legislação trabalhista e a lei das terceirizações. Isso inclui, evidentemente, o fim da lei que impôs o teto de gastos – que existe apenas para pagar os juros de uma verdadeira caixa preta chamada de dívida pública.
2) Revolução tributária
Não há mais espaço para se fazer distribuição de renda no Brasil sem que o topo da pirâmide perca seus privilégios gigantescos. Uma revolução na estrutura tributária é fundamental. No Brasil 72% dos impostos são arrecadados sobre o consumo e a renda do trabalho, enquanto apenas 28% incidem sobre o capital e a riqueza. Nos países da OCDE, 33% dos tributos vêm do consumo e da renda. Neste grupo de 35 países a grande maioria da arrecadação, 67%, corresponde à taxação sobre o capital e a riqueza.
A taxação das grandes fortunas é um passo importante em direção à redução da desigualdade social. Trata-se de uma determinação da nossa Constituição que nunca foi regulamentada. Na campanha presidencial de 2014 defendemos que fortunas acima de R$ 50 milhões paguem uma alíquota de 5% ao ano, o que possibilitaria uma arrecadação de R$ 90 bilhões. Esta é apenas uma hipótese. Outros modelos podem ser debatidos, o que importa é que ocorra de fato este tipo de tributação. Outra alternativa é a tributação sobre a herança. No Brasil este tributo é baixíssimo, enquanto em outros países (capitalistas) pode chegar até a 50%.
O sistema tributário brasileiro precisa inverter sua lógica. Uma política de distribuição de renda justa deve reduzir os impostos sobre o consumo e sobre a renda e aumentar a tributação sobre a riqueza e sobre a herança.
Vem da Receita Federal a informação de que os lucros sobre dividendos representam R$ 300 bilhões por ano no Brasil. Esse montante não paga nenhum centavo de imposto.
O que estamos propondo é que o Estado deixe de massacrar os mais pobres e a classe média com uma carga tributária altamente injusta e regressiva. Trata-se, portanto, de alívio nos impostos sobre a maioria do povo. O aumento que defendemos é para uma minoria milionária.
A economista Laura Carvalho, professora da USP, interpretou uma pesquisa do World Wealth and Income Database, um instituto que tem em sua direção o francês Thomas Piketty – autor do best-seller “O Capital no Século 21”. O estudo aponta que a desigualdade de renda no Brasil não diminuiu entre 2001 e 2015.
“A redistribuição que houve nos anos 2000 foi sobretudo na base da pirâmide, pelo aumento do salário dos trabalhadores menos qualificado por meio da valorização do salário mínimo e demanda maior por esses trabalhadores nos setores de serviços e construção naqueles anos. Os mais ricos continuaram se apropriando de uma parcela muitíssimo elevada da renda, que pode ser explicada pela alta concentração de riqueza financeira e não financeira no Brasil, além dos juros altos”, explica.
Os frutos do esforço produtivo da nação não podem seguir beneficiando apenas os mais ricos, que em última análise compõem e controlam a casta política que comanda o país. É por isso que nós precisamos de uma revolução tributária que ataque este problema pela raiz. É apenas uma das muitas medidas necessárias para mudar os rumos temerários em que se encontra o Brasil. Para isso precisamos de um governo que oriente suas ações para beneficiar a maioria do povo, não a um punhado de milionários.
3) Por uma nova política econômica
O ponto central de um programa à esquerda para o país deve ser a política econômica. Enquanto ela não mudar, tudo permanecerá como está. É a partir da política econômica que se definem as estratégias de desenvolvimento. Não podemos mais subordiná-la aos interesses do mercado financeiro. Devemos orientar a política econômica às necessidades reais da classe trabalhadora e do povo.
O problema é que, no Brasil, a política econômica sempre foi orientada ao grande capital. Uma política que se estabilizou com os governos do PSDB, foi preservada durante as gestões petistas e agora é intensificada sob o comando de Temer. Precisamos romper com esta lógica e propor um outro modelo econômico para o país.
Este modelo deve começar rompendo com a subordinação à lógica do superávit primário. Não é possível que o Brasil siga utilizando os recursos do esforço produtivo do país para pagar juros de uma dívida que sequer passou por auditoria. Uma dívida que quanto mais se paga, mais cresce. Que já ultrapassa os R$ 3 trilhões. Dos R$ 3,5 trilhões para o orçamento federal de 2017, R$ 339 bilhões estão destinados ao pagamento de juros e encargos da dívida.
É preciso acabar com a transferência de recursos públicos para uma elite rentista especular no mercado financeiro. Isso possibilitaria investimento real em educação, saúde, segurança e moradia. Uma auditoria da dívida é o primeiro passo neste novo caminho.
Uma política econômica verdadeiramente de esquerda não pode sujeitar o combate à inflação ao chamado “regime de metas” do tripé macroeconômico. Todos os candidatos do sistema defendem este mecanismo como se fosse algo natural – quando na verdade trata-se de uma política do FMI desde os anos 1990. Este regime é baseado na teoria liberal de que o aumento de preços seria resultado de uma suposta demanda exagerada por produtos e serviços, sendo então necessário manter altas taxas de juros para reduzir a atividade econômica e, assim, controlar os preços.
Porém, uma grande parte da inflação é gerada pelos preços controlados pelo governo, como combustíveis, energia elétrica, planos de saúde, educação privada e telecomunicações. É preciso impor um freio a estes aumentos, resistindo às pressões dos grupos privados que controlam estes serviços. Ao mesmo tempo o governo precisa reduzir a taxa de juros, propiciando o aumento do investimento – o que aumenta a oferta futura de produtos e serviços, reduzindo-se assim a inflação.
Já a inflação no preço dos alimentos deve ser combatida através de uma política de segurança alimentar e de fortalecimento da agricultura familiar, com uma reforma agrária de verdade no Brasil. O governo precisa apoiar os assentamentos, com infraestrutura necessária às famílias, e facilitar a comercialização direta de seus produtos via feiras livres. É o pequeno e médio agricultor que coloca comida no prato dos brasileiros, não os grandes latifundiários que adotam um modelo ambientalmente predatório de produção e exportam grãos sem qualquer valor agregado ao mercado externo.
4) Corrupção e capitalismo: um casamento de conveniência
A corrupção é uma marca das sociedades regidas pela lógica da mercadoria e nas quais a escassez e/ou a distribuição da renda é desigual e injusta. No capitalismo a corrupção é uma característica recorrente, mas os ideólogos do livre mercado insistem em defender a ideia de que menos Estado e mais capitalismo poderia reduzir a corrupção. Medidas que aprofundem ainda mais a subordinação do interesse público às grandes empresas e monopólios seriam, em tese, a solução para a corrupção, sempre identificada com o Estado e com os políticos, e nunca com as empresas e grandes corporações. Supostamente a redução do tamanho do Estado, isto é, a privatização, seria o caminho para reduzir a corrupção. O atual escândalo envolvendo a Petrobrás tem servido ao propósito de entregar totalmente a empresa ao capital privado. Esta identificação da corrupção com o Estado é uma manobra, pois as grandes empresas são protagonistas fundamentais da corrupção.
O Brasil nos fornece um exemplo muito concreto sobre as relações entre o poder das grandes corporações, a corrupção e o capitalismo. Muitos políticos estão sendo presos e até Michel Temer pode ir para a cadeia se perder o mandato, pois o sistema está entregando os anéis, mesmo os mais valiosos, para manter os dedos. Mas políticos e anéis podem ser substituídos e por isso é preciso romper o sistema que permite aos capitalistas continuar saqueando o país.
Não é de hoje que esses capitalistas ganham e comandam o país por meio de fantoches políticos. Independentemente das mudanças de governo e até de regime, as grandes empresas sempre levaram vantagem.
É preciso um programa de mudanças profundas que desestruture este poder e comece a construir um poder popular e dos trabalhadores. Isso passa pelo fim das benesses fiscais aos milionários e grandes empresas, com a cobrança dura de todos os grandes sonegadores; é preciso que as grandes empresas que se envolveram em corrupção passem a funcionar sob controle de seus trabalhadores e não mais dos seus atuais donos corruptos, e que o sistema financeiro esteja sob controle público e seus lucros sejam revertidos para o interesse da maioria e não embolsados por um punhado de milionários.
Um sistema sério de combate à corrupção também é essencial. O sentimento de impunidade dos criminosos do colarinho branco é gigantesco. Vimos que mesmo com o andamento da Operação Lava Jato, que já prendeu vários políticos e empresários, Geddel mantinha um apartamento recheado de dinheiro e Joesley planejava comprar agentes do MPF e do Supremo.
Para um combate à corrupção efetivo não bastam operações policiais ou jurídicas. É pela política que precisamos construir uma alternativa que viabilize uma participação mais direta do povo na política e uma fiscalização permanente e efetiva sobre os políticos. Se não colocarmos o combate à corrupção no topo da agenda o resultado será um descrédito total da política, e isso é o caminho mais curto para o surgimento de “salvadores da pátria”, que só querem mesmo salvar o sistema.
5) Para além do econômico
Além das mudanças econômicas há muito mais a fazer. Por exemplo, uma mudança no sistema penal brasileiro é fundamental para reduzir a violência. O encarceramento em massa de jovens pobres e em sua maioria negros é uma política sem nenhuma efetividade no combate à violência e geradora de mais discriminação e exclusão. Uma nova política de drogas também é essencial para que haja um combate efetivo à violência no país. A guerra às drogas fracassou no mundo inteiro. Transformou-se em uma verdadeira guerra aos pobres. Descriminalizar e regulamentar a produção, venda e o consumo da maconha é o primeiro passo para quebrar a espinha dorsal do tráfico e acabar com a chaga do encarceramento em massa de jovens negros e pobres. O nosso vizinho Uruguai está fazendo uma experiência fundamental neste sentido.
As políticas de combate às diferentes opressões e discriminações devem ser uma prioridade para o avanço democrático e civilizacional no Brasil. Não é possível que o machismo e a misoginia sigam vitimando milhares de mulheres vítimas de violência. Que o país siga sem uma lei de identidade de gênero para a população transexual. Que a LGBTfobia ainda não tenha sido criminalizada. Que as mulheres – especialmente as mulheres negras – ganhem menos que os homens e sangrem em clínicas clandestinas de aborto, quando este procedimento deveria ser 100% público, legal e seguro àquelas que optarem por ele. Não é possível que o racismo continue sendo um eixo estruturante da nossa sociedade, e que a população negra continue sendo a mais pobre, a mais discriminada e oprimida. Estes são temas fundamentais que merecem, cada um deles, uma análise e um programa elaborado pelos próprios protagonistas destas lutas.
Este artigo faz parte da edição n. 7-8 da Revista Movimento. Leia ele e demais textos comprando a revista aqui!
Notas:
1 MANDEL, Ernest. Situação e futuro do socialismo. In: O socialismo do futuro. Revista de debate político. Vol. 1, nº 1, mai. 1990. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1990, p. 82
2 BADIOU, Alain. A hipótese comunista. São Paulo: Boitempo, 2012, p. 10.
3 BADIOU, Alain. A hipótese comunista. São Paulo: Boitempo, 2012, p. 25.
4 Henrique Meirelles, atual Ministro da Fazenda, foi presidente do Banco Central dos dois governos de Lula (2003 a 2011) Oriundo do setor financeiro, foi presidente do Bank Boston e era deputado federal eleito pelo PSDB quando foi convidado por Lula para presidir o Banco Central. Após o impeachment de Dilma voltou para o governo como Ministro da Fazenda de Michel Temer.
5 Joaquim Levy foi Ministro da Fazenda do governo Dilma (2015), com a missão de fazer o ajuste fiscal. Trabalhou nos governos de FHC e no FMI.
6 MARCUSE, Herbert. Razão e Revolução. Hegel e o advento da teoria social. São Paulo: Paz e Terra, 2004, p. 105-109
7 Lênin, Vladimir Ilich. O Estado e a Revolução. Obras escolhidas Edições Avante! Lisboa: 1985, p. 201.
8 Idem Ibidem, p. 203.
9 Idem Ibidem, p. 202.
10 Idem Ibidem, p. 193.
11 LENINE, VI. Obras escolhidas 3. A revolução proletária e o renegado Kautsky. São Paulo: Alfa -ômega, 1980, p. 11
12 SAFATLE, Vladimir. Só mais um esforço. São Paulo: Três Estrelas, 2017, p. 133
13 GRAMSCI, Antonio. Obras escolhidas. São Paulo: Martins Fontes, 1978, p. 234-235.
14 SAFATLE, Vladimir. Só mais um esforço. São Paulo: Três Estrelas, 2017, p. 125-131