“A elite que governa desde a morte de Chávez iniciou o desmonte da revolução bolivariana”

Em memória a Hugo Chávez, morto há exatos cinco anos, reproduzimos entrevista sobre o desenrolar do processo bolivariano após sua morte.

Oly Millán Campos 5 mar 2018, 15:38

Oly Millán Campos, ex-ministra do Poder Popular para as Comunas e Proteção Social durante o governo com Chávez, ex-ministra do Poder Popular para a Economia Popular em 2006, integrante da Plataforma Pública e Cidadã em Defesa da Constituição e integrante da Plataforma para a Auditoria da Dívida, é uma dessas pessoas que, desde a defesa do chavismo, criticando aquilo, segundo ela, em que se está se tornando o poder atual da Venezuela com Maduro no comando.

De que forma se posicionar como uma esquerda crítica frente ao governo Maduro?

A Venezuela atravessa uma profunda crise de caráter estrutural como nunca houve na história de sua República. A situação é tão dramática que o país está numa crise de caráter humanitário. Esta situação implica que existe um retrocesso em todos as conquistas políticas e sociais obtidas durante a revolução bolivariana. Esta crise é produto da combinação dialética de vários fatores de caráter estrutural e conjuntural, assim como da condução por parte de um Governo que está constituído por uma elite de poder que tem se beneficiado da captura delituosa de capitais e que é funcional ao capital internacional. Devemos dizer também que a crise está atravessada pela reorganização que no plano internacional vem ocorrendo no sistema capitalista mundial, me refiro à geopolítica mundial onde a têm peso China, Rússia e EUA e o que significa a Venezuela por suas importantes riquezas naturais, como o petróleo.

Quando nos referimos ao caráter estrutural da crise, falamos do aprofundamento do modelo rentístico petroleiro. A Venezuela depende hoje em dia, como nunca antes, da renda petroleira; portanto, ao ocorrer no plano internacional uma baixa significativa dos preços do petróleo que chegaram a estar acima dos 100 dólares por barril antes de 2013, é óbvio que ao descer para os 40 dólares por barril se manifesta num efeito negativo em toda a estrutura econômica do país. De igual maneira, está claro que somado ao caráter rentístico do modelo econômico do país, está também, associado, um modelo mafioso de acumulação de capitais que em cada boom petroleiro se gera com o surgimento de grupos econômicos que começam a conviver com os setores econômicos tradicionais. Isso ocorreu com o padrão mafioso que se gestou com o aumento da dívida externa e a gestão discricionária que setores da boliburguesia tiveram sobre a gestão da economia petroleira, concretamente das entradas em divisas.

Esta elite de poder que governa a partir da morte do presidente Chávez começa a ter perfil próprio e inicia o desmonte das principais referências da revolução bolivariana, vivendo do patrimônio político deixado por Chávez, que em boa parte são os que se beneficiaram do padrão mafioso de acumulação de capital disputando o poder e o controle do Estado com a direita tradicional.

Ante este quadro de decomposição generalizada onde começa a se comprometer a perspectiva revolucionária e socialista, nós que nos assumimos como chavismo crítico começamos há aproximadamente três anos a exigir do Governo a necessidade urgente de retificar partindo por trabalhar pelo estabelecimento de uma auditoria pública e cidadã contra o desfalque à nação, fuga delituosa de capitais, e contra a dívida pública, e assim estabelecer mecanismos claros e transparentes para deter a fuga de capitais, depurar responsabilidades nos escândalos de corrupção e para evitar que seja o povo venezuelano quem tenha que suportar uma crise que injustamente está padecendo.

Neste sentido, acreditamos na necessidade de construir uma nova referência política revolucionária e socialista, que reconheça desde uma visão histórica e de classe as conquistas da revolução bolivariana, mas que também realize um balanço crítico sobre os erros e as debilidades que teve o processo. A construção desta nova referência política deve evitar cair na polarização policia que reduz a complexidade no campo amigo-inimigo, contradição principal e secundária, que tanto dano fez para a revolução bolivariana.

A construção desta referência política revolucionária passa necessariamente por resgatar a esperança do povo venezuelano nas possibilidades certas de construir outro mundo possível.

Opor-se ao governo não implica deixar o poder para a direita, que é muito extremista e perigosa?

A pergunta que nós temos que fazer é se a direita está na oposição ou está efetivamente no Governo, porque em todo caso, eu entendo a direita não só na personificação que temos que fazer dela, no sentido de que não nos deve restar dúvidas de que um personagem como o presidente dos EUA é um personagem de direita, mas para além da personificação, o ponto crucial está nas concepções de direita que se expressam nas políticas e nas ações concretas. Então, um Governo que começa a desmontar as referências da revolução incluindo a Constituição da República Bolivariana da Venezuela para facilitar o investimento do capital internacional como é a criação das Zonas Econômicas Especiais, como é o caso do Arco Minerador do Orinoco, que se vangloria de pagar a dívida às custas da dramática situação social que tem o povo, que viola os direitos humanos, que reprime e criminaliza qualquer tipo de protesto, que exerce um controle social férreo através da ameaça permanente ao povo de retirar os benefícios sociais, como o acesso ao subsídio à comida se participa nos processos eleitorais votando contra, a pergunta que nós temos que fazer é: será este governo de esquerda e socialista?

Entendo o que você diz, mas então, não é mais perigoso a direita oficial ter o poder que o Governo atual?

Se a outra direita chegar ao Governo, a ter o controle do Estado, deslocando a direita atual que administra declarativamente como chavista e socialista, não é uma responsabilidade dos movimentos revolucionários críticos ou do chavismo crítico. Nós apostamos na construção de uma referência política revolucionária, chavista e socialista e oxalá tenhamos tempo de construí-la e poder disputar os espaços políticos de poder com estas duas direitas, a direita que governa e a direita que se opõe. Não obstante, reconhecemos que organizativamente somos muito débeis, ainda que também reconheçamos que essa debilidade é relativa, porque os grupos e individualidades de esquerda, assim como o chavismo crítico que nos organizamos em torno da Plataforma Cidadã pela Defesa da Constituição (ex-ministros de Chávez, o partido de esquerda Marea Socialista, a Plataforma contra o Arco Minerador do Orinoco, dirigentes emblemáticos, acadêmicos como Edgardo Lander, Esteban Emilio Mosonyi, o major-general Clíver Alcalá Cordones e o advogado constitucionalista Freddy Gutiérrez), gozamos por parte dos movimentos de esquerda e movimentos sociais, inclusive os que apoiam Nicolás Maduro, de reconhecimento como revolucionários comprometidos com a revolução e de certo prestígio ético e moral.

Nossa luta é para não deixar essa disposição à mudança que se instalou no imaginário coletivo do povo venezuelano e que Chávez transformou na necessidade de construir o socialismo não morra, pelo que é muito importante explicar ao povo venezuelano que o socialismo não fracassou, que o que fracassou foi uma elite de poder que se enriqueceu de forma corrupta e que tem vasos comunicantes com os grupos econômicos tradicionais, por exemplo, o setor financeiro e com a trama que faz parte do capital internacional.

Nestes momentos, a crise política que tem a Venezuela pode ser resumida como a confrontação existente entre dois bandos, um aglutinado no PSUV/Governo e o outro na Oposição/MUD, que se desconhecem mutuamente, porque cada um, a sua maneira, está disputando para ver quem é mais eficiente na hora de assegurar os benefícios ao capital tanto transnacional como local. Isso pode ser visto através dos negócios que estão se desenvolvendo com as empresas mistas que estão investindo na Faixa Petrolífera do Orinoco, no Arco Mineiro do Orinoco e no pagamento oportuno que vem realizando o Governo a serviço da dívida.

Como atuar no futuro?

Nós há alguns meses estamos postulando a construção de uma referência política. Um dos primeiros passos que demos foi organizar diversos encontros e reuniões com diversas forças de esquerda dando como resultados a candidatura de vários companheiros que participaram das eleições municipais em 10 de dezembro de 2017, mantendo igualmente nossa posição crítica tanto às ações da direita opositora aglutinada na MUD como à direção do PSUV-Governo.

As outras ações que estamos desenvolvendo é que ante a crise política se faz necessário construir um diálogo plural onde sejam incluídos amplos e diversos setores do país, que têm propostas concretas para enfrentar e sair da crise e não deixar a solução da mesma somente nas mãos da MUD e do PSUV-Governo.

A liderança da direita aglutinada na MUD atualmente tem pouco nível de legitimidade e de credibilidade por parte da população, mas devo dizer que também as lideranças do PSUV-Governo estão profundamente questionados.

Quais são as suas impressões, o que você pensa da situação política depois das eleições municipais?

A situação política que se conformou no país depois das eleições regionais está caracterizada por um Governo que vem avançando rapidamente para um regime autoritário que através dos mecanismos de controle social, com o uso da força (militar e policial), ameaças de demitir empregados públicos e através de políticas clientelistas (bolsas de comida, doação de dinheiro mediante o uso de um cartão eletrônico denominado “carnê da pátria”) foi estabelecendo mecanismos de pressão e controle para obrigar o povo a participar dos processos eleitorais (ainda que na Venezuela o voto não seja obrigatório), induzindo o povo através de uma campanha agressiva em prol de seus candidatos.

Por outro lado, temos uma oposição direita que foi se autodestruindo, com muito pouca base social, com algumas lideranças desprestigiadas, sem propostas críveis. Em síntese, temos uma situação de crise que tem se aprofundado, um povo cansado, atacado e com pouca confiança nas instituições do Estado, com um governo que dia após dia não se cansa de apresentar como um triunfo o aniquilamento político de seu antagonista, ainda que no fundo o que vem se aniquilando é o marco constitucional no qual se definem as regras do jogo da democracia participativa e protagonista. Tudo isso serve de marco para o desenvolvimento de uma espiral de violência e pobreza generalizada, que ameaça terminar de destruir as referências políticas da revolução bolivariana que uma vez geraram esperança e felicidade no povo venezuelano.

Entrevista realizada pelo portal aporrea.org  em 27 de fevereiro.


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