O melhor dia

O putinismo como um “presente eterno”, fundado numa heroica história nacional milenar, segue sendo um dos tropos ideológicos cruciais das elites russas.

Ilya Budraitskis 24 mar 2018, 13:00

Em 3 de março de 2018, o principal comício eleitoral de Vladimir Putin teve lugar no Luzhniki Stadium em Moscou. Dezenas de milhares de funcionários públicos vieram de várias regiões do país e esperavam de ouvir o discurso do presidente, assim como os atores e cantores que manifestaram seu apoio. Não muito antes de que Putin aparecesse, Grigory Leps, um cantor popular com um passado criminal, apresentou sua canção “The Very Best Day” [“O melhor dia”]. Precisamente seis anos atrás, nas vésperas das eleições presidenciais de 2012, Leps também cantou “The Very Best Day” em outro evento em apoio a Putin. O script apenas havia mudado, como se confirmasse a vitória do regime político imutável sobre a passagem do tempo.

De fato, apresentar o putinismo como um “presente eterno”, fundado numa heroica história nacional milenar, segue sendo um dos tropos ideológicos cruciais das elites governantes.

Entretanto, em realidade “o melhor dia” de 2012 é completamente diferente do “melhor dia” de 2018. Naquele momento, o regime recebeu o apoio da maioria através de algo mais do que a retórica patriótica. Com o pano de fundo dos altos preços do petróleo e o contínuo crescimento econômico, Putin pode prometer um aumento nos salários do funcionalismo e garantir um crescimento nas rendas para a população em geral. Mas em 2018, a Rússia é um país cada vez mais sumido na pobreza e privado de perspectivas viáveis para qualquer nova recuperação econômica.

A anexação da Crimeia em 2014, as consequentes sanções e a queda nos preços da energia limitaram o desenvolvimento de um modelo russo de capitalismo baseado na exploração predatória do potencial industrial herdado da era soviética. Nos últimos anos, o governo de Dmitry Medvedev tem consistentemente uma versão russa de “medidas de austeridade” cuja severidade seria invejada pelas elites da União Europeia. A saúde e a educação estavam sujeitas a “programas de otimização” acompanhadas pelo fechamento de escolas e hospitais, enquanto a inflação se restringia principalmente mediante o “congelamento” efetivo dos salários. Os russos estiveram e continuam pagando por uma crise criada pelas elites. A retórica da “fortaleza sitiada” adotada pelo governo desde o começo da crise da Ucrânia permitiu praticamente declarar qualquer protesto social como parte de uma “guerra híbrida” travada pelo Ocidente contra a Rússia.

Nas vésperas de seu novo mandato de seis anos, Vladimir Putin não pode propor nada mais que o estancamento econômico contínuo e uma queda mais profunda na pobreza. O programa de governo real, que os especialistas discutem abertamente, antecipa uma adesão inquebrantável às “regras orçamentárias” um aumento na idade de aposentadoria e uma maior redução no gasto social.

Esta espantosa falta de perspectivas de futuro se refletiu por completo no discurso programático de Putin de 1 de março de 2018. Ao pronunciar várias promessas superficiais “para melhorar a qualidade de vida”, ele passou ao tema principal: a ameaça militar. Sobre a pequena figura presidencial, enormes telas foram iluminadas, gráficos deslumbrantes que recordam a uma geração anterior. Putin descreveu com gosto novos tipos de armamentos nucleares que poderiam romper o sistema de mísseis estadunidenses com facilidade. Putin fez seu argumento tantas vezes repetido dos últimos anos: se o Ocidente não está pronto para as conversas, faremos que escutem através de nossa fortaleza. O crescimento do poder militar de Rússia foi o resultado do governo de Putin. No entanto, o país continua encontrando-se rodeado de inimigos, pelo qual é necessário continuar o curso atual para sua sobrevivência.

Nas próximas eleições de 18 de março, o que realmente se oferece não é a eleição de um presidente em tempos de paz, mas de um comandante supremo; o tipo de líder que, em tempos de guerra, como Churchill ou Stalin, não pode prometer nada mais que “sangue, suor e lágrimas”. A figura de Putin, por assim dizer, se eleva por cima da política econômica e social, transferindo essa obrigação à competência dos tecnocratas do governo. Putin é o líder da nação, principal responsável dos temas de guerra e paz.

Em consequência, a retórica militar se converte na principal orientação ideológica da política interna, justificando tanto o curso social neoliberal como a consequente repressão dos diretos civis e o posterior entrincheiramento do regime autoritário. As múltiplas estruturas de segurança, cujos fundos aumentaram continuamente nos últimos anos, receberam o mandato de atuar sob um estado de emergência permanente na luta pela unidade da nação frente a uma ameaça externa. Não é acidental que, em vésperas das eleições, o Serviço Federal de Segurança russo (FSB) tenha iniciado um novo caso a grande escala contra os anarquistas russos. Em seu esforço por construir uma imagem absurda de uma conspiração armadas contra o regime, os investigadores do FSB recorreram à tortura física para obter as provas necessárias.

O recurso a ameaças externas e internas como a principal justificativa para a legitimidade do governo, de fato, demonstra a fraqueza e degradação do regime existente. Por trás da previsibilidade da vitória de Putin nas eleições decorativas de 18 de março, esconde-se a imprevisibilidade de novos desdobramentos no país.


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