“Usar Marielle para defender intervenção é crueldade com sua memória”

O portal Sul21 acompanhou a presença de Luciana Genro em ato na Esquina Democrática de Porto Alegre em memória à vereadora do PSOL.

Fernanda Canofre e Luciana Genro 21 mar 2018, 13:47

A multidão de 100 mil pessoas que ocupou a Cinelândia, no Rio de Janeiro, para marcar o sétimo dia do assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson, ecoou na Esquina Democrática de Porto Alegre. Com um ato menor do que o realizado logo após os assassinatos, nesta terça-feira (20), militantes de movimentos negros, integrantes de coletivos e partidos políticos e membros da sociedade civil se uniram pela memória dela, em discursos em torno das causas que a psolista defendia.

Sete dias depois da morte, o caso segue sem respostas oficiais. Depois que a munição usada para matar Marielle e Anderson foi identificada como sendo da Polícia Federal, o ministro extraordinário da Segurança Pública, Raul Jungmann, apareceu dizendo que o lote foi roubado em uma agência dos Correios há 12 anos. Os Correios negaram ter qualquer registro do episódio. E tudo voltou à estaca zero.

“Não temos sequer uma mínima clareza do que aconteceu. Se foi a polícia, se foi a milícia, se foi uma execução por algum motivo específico que ela estava denunciando, se foi um recado para o PSOL, se foi um recado para o Marcelo Freixo. Não se sabe de nada”, disse ao Sul21, a advogada e ex-deputada, Luciana Genro, colega de partido de Marielle.

Luciana reforçou a necessidade de se cobrar justiça para o caso até que se chegue a uma conclusão. Ela classificou o assassinato de “execução política, de uma parlamentar que era a voz daqueles que não têm voz”.

“Do governo federal só recebemos versões que mudam a cada dia. Do governo do Estado do Rio de Janeiro, sequer uma versão. Os assassinos da Marielle ainda não foram desvendados, mas a verdade é que no Brasil inteiro o povo se levantou. O que nos conforta, a nós do PSOL, que perdemos uma querida companheira, além de uma lutadora, é essa força que vem do povo e que possamos acreditar que a morte dela não foi em vão”.

Outro integrante do PSOL, o vereador Roberto Robaina lembrou do trabalho de Marcelo Freixo na denúncia de milícias no Rio há anos. Trabalho que era apoiado pela própria Marielle, que foi assessora do deputado por dez anos, antes de ser eleita quinta vereadora mais votada do Rio. Robaina reforçou a cobrança por respostas e citou ainda a reportagem do The Intercept Brasil, que denunciou a presença de um miliciano indiciado pela CPI em que Marielle atuou, na Câmara, na véspera de sua morte.

Marielle foi morta menos de uma hora depois de encerrar um debate sobre como mulheres negras podem mover estruturas da sociedade, numa Casa das Pretas, lotada para ouvi-la. Seu assassinato completa uma semana no Dia Mundial de Combate ao Racismo: 21 de março. Data marcada pelo massacre de Sharpeville, ocorrido em Joanesburgo, na África do Sul, em 1960, quando 20 mil pessoas marcharam contra a Lei do Passe, que obrigava negros a portar cartões com os locais onde poderiam circular. O saldo foi de 69 mortos e 186 feridos.

“No Brasil, em que o racismo está estruturado em todos os espaços, em todas as instâncias de poder e relações, negro e mulher não tem vez. Nós, mulheres negras, sabemos o que é chegar onde Marielle chegou. Uma liderança política, uma liderança de base social forte”, afirmou ao microfone a ativista Reginete Bispo.

O deputado estadual Pedro Ruas, outro colega de partido de Marielle, comparou sua morte com outros dois assassinatos que entraram para a história: Che Guevara, assassinado pelo Exército boliviano e por agentes dos Estados Unidos, em 1967, e Chico Mendes, assassinado no interior do Acre, a mando de fazendeiros, em 1988. Dois casos em que ao se tentar matar os porta-vozes de uma ideia, acabaram criando ressonância para as mesmas.

“Em 2018, a tragédia se repete no Rio de Janeiro. Matam uma companheira nossa, uma lutadora, que reunia todas as virtudes que se quer de uma grande militante. Achando que com ela poderiam matar também sua luta. Se enganaram de novo. O mundo inteiro hoje exige justiça para Marielle”, defendeu ele, lembrando da capa do jornal The Washington Post, desta terça, que a chama de “símbolo global”.

Vereadora suplente do mesmo PSOL, Karen Santos, que foi hostilizada na Câmara de Vereadores de Porto Alegre em abril do ano passado por usar uma camiseta de Malcom X, defendeu que a morte de Marielle sirva como um ponto de inflexão para reforçar trabalhos e debates dentro das comunidades do povo pobre e preto, como ela.

“Marielle se torna uma mártir nessa luta porque ela representa a voz dessa periferia, dessas mulheres, desse povo que está na batalha, que está sendo sufocado por sucessivos governos a mando da elite”.

Ameaça de narrativa capturada

Marielle morreu sendo ainda uma das vozes críticas mais eloquentes contra a intervenção militar determinada pelo governo Michel Temer (MDB), no Rio. Ela seria a relatora da Comissão que avaliaria a intervenção na capital carioca. Com um mês de decreto, completado na última sexta-feira, nem o governo, nem o interventor apresentaram ainda o plano de ação para ele.

Um dia depois da morte de Marielle, Temer se manifestou nas redes sociais dizendo que a morte era “inaceitável”, “por isso, havia decretado a intervenção federal”. Um discurso que, para militantes do próprio PSOL, estaria sendo adotado por parte da mídia tradicional na cobertura das manifestações em apoio a ela.

“Isso é uma hipocrisia muito grande. Usar a Marielle para defender a intervenção é crueldade com a memória dela. Ela era justamente a pessoa que levantava a voz contra isso”, afirma Luciana Genro.

O professor de Geografia da rede pública municipal de Porto Alegre, Davi Lessa, era uma das pessoas a segurar a faixa contra a intervenção no ato na Esquina Democrática. Para ele, a morte da vereadora foi um “golpe”, que agora tem que virar “resistência”.

“Ao invés de haver investimentos por parte dos governos, em educação, saúde, a resposta é com Exército, com mais repressão. Essa era uma pauta que estava presente na luta da Marielle”.

Sem dar aos seus mortos um minuto de silêncio, mas sim de resistência, ativistas negros ainda ocuparam o ato com músicas de religiões de matriz africana, versos de SLAM e poesia. Uma delas foi recitada por Tiri, do Embolamento Cultural, morador do bairro Rubem Berta.

“Na linha de frente, estaremos juntos. No passado não foi diferente, tentaram calar o presente. Seguimos de luto, lutando, de punho erguido e coração valente. Marielle, presente. Anderson, presente”.

Reportagem originalmente publicada no portal Sul21.


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